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Benditos mercados!
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Benditos mercados!
Os mercados têm uma face traiçoeira, como se viu em 2008, quando rebentou uma 'bolha' criada artificialmente, dando-se início a uma grave crise que dura até hoje.
O ataque às agências de rating é uma tentativa de atirar para cima do mensageiro as responsabilidades por desgraças que têm outros responsáveis
Um claro exemplo disso foi o que aconteceu na última fase do Governo de José Sócrates, quando as taxas de juro da dívida portuguesa começaram a subir em flecha, pondo a nu o endividamento excessivo.
Os socialistas indignaram-se, apontando o dedo aos mercados, vistos como uma espécie de encarnação do Diabo.
As agências de rating foram insultadas por terem posto Portugal no 'lixo' - e houve em Portugal quem as processasse!
Defendeu-se convictamente a criação de agências de rating europeias ou até portuguesas, para contrariar as norte-americanas.
Santa ignorância!
Santa ingenuidade!
As agências de rating são instituições privadas que fazem permanentemente avaliações de risco de crédito a países e a empresas - avaliações estas que as pessoas valorizarão ou não, conforme entenderem.
As agências não impõem nada - só dão classificações e conselhos; depois, quem quiser segue-os, quem não quiser ignora-os.
Ora, criar uma agência europeia com o objectivo de 'facilitar a vida' aos países ou às empresas da Europa em dificuldades, seria o gato escondido com o rabo de fora.
Quem acreditaria nessa agência?
Quem a seguiria?
Para já não falar na credibilidade de uma eventual agência portuguesa…
O ataque às agências de rating é uma tentativa de atirar para cima do mensageiro as responsabilidades por desgraças que têm outros responsáveis.
Vendo a dívida pública tornar-se ingerível, os socialistas viraram-se contra a Standard & Poors, contra a Moody's, contra a Fitch - atribuindo-lhes objectivos políticos inconfessáveis.
O futuro encarregar-se-ia de mostrar o vazio destas suspeitas.
De facto, mesmo após o pedido de resgate e o lançamento das primeiras medidas de austeridade por parte de Passos Coelho, as agências de rating não desarmaram e os juros ainda subiram.
Só quando começou a perceber-se que o novo Governo estava mesmo determinado a baixar o défice e a cumprir as medidas constantes do memorando da troika, aí sim, os juros começaram paulatinamente a descer.
E Portugal começou a recuperar a confiança perdida.
Mas afinal, por que razão dei a este artigo o título de Benditos mercados?
Porque, se não fossem eles, se não fosse a escalada dos juros que colocou a dívida portuguesa num patamar insustentável, Sócrates não teria muito provavelmente arrepiado caminho e a bancarrota teria sido uma realidade - com o rosário de desgraças que acarretaria.
E se não fossem os mercados, talvez tivesse havido mais crises na coligação: recorde-se que a demissão de Paulo Portas, no Verão de 2013, fez disparar imediatamente os juros da dívida - funcionando como uma vacina que terá prevenido a repetição de brincadeiras semelhantes.
Finalmente, se não fossem os mercados, Portugal estaria agora em risco de voltar ao mau caminho, com o abandono da austeridade e o regresso a uma política de gastos excessivos.
Na verdade, os mercados são o grande obstáculo à ocorrência de novos disparates governativos, sejam da actual coligação ou de um eventual futuro Governo socialista.
É certo que Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque não estão virados para aliviar muito o cinto - mas o mesmo não poderá dizer-se do CDS, do PS e mesmo de certos sectores do PSD.
As pressões para voltar à 'velha política' são muito grandes.
Num país que nunca se soube governar, que sempre tem gasto acima do que produz, os mercados significam uma esperança - ao imporem aos governantes um mínimo de lógica, de bom senso e de racionalidade, dificultando as aventuras.
Enquanto as opiniões públicas dos países pressionam os Governos para abrirem os cordões à bolsa e aliviarem os cortes, os mercados funcionam como um travão, penalizando os défices excessivos e impondo a disciplina orçamental.
Assim, um político que surja hoje a dizer mal dos mercados torna-se suspeito de querer fazer disparates sem ser penalizado por isso.
Ao contrário do que a maioria dos portugueses pensa, as agências de rating e os mercados não são, neste momento, seus inimigos.
São até, em certo sentido, seus aliados - na medida em que dificultam a má governação, acendendo uma luz amarela sempre que as coisas começam a não correr bem.
Os mercados são uma garantia de que os Sócrates deste mundo não poderão levar até ao fim as suas políticas tresloucadas.
José António Saraiva | 05/01/2015 14:47:33
SOL
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