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Mensagem por Admin Qua Fev 25, 2015 12:18 pm

São precisas várias vozes 14248071612956

Ser jornalista é cumprir um código e um método de trabalho, mas isso não faz os independentes. Uma sociedade livre exige pluralismo nos media. Estamos longe disso


Comecemos por uma história para discutirmos a independência do jornalismo. O escritor basco Joseba Sarrionandia, o único que conheço que fugiu da cadeia dentro das colunas da aparelhagem de um concerto, manteve um diário na cadeia com reflexões ao longo dos dias que passavam. É provavelmente destes dias por trás das grades este seu poema: "El viajero se aventura a través del labirinto aunque apenas sí recuerda cuándo ni por dónde entró. Supone que el camino ha de ser un laberinto Pues adivina en lo nuevo reflejos del ayer. Mas no son reflejos amables, son vástagos del miedo, Pues le revelan que cae, que se derrumba hacia el centro. Pero hay un centro acaso? No cae hacia los bordes?"

O tradutor de Fernando Pessoa e Jorge de Sena intitulou o seu diário de prisão "Não sou daqui" - profético da sua fuga da cadeia dentro de uma colunas (mas isso é outra história). Nesse livro tem um ilustrativo apontamento, misto de citação de outras fontes, sobre jornalismo e jornalistas.

Napoleão Bonaparte esteve recluso na ilha de Elba desde que abdicou em Fontainebleau em Abril de 1814 até que na Primavera de 1815 se juntou ao seu exército e decidiu voltar a Paris.

Os títulos do diário parisiense "Moniteur Universel" durante todo aquele mês de Março são assombrosos, pois oferecem um testemunho sem igual do avanço do ex-imperador:

"9 de Março: 'O monstro escapou ao seu desterro'.

10 de Março: 'O ogre corso desembarcou no cabo Jean'.

11 de Março: 'O tigre sangrento apareceu na zona de Gap. Para aí se dirigem os exércitos para terminar com o seu avanço'.

12 de Março: 'O monstro chegou à cidade de Grenoble'.

13 de Março: 'O tirano está agora entre a cidade de Grenoble e Lyon'.

18 de Março: 'O usurpador ousou chegar a um lugar a 60 horas de marcha da capital'.

19 de Março: 'Bonaparte aproxima-se a passo veloz, mas é impossível que entre em Paris'.

20 de Março: 'Napoleão chegará amanhã às muralhas de Paris'.

21 de Março: 'O imperador Napoleão está em Fontainebleau'.

22 de Março: 'Ontem pela tarde sua Majestade o Imperador fez a sua entrada pública no palácio. O regozijo é universal'."

O diário de Sarrionandia não revela se o director do afortunado diário foi fuzilado ou condecorado. Merecia qualquer coisa. Durante muito tempo aqueles que escreviam só podiam opinar nas entrelinhas. Isso acontecia com a informação, como qualquer outra actividade humana. O pintor espanhol Goya era obrigado a retratar, como todos os seus pares, os poderosos mas conseguia inscrever um olhar crítico no espaço confinado da arte oficial. A sua forma de expressar a degenerescência moral da nobreza encontrava-se mais no aspecto dos rostos, na loucura que exibiam nos olhos, que na expressão de uma temática livre, num tempo em que isso era praticamente impossível. A historieta que Sarrionandia copia é obviamente um caso limite, em que a independência do jornalismo é condicionada pela ponta das baionetas de turno. O autor das notícias não é "independente" porque não é livre. Provavelmente fará com o mesmo empenho as notícias favoráveis a Bonaparte e as favoráveis a Luís XVIII, que antes ocupava o trono do palácio. Agora é preciso ter cuidado quando se faz equivaler independência e liberdade. Para sermos mais claros, é necessário pôr em causa a própria existência de uma independência jornalística. Se quisermos, esse conceito está ancorado em concepções ideológicas de uma época, em que a libertação do jugo religioso e político das ciências se fazia através da afirmação da existência de um objecto científico independente das paixões humanas e que podia ser atingido como um fenómeno natural traduzível em leis matemáticas. O jornalismo é uma forma de produção de conhecimento através de peças jornalísticas; de certa forma é possível fazer um paralelismo com as discussões acerca da produção de conhecimento nas ciências sociais. A única diferença é que, sendo o jornalismo uma espécie de poder, ou pelo menos suporte e legitimação de poderes, bastante mais imediata que as ciências sociais, as discussões e as críticas às concepções da epistemologia positivista demoram mais a impor-se no seu campo.

Para termos um jornalismo livre e democrático precisamos de uma expressão plural de opinião e escolha das notícias. Em Portugal há um elevado défice de pluralismo: não há expressão de agendas de comunicação diferenciada. E isso é um impedimento à nossa democracia.

Há uma estranha contradição entre as possibilidades crescentes de comunicação que nos são dadas pelas novas tecnologias da informação e as dificuldades em criar projectos politicamente diversos.

Editor-executivo


Escreve à quarta-feira

Por Nuno Ramos de Almeida
publicado em 25 Fev 2015 - 08:00
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