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Entre o contentamento e o conformismo
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Entre o contentamento e o conformismo
Propôs casamento a Dona Ester, que viria a ser minha mãe, no cenário de Biarritz.
Por vezes, o velho Doutor Homem, meu pai, acreditava que o seu país era a velha Inglaterra. Lia o ‘Telegraph’, tinha uma colecção de ‘The Sportsman’, reunira uma boa amostra de poetas românticos e modernos (cuja bibliografia terminava em ‘Ash Wednesday’, de Eliot) – e vestia de acordo com os figurinos ingleses. Além disso, vivia no Porto, cujas neblinas e aguaceiros contribuíam para aumentar essa fantasia, e propôs casamento a Dona Ester, que viria a ser minha mãe, no cenário de Biarritz, o mais aproximado que havia de Brighton.
Com o tempo, e sobretudo com a sua embirração com o dr. Salazar e o seu regime, foi lentamente aceitando o facto (indesmentível – uma vez que da janela do seu escritório se via o risco ondulado dos Clérigos e da baixa portuense) de viver em Portugal. Ora, viver em Portugal fez dele uma espécie de cómico entre os membros da família: ora porque descria daquilo que designava como "os fiéis defuntos da Situação", ora porque não confiava nos "pantomineiros da Oposição", ora porque o país, em geral, era apenas este rectângulo apertado contra o mar. Foi, portanto, um solitário – mas sem deslizes de ressentimento.
Pelo contrário, a generalidade dos portugueses se já não acredita numa missão histórica de Portugal, frequentemente se ocupa a imaginar como o país pode comparar-se com as grandes nações europeias. É uma espécie de droga da democracia e dos tempos modernos. Infelizmente, Portugal tem pouco a ver com essas potências do dinheiro e do rigor, da Holanda às Alemanhas (a família nunca esquece a Prússia), da Suécia e da Dinamarca àquela Europa Central que vai da Alsácia à Boémia. Por vezes, quando calha, explico que Portugal será sempre esse "rectângulo apertado contra o mar" – mas a observação é vista como traição.
Explico que temos excelente sardinha, florestas a norte e a leste da Serra de Arga, monumentos para visitar na estação das chuvas e uma terra boa para quem gosta de legumes – e que devíamos contentar-nos com esse destino suave.
A ideia de nos "contentarmos" não é um apelo ao conformismo mas ao "aproveitamento das potencialidades", como gostam de dizer os meus irmãos, economistas do marcelismo convertidos ao que chamam "social-democracia". Os turistas apreciam muito – gostam de abóboras, caldo-verde e apreciam o empedrado das ruas. O país parece-se com os versos de Cesário Verde, como sempre foi.
07.06.2015 00:30
ANTÓNIO SOUSA HOMEM
Correio da Manhã
Por vezes, o velho Doutor Homem, meu pai, acreditava que o seu país era a velha Inglaterra. Lia o ‘Telegraph’, tinha uma colecção de ‘The Sportsman’, reunira uma boa amostra de poetas românticos e modernos (cuja bibliografia terminava em ‘Ash Wednesday’, de Eliot) – e vestia de acordo com os figurinos ingleses. Além disso, vivia no Porto, cujas neblinas e aguaceiros contribuíam para aumentar essa fantasia, e propôs casamento a Dona Ester, que viria a ser minha mãe, no cenário de Biarritz, o mais aproximado que havia de Brighton.
Com o tempo, e sobretudo com a sua embirração com o dr. Salazar e o seu regime, foi lentamente aceitando o facto (indesmentível – uma vez que da janela do seu escritório se via o risco ondulado dos Clérigos e da baixa portuense) de viver em Portugal. Ora, viver em Portugal fez dele uma espécie de cómico entre os membros da família: ora porque descria daquilo que designava como "os fiéis defuntos da Situação", ora porque não confiava nos "pantomineiros da Oposição", ora porque o país, em geral, era apenas este rectângulo apertado contra o mar. Foi, portanto, um solitário – mas sem deslizes de ressentimento.
Pelo contrário, a generalidade dos portugueses se já não acredita numa missão histórica de Portugal, frequentemente se ocupa a imaginar como o país pode comparar-se com as grandes nações europeias. É uma espécie de droga da democracia e dos tempos modernos. Infelizmente, Portugal tem pouco a ver com essas potências do dinheiro e do rigor, da Holanda às Alemanhas (a família nunca esquece a Prússia), da Suécia e da Dinamarca àquela Europa Central que vai da Alsácia à Boémia. Por vezes, quando calha, explico que Portugal será sempre esse "rectângulo apertado contra o mar" – mas a observação é vista como traição.
Explico que temos excelente sardinha, florestas a norte e a leste da Serra de Arga, monumentos para visitar na estação das chuvas e uma terra boa para quem gosta de legumes – e que devíamos contentar-nos com esse destino suave.
A ideia de nos "contentarmos" não é um apelo ao conformismo mas ao "aproveitamento das potencialidades", como gostam de dizer os meus irmãos, economistas do marcelismo convertidos ao que chamam "social-democracia". Os turistas apreciam muito – gostam de abóboras, caldo-verde e apreciam o empedrado das ruas. O país parece-se com os versos de Cesário Verde, como sempre foi.
07.06.2015 00:30
ANTÓNIO SOUSA HOMEM
Correio da Manhã
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