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Em São Paulo, a solução para o trânsito passa por criar emprego onde as pessoas moram
Olhar Sines no Futuro :: Categoria :: Mundo :: América :: Brasil
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Em São Paulo, a solução para o trânsito passa por criar emprego onde as pessoas moram
Numa cidade que tem uma rádio a falar de trânsito 24 horas sobre 24, este é um problema que preocupa muita gente. A Prefeitura pintou faixas para autocarros. Mas a solução, dizem os peritos, é criar empregos em zonas que ficaram esquecidas quando São Paulo cresceu.
Quando em 2007 surgiu a ideia de fazer, em São Paulo, uma rádio dedicada exclusivamente ao trânsito na cidade, houve dúvidas. “A gente pensava ‘talvez as pessoas ouçam duas vezes por dia e nada mais’”, conta Felipe Bueno, director da Rádio SulAmérica Trânsito. Seis anos depois os repórteres são já poucos para dar conta, a todas as horas do dia, de quais as vias que estão livres para se circular e as que estão engarrafadas. “Existia a expressão ‘horário de pico’, das 7h às 10h da manhã e das 17h às 20h, mas não existe mais. Até ao sábado a cidade fica lotada. São Paulo está cada vez pior, mais cheia, mais sem alternativas”.
Stephan Rozenbaum é um dos repórteres da rádio. Às sete da manhã está a apanhar o carro da estação para começar o seu circuito: seis horas a rodar pela zona Oeste, entrando em directo a cada 15 minutos. Mas numa cidade tão grande como São Paulo, os repórteres desta rádio da rede Bandeirantes não conseguem estar em todo o lado. Por isso, muita da informação é dada pelos próprios automobilistas, por sms, email, ou telefone, e é lida pelos pivots aos microfones, permanentemente. Há ainda dados que chegam por satélite e gps, e um helicóptero ao serviço da rádio, sobrevoando a cidade três vezes por dia.
Arrancamos, com Stephan ao volante ao carro e fazendo o primeiro directo. “Falo da Avenida Morumbi, que funciona. O motorista não encontra dificuldade…”. “Temos uma audiência muito rotativa”, explica-nos. “A pessoa entra no carro e quer saber como está o trânsito”. Vai dando informação sobre buracos na via, obras, acidentes, enquanto põe Chico Buarque a tocar, e depois canta Edith Piaf, e sintoniza a rádio francesa – filho de um francês e de uma espanhola, estudou em Paris e sonha ser jornalista desportivo. Acontece que a vaga que abriu na Bandeirantes foi para repórter de trânsito, e por isso ele aqui vai, sorridente e bem-disposto. “Agora, Marginal do Tietê, o motorista que se aproxima da Castelo Branco encontra vários pontos de parada…”.
Como é que São Paulo ficou assim? “Tem várias explicações”, diz Felipe Bueno. “A cidade foi muito mal planeada ao longo dos últimos 100 anos. Segundo os governantes, o transporte público sobre trilhos [metro e comboio] é caro e foi um pouco esquecido. E existe um certo egoísmo – é difícil encontrar três pessoas a partilhar um carro.”
O incentivo do Governo federal para a compra de carro só complicou – tal como aconteceu no Rio de Janeiro, e nas outras cidades brasileiras. A diferença entre o Rio e São Paulo, no que diz respeito ao trânsito, é sobretudo a geografia da cidade, explica Angélica Alvim, especialista em mobilidade urbana da Faculdade de Arquitectura e Urbanismo Mackenzie (FAU-Mack). “A geomorfologia do Rio é bem mais complicada”.
Mas a solução para os problemas de São Paulo pode bem passar por uma política de ocupação do solo. E isso tem a ver com a história da cidade. Denise Antonucci, também professora da FAU-Mack, traça o retrato: “A grande massa da população mora na zona Leste ou no extremo Sul, onde ficam as maiores favelas. A cidade tem uma má distribuição de empregos, que estão concentrados sobretudo no centro”. Na zona Leste – ou zona Lost, como lhe chamam ironicamente – não há empregos. “São áreas completamente esquecidas”. Por isso, as pessoas têm que apanhar transportes para ir trabalhar no centro, e fazem-no todas na mesma direcção de manhã, e todas na direcção contrária ao final do dia.
O objectivo do Plano Integrado de Transportes Urbanos, que está em discussão, é conseguir alterar isso. Denise recorda que a modernização de uma linha de comboio junto ao rio Pinheiros, contribuiu para o aumento do número de empregos. A ideia é permitir mais construção de uso misto nessas zonas esquecidas que hoje funcionam apenas como dormitórios – construção que crescerá ao longo de novas linhas de autocarro, atraindo gente e reequilibrando as forças na cidade. Assim, idealmente, as pessoas poderão trabalhar mais perto do local onde moram, e reduzir-se-á o número de deslocações diárias na cidade.
Este é o plano. Mas como Angélica Alvim reconhece, não é fácil porque implica o diálogo entre muitas entidades diferentes, entre as quais a Prefeitura e o poderoso lobby dos proprietários de empresas de autocarros. Até lá, é tempo de descontentamento. O prefeito Fernando Haddad criou uma série de faixas pintadas no chão para autocarros, que estão a irritar os condutores com carro próprio porque lhes roubam espaço. E quem não tem carro, está, por seu lado, descontente com o estado dos transportes públicos e exige preços mais baixos.
“Num primeiro momento, as faixas vão facilitar a vida a quem está no ónibus”, analisa Felipe Bueno. “Mas na realidade, como dizem os especialistas, é a maneira mais rápida de chegar ao próximo congestionamento. Tem que se investir em transporte integrado. Se não existir isso, as pessoas vão continuar a comprar carro por acharem que não há alternativa. E com mais de dez milhões pensando assim, a cidade pára.”
ALEXANDRA PRADO COELHO (São Paulo) e VERA MOUTINHO
10/03/2014 - 08:24
© 2014 PÚBLICO
Comunicação Social SA
Quando em 2007 surgiu a ideia de fazer, em São Paulo, uma rádio dedicada exclusivamente ao trânsito na cidade, houve dúvidas. “A gente pensava ‘talvez as pessoas ouçam duas vezes por dia e nada mais’”, conta Felipe Bueno, director da Rádio SulAmérica Trânsito. Seis anos depois os repórteres são já poucos para dar conta, a todas as horas do dia, de quais as vias que estão livres para se circular e as que estão engarrafadas. “Existia a expressão ‘horário de pico’, das 7h às 10h da manhã e das 17h às 20h, mas não existe mais. Até ao sábado a cidade fica lotada. São Paulo está cada vez pior, mais cheia, mais sem alternativas”.
Stephan Rozenbaum é um dos repórteres da rádio. Às sete da manhã está a apanhar o carro da estação para começar o seu circuito: seis horas a rodar pela zona Oeste, entrando em directo a cada 15 minutos. Mas numa cidade tão grande como São Paulo, os repórteres desta rádio da rede Bandeirantes não conseguem estar em todo o lado. Por isso, muita da informação é dada pelos próprios automobilistas, por sms, email, ou telefone, e é lida pelos pivots aos microfones, permanentemente. Há ainda dados que chegam por satélite e gps, e um helicóptero ao serviço da rádio, sobrevoando a cidade três vezes por dia.
Arrancamos, com Stephan ao volante ao carro e fazendo o primeiro directo. “Falo da Avenida Morumbi, que funciona. O motorista não encontra dificuldade…”. “Temos uma audiência muito rotativa”, explica-nos. “A pessoa entra no carro e quer saber como está o trânsito”. Vai dando informação sobre buracos na via, obras, acidentes, enquanto põe Chico Buarque a tocar, e depois canta Edith Piaf, e sintoniza a rádio francesa – filho de um francês e de uma espanhola, estudou em Paris e sonha ser jornalista desportivo. Acontece que a vaga que abriu na Bandeirantes foi para repórter de trânsito, e por isso ele aqui vai, sorridente e bem-disposto. “Agora, Marginal do Tietê, o motorista que se aproxima da Castelo Branco encontra vários pontos de parada…”.
Como é que São Paulo ficou assim? “Tem várias explicações”, diz Felipe Bueno. “A cidade foi muito mal planeada ao longo dos últimos 100 anos. Segundo os governantes, o transporte público sobre trilhos [metro e comboio] é caro e foi um pouco esquecido. E existe um certo egoísmo – é difícil encontrar três pessoas a partilhar um carro.”
O incentivo do Governo federal para a compra de carro só complicou – tal como aconteceu no Rio de Janeiro, e nas outras cidades brasileiras. A diferença entre o Rio e São Paulo, no que diz respeito ao trânsito, é sobretudo a geografia da cidade, explica Angélica Alvim, especialista em mobilidade urbana da Faculdade de Arquitectura e Urbanismo Mackenzie (FAU-Mack). “A geomorfologia do Rio é bem mais complicada”.
Mas a solução para os problemas de São Paulo pode bem passar por uma política de ocupação do solo. E isso tem a ver com a história da cidade. Denise Antonucci, também professora da FAU-Mack, traça o retrato: “A grande massa da população mora na zona Leste ou no extremo Sul, onde ficam as maiores favelas. A cidade tem uma má distribuição de empregos, que estão concentrados sobretudo no centro”. Na zona Leste – ou zona Lost, como lhe chamam ironicamente – não há empregos. “São áreas completamente esquecidas”. Por isso, as pessoas têm que apanhar transportes para ir trabalhar no centro, e fazem-no todas na mesma direcção de manhã, e todas na direcção contrária ao final do dia.
O objectivo do Plano Integrado de Transportes Urbanos, que está em discussão, é conseguir alterar isso. Denise recorda que a modernização de uma linha de comboio junto ao rio Pinheiros, contribuiu para o aumento do número de empregos. A ideia é permitir mais construção de uso misto nessas zonas esquecidas que hoje funcionam apenas como dormitórios – construção que crescerá ao longo de novas linhas de autocarro, atraindo gente e reequilibrando as forças na cidade. Assim, idealmente, as pessoas poderão trabalhar mais perto do local onde moram, e reduzir-se-á o número de deslocações diárias na cidade.
Este é o plano. Mas como Angélica Alvim reconhece, não é fácil porque implica o diálogo entre muitas entidades diferentes, entre as quais a Prefeitura e o poderoso lobby dos proprietários de empresas de autocarros. Até lá, é tempo de descontentamento. O prefeito Fernando Haddad criou uma série de faixas pintadas no chão para autocarros, que estão a irritar os condutores com carro próprio porque lhes roubam espaço. E quem não tem carro, está, por seu lado, descontente com o estado dos transportes públicos e exige preços mais baixos.
“Num primeiro momento, as faixas vão facilitar a vida a quem está no ónibus”, analisa Felipe Bueno. “Mas na realidade, como dizem os especialistas, é a maneira mais rápida de chegar ao próximo congestionamento. Tem que se investir em transporte integrado. Se não existir isso, as pessoas vão continuar a comprar carro por acharem que não há alternativa. E com mais de dez milhões pensando assim, a cidade pára.”
ALEXANDRA PRADO COELHO (São Paulo) e VERA MOUTINHO
10/03/2014 - 08:24
© 2014 PÚBLICO
Comunicação Social SA
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