Radicalização

Em tempo de rescaldo do recente atentado em Paris, o tópico de como lidar com a radicalização de jovens muçulmanos na Europa surgiu como um tema político de excelência. E bem. Mais importante que fechar fronteiras, esse mito que ainda sobrevive na retórica fácil, é saber lidar com o fenómeno da radicalização de base religiosa, que transforma cidadãos europeus em simples coletes de explosivos.

Esta preocupação, ao contrário do que pode parecer, não é nova. Boa parte dos documentos produzidos na União Europeia na última década e meia a propósito do terrorismo pós-11 de Setembro, destaca o processo de radicalização de europeus em território europeu como uma ameaça clara e uma base de trabalho necessária, quer ao nível da sua prevenção social mais ampla, quer ao nível da intervenção policial e dos serviços de informações.

O combate à radicalização de base religiosa, contudo, obriga a Europa a confrontar-se com a sua própria identidade. Impedir a radicalização é provavelmente impedir a certo momento a palavra e o livre convencimento, dois elementos estruturais da liberdade que a Europa diz prezar. Implica provavelmente impor a intervenção repressiva do Estado a níveis que consideramos “pouco europeus”. Implica provavelmente aceitar que, a par do politicamente correcto, há também um socialmente correcto que não se esgota no cumprimento das leis.

E corre o risco de acentuar uma das más tendências que o rasto do terrorismo tem deixado no Ocidente na última década e meia, que é usar o direito penal, que devia ser sempre uma última resposta, como o meio essencial para procurar impedir este tipo de criminalidade. A exaltação isolada de um direito penal próprio do terrorismo, que supostamente nos deve deixar mais livres e seguros, corre o risco de resultar apenas no reforço da ameaça simétrica em que o Ocidente vive perante os outros.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Por Miguel Romão
publicado em 20 Jan 2015 - 08:00
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