Nós, os ricos

Talvez seja impressão minha, mas as empregadas das lojas de Lisboa parecem-me mais insistentes. Não insistentes: tão simpáticas, tão simpáticas, que se tornam um nadinha demasiado simpáticas. Um dia destes, numa loja de champôs, uma rapariga cirandou atrás de mim meia hora até conseguir dar-me a provar um chá verde, apesar do meu evidente ar de marido-que-preferia-ter-ficado-do-lado-de-fora-da-Zara-a-ver-o-futebol. Provei o chá, fiz o ar mais agradado que pude, suspirei:

- Bom, mas sabe, eu sou da terra da única plantação de chá da Europa...

E ela:

- Ah, que engraçado. Não quer levar uma caixinha?

Entretanto, já me parecem quase todas como aqueles tipos dos restaurante da Feira Popular. Talvez seja uma nova tendência, forçada pela crise. Talvez seja deformação minha, por viver há já três anos numa terra onde, após dois minutos, o cliente é tratado por tu.

Apesar disso, guardo aquela garota de uma lojinha das Amoreiras que não me pôde vender uma garrafa de água, porque não tinha, mas me sugeriu que fosse ao supermercado, em vez de a comprar directamente no cinema.
- É dez vezes mais barato.

E era: paguei euro 0,44 euros por litro e meio, quando no cinema costumo pagar euro 1,50 por meio litro. Fiquei a pensar se não terei feito sempre vida de rico nesta cidade - se, na verdade, isso a que chamava "apelo ao consumo", e que tanto me irritava, não era uma coisa a que me expunha porque queria. De qualquer modo, no dia seguinte estava num mercado de rua e ouvi um vendedor para outro:

- Já reparaste que as pessoas voltaram a comprar sem olhar ao preço?

Temo que andemos todos desejosos de voltar ao modelo de vida que nos deixou na mão da tal macroeconomia. Por mim, vou tentar lembrar-me das lições que me deram as empregadas das lojas de Lisboa.

por JOEL NETO
Diário de Notícias