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“Meu Portugalzinho…”
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“Meu Portugalzinho…”
Sam Levy, “humanista”, como é referenciado na rua que em Lisboa tem o seu nome, amou Portugal como poucos.
Sam Levy chegou a Portugal em 31 de Dezembro de 1940. Vinha de Milão, mas a terra onde nasceu e viveu até aos 17 anos era Esmirna, na Turquia, onde numerosos judeus portugueses se refugiaram depois da expulsão e das conversões forçadas de 1496/1497.
Sam Levy não era um desconhecido: antes já trabalhara com o cônsul honorário de Portugal, Giuseppe Agenore Magno, em Milão, ajudando-o a salvar muitos judeus da ameaça nazi. Nomeado em 1934, Agenore Magno emitiu títulos portugueses a mais de 350 pessoas, na sua maioria originárias de Istambul, Salónica, Esmirna ou Corfu, e nessa tarefa contou com o apoio activo de Sam. Em Março de 1941, Agenore Magno foi exonerado por Salazar e impedido de conceder mais vistos, mas entretanto Sam Levy já estava em Portugal.
O que ligava este homem de 28 anos a Portugal? Na verdade não se tratava apenas de uma relação de poucos anos, mas sim de uma história de quatro séculos. A tradição familiar transmitida de geração em geração evocava o momento trágico da partida de Castelo de Vide e o “descarinho”, a saudade, mantinha viva na família o ladino, a doce língua, mistura do português e do castelhano arcaico, que a ligava à terra perdida.
Quando chegou a altura de obter a nacionalidade portuguesa, foi-lhe proposta a “naturalização”. Mas não era isso que ele desejava. O seu objectivo era a “reintegração” na nação portuguesa, da qual ele considerava fazer parte. Aliás, dizia, “eu sou o mais antigo retornado de Portugal”. Não era por acaso que, no lar da sua infância, em Esmirna, a avó chamava-o “vem cá, meu Portugalzinho”…
Ao longo da sua vida, Sam nunca deixou de batalhar pela reintegração dos descendentes de judeus expulsos. Agora o seu sonho realizou-se. Depois de uma vida, em que o amor ao país dos seus antepassados o manteve aqui contra ventos e marés, Sam já não pode ver o seu esforço coroado de êxito. Mas agora os descendentes de judeus portugueses já podem requerer a nacionalidade de que foram destituídos no século XV. Depois da aprovação pela Assembleia da República em Abril de 2013, o dia 29 de Janeiro de 2015 é para todos esses homens e mulheres um dia histórico: o dia em que Portugal reconhece que esses homens e mulheres são parte da nação portuguesa. O dia em que a injustiça feita pode começar a ser reparada.
A História não se apaga. Não apaga a tragédia pessoal e colectiva de todos os cristianizados à força que foram perseguidos, encarcerados e queimados sob acusação de “judaizar”. Não apaga a tragédia dos desterrados, privados das suas casas, da sua pátria e da sua identidade. Não apaga os que, em Amesterdão ou Salónica, foram parar às câmaras de gás de Auschwitz pelo facto de a sua origem portuguesa não ser reconhecida pelo regime da época. Tudo isto fica na memória, marcado a ferro e fogo. Mas memória não é ressentimento, é possibilidade de construir uma nova história.
Perguntam-nos: quantos virão para Portugal, quantos pedidos já têm e de onde vêm, quais os motivos?... Para já, não é possível responder a essas questões. Mas o que é certo é o interesse manifestado dos mais variados pontos do globo. Algumas pessoas quererão instalar-se em Portugal, outras apenas recuperar uma nacionalidade de que foram destituídas, outras ainda apenas um documento de entrada na Europa. Os motivos serão diversos mas, desde que cumpram os requisitos legais, nomeadamente comprovando a sua ascendência judaico-portuguesa, nada obstará à sua naturalização.
Sam Levy, “humanista”, como é referenciado na rua que em Lisboa tem o seu nome, amou Portugal como poucos: os últimos oito anos da sua vida passou-os traduzindo incansavelmente Os Lusíadas para francês. Também foi a Portugal, ao Museu de Arqueologia, que doou o seu espólio pessoal. Sam estava grato ao país que o acolheu. De certa forma, agora o país retribui…
Especialista em assuntos judaicos
ESTHER MUCZNIK 07/02/2015 - 06:10
Público
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