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Deixar o melhor para o fim não é boa política
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Deixar o melhor para o fim não é boa política
Há quem acredite que o ser humano é uma tábua rasa. E que, aos poucos, os pais, a escola, a sociedade vão imprimindo as suas marcas e moldando o carácter da pessoa em causa. Não partilho esta visão. Claro que o meio tem a sua influência, mas desde muito cedo que as crianças começam a exibir os traços distintivos da sua personalidade. Irmãos gémeos que têm uma educação idêntica revelam desde a mais tenra idade as suas diferenças. Uns são mais ariscos, outros mais dóceis; uns aventureiros, outros cautelosos - e assim por diante.
Um aspecto quase anedótico, e que ainda assim diz muito acerca da personalidade de cada um, é a maneira como se 'gere' a comida no prato
Um aspecto quase anedótico, e que ainda assim diz muito acerca da personalidade de cada um, é a maneira como se 'gere' a comida no prato. Há quem comece logo por aquilo de que mais gosta - depois logo se vê. Pelo contrário, os mais previdentes guardam o melhor para o fim, de forma a garantirem que terminam a refeição em beleza.
Cada uma destas atitudes tem as suas vantagens e inconvenientes. Vejamos.
Aqueles que optam por comer o melhor às primeiras garfadas sabem que o que é bom vai esgotar-se rapidamente. Daí em diante será sempre a piorar. O que sobrar, mastiga-se a contragosto - um cenário pouco animador, a menos que se consiga rapinar alguma coisa de um prato alheio ou que se faça tanto barulho que alguém acaba por dar aquilo que se pretende.
Já quem deixa a parte favorita para o fim, sabe que o melhor ainda está para vir, e isso dá-lhe alento para suportar aquilo de que não gosta tanto. Porém, quando chegar ao pedaço tão desejado, é muito possível que tenha a barriga cheia e que a parte que guardou ciosamente acabe por nem lhe saber especialmente bem. Já para não dizer que pode chegar um conviva menos escrupuloso e roubar-lhe o pedaço tão desejado. Recordo o caso de um familiar que guardava sempre a melhor torrada para o final. Um dia apareceu um amigo, que, fazendo-se de parvo, perguntou: "Não gostas desta, pois não?". E antes de receber resposta, o chico-esperto comeu a melhor parte da torrada do meu familiar.
Os que deixam o melhor para o fim são os poupados. Aqueles que guardam o dinheiro para fazer uma viagem, por exemplo, e, quando chega a altura - se é que chega -, já não acham sequer piada a viajar, ou porque se habituaram a ficar em casa e qualquer saída se torna incómoda, ou porque são demasiado velhos para grandes andanças. Por seu lado, os que comem logo aquilo que mais lhes agrada, ficam inevitavelmente a pensar que o melhor já passou e depois não conseguem retirar prazer das pequenas alegrias que lhes estão reservadas.
Qual é então a atitude mais sensata? Aparentemente, nenhuma destas duas. O segredo está em saber dosear, para que as coisas boas não se tornem um motivo de frustração - como são as férias para quem as goza no início do ano, só lhe restando daí para a frente trabalhar - mas sim uma fonte de alegria e de deleite. Para isso, há que apreciá-las enquanto se tem apetite e boa disposição. Tanto à mesa como no banquete da vida.
jose.c.saraiva@sol.pt
José Cabrita Saraiva | 01/07/2015 17:14
SOL
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