Lisboa vista de Atenas

Lá para o final do ano, um jornalista do canal televisivo público da Grécia (o restabelecido ERT) virá a Portugal fazer a cobertura das nossas eleições legislativas. Fará reportagens à porta do Ministério das Finanças e das sedes do antigo BES e Portugal Telecom, explicando que a generalidade dos bancos privados foram destruídos por uma mistura explosiva de desleixo e roubo, enquanto as privatizações de empresas outrora emblemáticas resultaram na sua aniquilação e sectores estratégicos como a electricidade foram entregues ao Partido Comunista chinês, enaltecendo subliminarmente a decisão grega de cancelar mais privatizações.

Se o mesmo jornalista cruzar o gosto pela ironia com algum alinhamento ideológico, aproveitará ainda para dizer que os pobres dos portugueses - ainda submetidos aos ditames da troika e de Bruxelas! - mantêm o seu salário mínimo em 2/3 do reposto salário mínimo grego e para gozar com o facto de Portugal ter comprados dois belos submarinos alemães (havendo alemães presos por corromper alguém nesse processo, embora em Portugal esteja tudo na maior).

Claro que ainda haverá tempo para uma reportagem à porta de um grande hospital público, para lembrar como o sistema nacional de saúde está pela hora da morte, lamentando que o governo português esteja a fazê-lo propositadamente, em benefício dos operadores privados no sector. Um grande plano de uma das muitas auto-estradas portuguesas, recordando que o anterior primeiro-ministro enfrenta a justiça por gostar demasiado de andar com notas.

Também uma cena colhida à beira da embaixada de Angola, explicando que a descida do preço do petróleo liquidou o eldorado angolano e que, por mais que o governo português faça agora olhinhos ao regime de Luanda, já não leva nada dali. Finalmente, um pequeno destaque para o canal televisivo português, recordando que, enquanto o país singrava na pobreza e no desemprego, a RTP mantinha os salários milionários dos seus locutores mais populares. Ah, como se vão rir e comiserar de nós, lá por Atenas. E não há quem ponha mão neste jornalismo de pacotilha!?

Escreve à sexta-feira

Por José Diogo Madeira
publicado em 30 Jan 2015 - 08:00

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