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A soberania do território

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Mensagem por Admin Seg Jun 08, 2015 10:50 am

Foi esta necessidade de se ser proprietário que levou a que os patos-bravos tivessem danificado a paisagem e construído impérios que se perderam em vidas sem regra.

A minha filha tem, na sua identificação, dois prenomes e três sobrenomes. Há uns anos, quando no colégio se apercebeu de que a maior parte dos seus colegas tinha um nome civil mais pequeno, questionou a razão de ser de tal circunstância. A mãe explicou com todo o cuidado, mas o pai usou uma figura métrica que a convenceu de imediato – tudo o que é grande pode cortar-se e ser mais pequeno, mas o que é pequeno dificilmente poderá ser grande. 

No nosso rectângulo, o café é cafezinho, a vida é vidinha e o pequeno é pequenino. Este defeito marcou, ao longo de séculos, a nossa capacidade de afirmação, até a transformação da nossa economia. 

A construção da nacionalidade, os descobrimentos, a primeira e segunda emigrações foram resultado da pequenez do país para as elites. E foi por isso que em nenhuma daquelas situações a implicação na vida do global dos portugueses se fez sentir sobremaneira. 

Se para as campanhas da construção do Estado e para os lançamentos nos oceanos, a nobreza, necessitante de terras e de riquezas, se motivou, a saída para as Américas e para as novas colónias ficou-se, maioritária e inicialmente, pela aristocracia rural, capaz e letrada, mas sem possibilidade de sustento pelos morgadios. Foi, aliás, esta situação que também engrossou o clero e o fez assumir relevância ao longo dos dois últimos séculos do milénio passado – um clero que sempre consagrou a nossa exiguidade perante Deus. 

A pequenez vê-se, pois, na terra. Com excepção do Ribatejo e do Alentejo, onde a exiguidade é de proprietários, a terra, elemento central da soberania, divide-se em courelas insignificantes, a cada dia mais indefinidas quanto à propriedade. 

É também o conceito pequeno de propriedade que leva a que tenhamos assumido a realidade do país de microproprietários urbanos. Primeiro, através de curtos espaços de pertença horizontal em terrenos de periferia; depois, em cortes de espaço onde é mais importante o local para os legumes e para os animais de capoeira do que os quartos de brincar ou de estudo, onde se revela a transposição da vida rural para a cidade, o afastamento da província sem que esta deixe de estar presente na vida de cada um. 

Foi esta necessidade de se ser proprietário que levou a que os patos-bravos tivessem danificado a paisagem, tivessem construído impérios que se perderam em vidas sem regra, em noites de casino, em luvas a decisores. 

Portugal teria sido um país diferente se cada família se fosse agregando à realidade da sua dimensão, mudando de casa e de rua por escolha de vivenda arrendada, se tivesse optado por adequar a sua vida ao rendimento sem o peso de um empréstimo a duas ou três décadas. Em boa verdade, ficar na mesma casa durante dezenas de anos, com o mesmo enquadramento, com os mesmos vizinhos, com as mesmas rotinas, é tudo o que não se pede a uma família. E não raras vezes esses microcosmos se ampliam na sucessão, se imortalizam nessa visão limitada da vida.

Portugal é um país pequeno só na cabeça dos portugueses. Em primeiro lugar, na cabeça dos decisores e dos líderes de opinião. 

Há dois conceitos de território que importa assumir para mudar o sentido da nossa presença na Europa e no mundo. O primeiro é o território da nacionalidade e da língua. Portugal será um país enorme se conseguir alargar-se a todos os terrados onde vive um português, onde se fala português. É esta arrogância que importa consagrar, é este novo perfil de combate que interessa transportar, desde cedo, para todas as nossas crianças. Se as ensinarmos a serem grandes, a ocuparem mais espaço do que habitualmente lhes é destinado, o país crescerá, numa geração, em dimensão e em simbolismo. Está claro que o aumento do número de alunos por turma, o engrandecimento da densidade das salas das creches, que se tem verificado pela obrigação da poupança imediata, funciona ao contrário, promove a tacanhez e o encolhimento.

O segundo é o conceito de torrão. Nós fomos um império, mas nunca nos assumimos como um império. Encontrámos sempre maneiras de pedir desculpa por estarmos no espaço dos outros, assumindo uma espécie de cobardia que nunca foi aceite pelas restantes potências. Em boa verdade, só no século XX as colónias permitiram acomodar uma parte dos continentais e nunca essa presença foi de molde a criar laços de dependência irreversíveis. 

Mas, ao contrário do que nos querem fazer acreditar, Portugal só é, nos nossos dias, um país médio em população. A sua plataforma continental e a sua zona económica exclusiva fazem dele um dos maiores países da União Europeia, e é para essa realidade que importa olhar, que importa reivindicar, que interessa assumir com garbo. A política do mar, como essência de uma nova afirmação da nossa realidade europeia, é central para as próximas décadas, assume o único desafio que vale a pena elencar em tempo de crise que se vai continuar a viver. 

Mas o território é, ainda, um elemento relevante das políticas públicas. O seu ordenamento, o seu uso, as garantias de sustentabilidade e de protecção deixaram de estar na ordem do dia. A política de ordenamento, em décadas eclipsada pelos municípios, tem agora uma nova oportunidade. Como também se afirma na solução final para o cadastro rural e para o emparcelamento impreterível. 

Portugal fica-se sempre nas encolhas perante a História. Ainda hoje temos um problema que tarda em assumir um caminho. E nunca deveremos deixar de o ter presente. Olivença vale o que vale. Mas Olivença é um pedaço de terra que nos pertence. É por isso que não se pode deixar de exigir, a quem assume os interesses nacionais, que mantenha este combate sempre alerta, sempre nas linhas cimeiras da agenda ibérica. 

Ser Portugal pode ser ser grande em História, em espaço e em futuro. Saibamos sair da caixa e levantar a cabeça sem queixume. 

Escreve à segunda-feira

Ascenso Simões 
08/06/2015 11:23
Jornal i
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