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Verdade, política e nobreza de espírito

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Mensagem por Admin Sex Mar 06, 2015 11:00 am

Verdade, política e nobreza de espírito 13861940413747

A justiça deve prevalecer, mesmo que daí resulte o desaparecimento de toda a canalha do mundo


Hannah Arendt escreveu um dia que “nunca ninguém teve dúvidas de que a verdade e a política estão em bastante más relações, e ninguém, tanto quanto saiba, contou alguma vez a boa-fé no número das virtudes políticas. As mentiras foram sempre consideradas como instrumentos necessários e legítimos, não apenas na profissão de político ou demagogo, mas também na de homem de Estado. (…) Será da própria essência da verdade ser impotente e da própria essência do poder enganar?” (1).

Embora este entrosamento entre o exercício do poder e a mentira seja, pelos vistos, conatural, e não obstante a história conhecida da humanidade esteja pejada de relatos que o confirmam, à nobreza de espírito não pode deixar de repugnar a humanidade de tal realidade. É certo que, na obra homónima de Rob Riemen, o subtítulo é “Um ideal esquecido” (2).

Mas o esquecimento do ideal constituído pela nobreza de espírito será talvez o mais paradoxal dos conflitos axiológicos da humanidade. De hoje e de sempre. Sendo tal esquecimento comprovado quotidianamente pela história humana, mantém-se unanimemente repudiado no discurso oficial, seja no discurso a dois, seja em tertúlia, conferência ou discurso. Inexiste quem, publicamente, e sequer em jeito de blague, se assuma dele desprovido; a realidade, porém, demonstra o inverso.

No Mundo Moderno, tão massificado, a defraudação da nobreza de espírito, e com ela da Verdade, foi hipertrofiada pela floresta de embustes e incivilidades que criámos ao autorizar um desbragado quarto poder – que tudo pode, sob a capa do dever de informar – e ao aplaudir o anonimato da maledicência na internet. Se num mercado, numa gare ou numa festa, alguém difama alguém, o castigo é possível. Se o mesmo insulto é publicado nos media ou vulgarizado num anónimo blogue, a impunidade está garantida.

Hoje o busílis da questão deslocou-se para local ainda mais recôndito no âmago da sociedade. Se fosse um tumor, seria um caso de insusceptibilidade de extirpação. Para remover o mal, destruir-se-ia o organismo.

É que se por um lado há os poderes jurídicos clássicos a quem oficialmente compete regular os poderes fácticos, por outro lado há os poderes fácticos às ordens de quem andam, de facto, os poderes clássicos. Numa simbiose perfeita. Não estranha, por isso, ver-se o público incensamento de quem temporariamente domina o poder, enquanto o domina ou até apenas enquanto se prevê que o venha a dominar, seguido da respectiva aniquilação, quando o incensado se torna apenas naquilo que é: coração, cabeça e estômago!

Se Arendt tinha razão, i.e., que é da essência do poder enganar (e firmemente creio que a tinha), não menos razão terá quem ache que a asserção vale para todos os poderes, sejam os da trilogia clássica, seja o quarto poder.

E se assim é, só há um caminho. Chamem-lhe Sebastianismo, Messianismo ou qualquer outra coisa: “A Justiça deve prevalecer, mesmo que daí resulte o desaparecimento de toda a canalha do mundo” (3). 
 
Advogado
Escreve à sexta-feira

1. Hannah Arendt, “Verdade e Política”, Trad. Manuel Alberto, Relógio de Água, Lisboa, 1995, p. 9. 
2. Rob Riemen, “Nobreza de Espírito – Um Ideal Esquecido”, Trad. António Carvalho, Bizâncio, Lisboa, 2011. 

3. Immanuel Kant, “A Paz Perpétua e Outros Opúsculos”, Edições 70, Lisboa, 2013, Apêndice 1.

Por Saragoça da Matta
publicado em 6 Mar 2015 - 08:00
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