'Brandos costumes'

Graças à Geografia e à História, Portugal foi poupado aos grandes horrores do 'século dos extremos' que foi o século XX.

Mesmo nas mais exaltadas descrições dos sucessivos opositores, o Regicídio de 1908, os abusos e assaltos dos 'democráticos' na Primeira República contra católicos e monárquicos, a imposição e manutenção da nova ordem pela Ditadura Militar de 1926-1933 e pelo Estado Novo salazarista, não podem comparar-se, em termos de atentados aos direitos e à dignidade das pessoas, com o que se passou no resto da Europa.

Até a celebradíssima 'restauração democrática' de há quarenta anos - apesar da retórica e das intenções do núcleo revolucionário esquerdista e de ter arruinado o país economicamente e hipotecado a sua independência até hoje -, não teve, em violência, nada de semelhante a movimentos da mesma área política na Europa Ocidental: às matanças de Espanha em 1936, à 'depuração' francesa em 1944-45 e à repressão antifascista no norte de Itália em 1945. Aí, os comunistas, com base no ódio social ou por retaliação, procederam à liquidação física sumária de dezenas de milhar de pessoas consideradas 'fascistas', 'reaccionárias' ou 'de direita'.

Por que é que é assim? Talvez por sermos 'uma nação antiga' onde os laços da família, da vizinhança, da camaradagem escolar ou profissional temperam - para o bem e para o mal - a paixão e o confronto político. Não temos dentro de fronteiras os factores genéticos - religiosos, étnicos, regionais - que geram a alteridade irredutível.

Vem isto a propósito dos cem anos do genocídio ou do massacre colectivo dos arménios. Nas minhas leituras para escrever O Islão e o Ocidente - A Grande Discórdia (Dom Quixote) notei que, a partir da decadência do Império Otomano, nos princípios do século XIX, uma das razões da intervenção dos europeus nos seus assuntos foi a protecção das minorias cristãs. O que levou o governo turco a evitar perseguições e acções populares contra essas minorias, numerosas na Anatólia, mas também no Médio Oriente árabe.

Com a Grande Guerra a política mudou: a comunidade arménia de Istambul e do resto do Império passou a ser olhada pelos 'Jovens Turcos' como um potencial 'inimigo do interior', pronto a fazer causa comum com os exércitos russos no Norte e com os aliados nos Dardanelos. A partir desta potencial 'perigosidade', veio o projecto de deslocação para longe da fronteira dessas minorias e a ordem para eliminar todos os seres do sexo masculino com mais de doze anos. Outro grupo étnico-religioso vítima do pogrom foram os cristãos assírios. Segundo Eugene Rogan, 250.000 dos 620.000 cristãos do Império foram mortos (The Fall of the Ottomans - The Great War in the Middle East 1914-1920, Allen Lane, London, 2015, pg. 179).

Não é por termos sido poupados a estes extremos e catástrofes que devemos ficar-lhes indiferentes. Por razões de cristã fraternidade mas também de realismo geopolítico temos que olhar para os novos riscos e pensar que os sinos que agora tocam para nós, podem um dia tocar por nós. 

Jaime Nogueira Pinto | 05/05/2015 22:33:38
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