Manipuladores de mercados

Imagine que alguns dos comentadores desportivos que falam sobre futebol na televisão ao mesmo tempo colocam apostas online sobre o desfecho dos jogos.

Duvido que a RTP, SIC ou TVI perguntem aos seus comentadores se eles fazem isto (mas deviam), embora as apostas ponham em causa a imparcialidade dos seus comentários. No entanto, não parece que seja ilegal. Imagine antes que o comentador revela notícias no seu programa. Ele sabe, e revela em primeira mão, que um jogador está lesionado. Neste caso, já o uso dessa informação para colocar apostas e a sua revelação em público numa altura que vai afectar o mercado, parece ser mais perto de ser ilegal.

Mudemos agora para os mercados financeiros. George Soros é um convidado frequente em conferências internacionais ou para dar palestras organizadas pelos media. Nas suas intervenções, ele discute as taxas de câmbio ou a dívida pública de países em crise. George Soros é também um dos principais investidores nestes mercados, e não esconde que, ao mesmo tempo que escrevia sobre a crise na zona euro, o seu fundo de investimento tinha várias apostas nesse mesmo mercado.

Porque é que isto não é uma manipulação dos mercados? O principal argumento em sua defesa é que Soros e companhia nas suas intervenções não acrescentam nenhuma informação nova. Eles estão só a dar uma opinião, baseada em factos que todas as pessoas nos mercados conhecem. Para além disso, os mercados que Soros comenta são normalmente muito líquidos, com milhares de transacções e milhares de milhões euros todos os dias, pelo que os seus comentários e apostas são uma gota no oceano de informação e transacções nesses mercados. Muitas pessoas podem achar censurável que Soros seja convidado para estes palcos, mas ele não está em risco de ser preso.

A uma escala mais pequena, o mesmo se aplica aos corretores que comentam a bolsa portuguesa na TV diariamente. Já se um destes analistas revelasse em directo na televisão uma cacha sobre uma empresa na bolsa, ao mesmo tempo que tinha investido em acções dessa empresa, podendo por isso lucrar com o efeito da notícia no preço, nesse caso o pobre analista teria a CMVM e o ministério público à porta pelo crime de manipulação do mercado.

Foi notícia esta semana que o ministério público quer julgar um investidor baseado em Londres, Peter Boone, por ter apostado nos mercados contra a dívida pública portuguesa em 2010 ao mesmo tempo que escrevia artigos muito negativos sobre a economia portuguesa num blogue do New York Times. Não havia nenhuma informação, apenas opinião, nos artigos. Ao mesmo tempo, o mercado de dívida portuguesa não é assim tão líquido, pelo que os artigos de Boone com a chancela do NYT provavelmente fizeram a diferença, e o timing das suas apostas parecem coincidir de forma suspeita com a publicação dos seus artigos. Fica para os tribunais julgar o caso, que não será fácil. Mas o comportamento ético de Boone e o patrocínio do NYT pode já ser julgado.

Ricardo Reis
31.10.2015 / 00:00
Dinheiro Vivo