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A colecção de memórias não apenas inúteis como geralmente estúpidas
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A colecção de memórias não apenas inúteis como geralmente estúpidas
Na Vanessa o registo de trivialidades detestáveis fica para sempre. O que mais a chateia é que todos os dias depois de carregar o telemóvel lembra-se do Olívio, um engenheiro electrotécnico com quem andou que lhe disse que nunca se devia deixar o carregador solto ligado à corrente. O sótão das memórias inúteis é um mistério
Tenho uma amiga que não tem memória. Nunca teve. Aquilo que foi um handicap – anos a fio de “estou-te a dizer que foi assim” contra “não me consigo lembrar de nada” – tornou-se uma vantagem à medida que a minha amiga envelhecia: como não se lembra de quase nada do que aconteceu no passado, também não se lembra das coisas estúpidas. Hoje ninguém lhe dá a idade que tem e passa muito bem por ser uma mulher de trinta e muitos, a famosa idade indefinível. A ausência de memória funcionou melhor que qualquer injecção de botox, porque uma das coisas mais chatas do envelhecimento é a acumulação de memórias inúteis que conduzem ao franzir da testa e ao aperto dos lábios, óptimas condições para o aprofundamento das rugas.
Essa minha amiga não é a Vanessa, que tem uma memória de computador ou elefante, como preferirem, infelizmente direccionada para todas as coisas imbecis que lhe foram acontecendo na vida. O problema deste tipo de memória é obrigar a criatura dotada com isto de carregar dispensáveis fardos que uma cabeça mais saudável (ou sem memória) já teria arrumado há séculos. Na Vanessa o registo de trivialidades detestáveis fica para sempre.
– O que mais me chateia é aquela do carregador do telemóvel. Caraças, quase todos os dias me lembro do Olívio. E o Olívio era uma das pessoas mais estúpidas que conheci na vida. não percebes a tortura que é todos os dias me lembrar do Olívio por causa do telemóvel? Todos os dias o ponho a carregar, todos os dias tenho que pegar no carregador. Devia haver um tratamento para isto.
O Olívio era um engenheiro electrotécnico que ensinou à Vanessa que era perigoso deixar o carregador do telemóvel sempre ligado à corrente. Isto foi tudo há muitos anos, quando mesmo os engenheiros electrotécnicos se assustavam com os telemóveis. Infelizmente, ela não se procurou assegurar da validade científica da doutrina e hoje continua, diária e maquinalmente, a retirar o carregador da tomada e a pensar no Olívio com alguma raiva – contra si, em primeiro lugar, por manter aquela memória estúpida intacta diariamente, pelo menos durante o preciso segundo em que conclui que o telemóvel está carregado e por causa daquela memória automática decide retirar o carregador da corrente.
O Olívio, caraças! Quem é que tenha tido o azar de namorar o Olívio se haveria de querer lembrar dele tanto tempo depois? Do fundo das suas entranhas, a Vanessa desejava varrer a passagem do Olívio pela sua vida. Foi tudo felizmente curto, muito mau e, sim, ele acabou com ela por mail – um mail banal, rasca, que nem sequer vinha com o sinal de “importância alta”.
Com a idade, o ataque de memórias estúpidas e desconcertantes aumenta. Quantos mais anos, mais acumulação de memórias estúpidas: foi fácil para a Vanessa deixar de ir a Póvoa de Santa Iria – onde o Olívio morava – mas como recusar voltar àquele restaurante ao pé do rio onde se encontraram a primeira vez?
– Não tenho dinheiro.
Foi a única vez que estar tesa lhe foi útil.
Por Ana Sá Lopes
publicado em 10 Jan 2015 - 08:00
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