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Então Portugal pode ou deve mais?

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Mensagem por Admin Qui Jul 30, 2015 10:11 am

A dúvida não é metafísica, nem a interrogação despropositada. O "pode" adotado como mote pelo PSD/CDS e o "deve" sugerido por António Costa logo na primeira reação à apresentação do programa da coligação "Portugal á Frente", mais que estados de alma, assumem-se como dois verbos que conjugam muito do debate a travar nos próximos meses e até ás eleições legislativas.

É sintomático um dos títulos escolhidos pelo Expresso para dar algumas das primeiras notícias sobre as propostas dos partidos do Governo para os próximos quatro anos. Um programa sem novidades e orgulhoso disso, não obstante apresentar, ainda assim, uma versão adocicada do futuro radioso que nos aguarda.

O "Diário Económico" escolhe para título uma manifestação de intenções da coligação: recuperar a classe média perdida e, para isso, para lá das promessas, a que já chegaremos, "oferece 'moderação' contra o 'radicalismo' do PS".

O programa a quatro anos não deixa de ser surpreendente. É ótimo ver os partidos ou as pessoas mudarem de opinião. É fantástico perceber como PSD e CDS se preparam, por exemplo, para dar uma grande ênfase na componente social, área que tem sido das mais fustigadas pelas políticas até agora seguidas.

Claro que logo a seguir vem o "Diário de Notícias" assegurar que "A Coligação quer privatizar parte das receitas da Segurança Social". A isso reagiu António Costa nas televisões ao afirmar que "depois de privatizar tudo o que havia para privatizar, prometem agora um ataque com a privatização dos serviços públicos, a começar pela Segurança Social". A vontade enunciada por Passos Coelho de promover o reforço da "livre escolha" dentro do SNS é uma velha aspiração da direita portuguesa, sempre vista pela esquerda como um desejo cujas letras pequeninas, se lidas com atenção, dizem, só pode ter como desfecho a privatização da saúde, transformada em negócio. Esse será, seguramente, um dos temas em foco durante a batalha eleitoral.

Não é essa, de todo, a visão de "Avançar Portugal". Como diz o "Público", a coligação aposta no crescimento económico e no desenvolvimento social com incentivos à contratação de desempregados de longa duração com benefícios para os empregadores e para os empregados nestas circunstâncias. Acrescem os incentivos à natalidade, um Programa de desenvolvimento Social em substituição do Programa de Emergência Social, onde se demonstra uma vez mais a importância das palavras, a redução da pobreza e o combate às desigualdades sociais.

Nas medidas económicas temos o registo a vida é bela. Aponta-se para um crescimento médio de entre 2 e 3% nos próximos quatro anos; pretende-se atingir em 2015 um défice inferior a 3% do PIB; reduzir a dívida pública de 130 para 107% em 2019, assegurar a reposição salarial na Função Pública em pelo menos 20% ao ano, a iliminação progressiva da sobretaxa de IRS, a redução do IRC para 17% e, (hélás) tornar Portugal a longo prazo uma das 10 mais competitivas economias do mundo. A Cristina Figueiredo, que aqui no Expresso analisou todo este conjunto de propostas classificou-as como "claramente otimistas". Mas para sombras e xailes negros já tivemos quatro anos, não é?

OUTRAS NOTÍCIAS

O Jornal de Notícias dá conta de uma novidade relacionada com as carrtas de condução. A partir de 1 de junho de 2016 entra em vigor o novo sistema de cartas por pontos. As escolas de condução aguçaram o engenho e a troco de €35 vão permitir aos condutores recuperar pontos perdidos, evitando assim a apreensão da carta.

O calor, diz o Público, está a provocar o caos nas urgências hospitalares do Algarve. Os profissionais de saúde estão próximos da exaustão, segundo o aviso do presidente do Conselho Hospitalar do Algarve. Foi já ativado o plano de contingência destinado a combater os efeitos do calor, mas tem-se mostrado incapaz de dar uma resposta eficaz face às necessidades de muitos idosos desidratados. Por dia, a procura dos serviços de urgência tem superado as 900 pessoas.

O tema de capa da revista Exame não poderia vir mais a propósito. Num país onde se acentuam as desigualdades, ficamos a saber que o total combinado das 25 maiores fortunas portuguesas voltou a aumentar este ano. Dito de outro modo, os mais ricos, estão mais ricos. Congregam entre si €14,7 mil milhões, o que representa 8,5% do PIB. Se no geral, nada de novo, também nada de novo na frente. Américo Amorim continua a ser o mais rico de todos, seguido de alexandre Soares dos Santos e Belmiro de Azevedo.

Na banca, as águas continuam agitadas. Fernando Ulrich enterra projeto de fusão do BPI com o BCP, notícia o "Jornal de Negócios". O banqueiro retirou credibilidade ao falado projeto de fusão no dia em que se ficou a saber que Angola representou mais de 85% dos lucros consolidados do BPI.

Lá fora

A Grécia continua no topo das notícias com o jornal "Público", mas espanhol, a anunciar a hipótese de Alexis Tsipras convocar eleições após a conclusão das negociações do terceiro resgate, a ser negociado em Atenas por estes dias. O FMI, por sua vez, insiste que a dívida grega é insustentável e necessita de uma reestruturação substancial.

A propósito de um tema há longas semanas na agenda mediática vale a pena ler um trabalho intitulado "O que é que os gregos realmente pretendem?" de Yiannis Kitromilides, membro associado do Centro de Economia e Políticas Públicas da Universidade de Cambridge. Após criticar o simplismo vertido por muitos comentadores, segundo os quais os helénicos pretenderiam "chuva na eira e sol no nabal", Yiannis, ao debater a questão da hipotética incompatibilidade entre pretender permanecer no euro e querer aliviar a carga de austeridade, como o deixaram claro os gregos em sucessivas votações, defende que, "em princípio, estas exigências não são necessariamente incompatíveis. A austeridade é uma política imposta em economias endividadas da zona euro como forma de reduzir esse endividamento. A oposição à austeridade seria incompatível com a continuidade na zona euro apenas se a estratégia adotada fosse indiscutível e inquestionavelmente a única maneira de lidar com a crise. A estratégia da austeridade tem, no entanto, muitos críticos. Têm sido apresentados poderosos e convincentes argumentos teóricos e empíricos contra esta opção (…) que falhou nos seus objetivos, o primeiro dos quais seria a redução da dívida que, em primeiro lugar, provocou a crise".

Os museus italianos estão pela hora da morte. Degradados, sem norte, afetados pela falta de financiamento, precisam de medidas urgentes de revitalização. A Apollo, revista internacional de arte destaca a situação da "Galleria dell'Academia", em Veneza, cujas salas estão literalmente a cair aos pedaços.

Afinal Platini, presidente da UEFA, vai fazer o que já todos sabiam que ia fazer, mas ninguém ousava assegurar que faria. Será candidato à presidência da FIFA.

Ainda no futebol, um jovem português protagonizou o inenarrável ao ser apresentado como jogador do Jaén, clube da segunda divisão espanhola. Escolheu uma singular indumentária para a conferência de imprensa em que seria anunciado como reforço. E que tal, em Espanha, vestir uma "T-shirt" com o rosto de franco estampado? Nuno Silva teve necessidade de se explicar num comunicado. Alegou ignorância.

Estávamos todos iludidos. Afinal o sexo na publicidade não resulta tanto como se imaginava. Quem o diz é a Time, num artigo onde se assegura que investigações recentes demonstram que quando se utiliza cenas com carga erótica num anúncio, na verdade isso não está a ajudar as vendas, mas eventualmente a prejudicá-las. Hummmm... Será?

FRASES

"Nestes quatro anos mostramos que podemos defender o estado Social do socialismo". Pedro Passos Coelho na apresentação do programa da coligação "Portugal à Frente"

"Depois de privatizar tudo o que havia para privatizar, prometem agora (...) a privatização dosserviços públicos, a começar pela Segurança Social". António Costa em declarações às televisões

"Poderá haver esta ou aquela flor, mas essas valem tanto como as de há quatro anos". Jerónimo de Sousa na enrtrevista a Clara de Sousa na SIC

O QUE ANDO A LER E A OUVIR

Como posso descrever o que ando a ler e ouvir sem parecer possidónio? Tentarei explicar-me. Como bem dizia Ortega y Gasset (e vai mais uma citação), "o homem é o homem e as suas circunstâncias". Ora a minha circunstância passa pela constatação de que é raro, muito raro, andar de automóvel por sempre ter privilegiado os transportes públicos nas minhas deslocações. São centenas, porventura milhares de horas passadas a ler, no autocarro, comboio, ou no Metro, conforme as sucessivas residências que fui tendo. Isso permite-me ter várias leituras em simultâneo. Ou, como sou homem de muitas sonoridades, deixar espaço para apreciar as músicas do mundo.Esta semana tenho andado acompanhado por Melody Gardot. Vi-a pela primeira vez em Londres, há uns bons anitos, no Royal Festival Hall, onde regressa em novembro. Foi um mero acaso. Não conhecia aquela figura um tanto exótica, apoiada numa bengala, ainda em início de carreira, mas resolvi arriscar, num concerto em que dava também os primeiros passos o agora famoso Jose James. Fiquei rendido. Fui vê-la terça-feira à noite a Vigo. O concerto, a abarrotar de jazz, superou todas as minhas expectativas. Para quem vai do Porto, a cidade galega fica a menos de metade da distância de Cascais, onde Gardot atuou ontem à noite. Como possuo o que é já uma raridade e uma relíquia chamada "Ipod", tenho sempre à mão uma poderosa variedade de intérpretes, álbuns ou canções que me provam como o mundo musical é muito mais vasto do que o omnipresente universo anglo-saxónico. Nas duas últimas semanas, inspirado pelo Festival Músicas do Mundo, que terminou sábado em Sines, andei a ouvir, oriundos do Mali, Toumani & Sidiki Diabaté , os italianos do "Canzionere Grecanico Salentino", ou a argentina Soema Montenegro, entre outros.

Quanto a leituras, em casa aconchego-me com os livros mais pesados. Os de capa dura. Neste momento estou a deliciar-me com "The Golden Thread - The Story of Writing", de Ewan Clayton, um antigo monge beneditino, calígrafo e professor de desenho na Universidade de Sunderland, no nordeste de Inglaterra. Porque é que escrevemos e porque escrevemos como escrevemos? São algumas das questões colocadas nesta fascinante viagem pela história da escrita, desde o antigo Egito até os nosso dias, marcados pelas profundas transformações na relação com a escrita desencadeadas pelo advento do digital.

Recém convertido ao "Kindle", no Metro tenho lido uma muito divertida proposta de um autor argentino, Heberto Gamero Contín, intitulada "Minibiografias ilegales sobre escritores malditos". Em livro, livro mesmo, acabei recentemente de ler um muito pertinente trabalho de Maurizio Lazzarato intitulado "Gouverner par la dette". O título é desde logo todo um enunciado. O drama das dívidas soberanas e a questão da Grécia conferem enorme relevância a um livro que ousa pensar fora da caixa e no qual, em jeito de introdução, Lazzarato lá vai dizendo que a governação liberal exerce-se passando de crise em crise. "Mudando o nome, muda-se apenas o medo. A crise e o medo constituem o horizonte inultrapassável da governação capitalista neoliberal. Não sairemos da crise (…) simplesmente porque a crise é o modelo de governo do capitalismo contemporâneo". A este propósito, é muito curioso - talvez não mais do que isso - um texto publicado pelo Guardian intitulado "O Fim do capitalismo já começou". Calma. Não vai começar a tomada do palácio de inverno. É apenas uma reflexão sobre os caminhos seguidos nas últimas décadas pelo capitalismo com o autor a defender que, por força das inovações tecnológicas e de novas, embora ainda incipientes formas de organização emergentes em diferentes sociedades, já entramos numa era pós-capitalista.

Muito portáteis, as revistas são sempre uma boa leitura de reserva num transporte público. Estou a ler o número de verão da "Philosophie Magazine". O tema de capa centra-se numa oportuna interrogação para levar para férias: "Comment ne pas passer à côté de sa vie?". Lá dentro, uma história deliciosa a envolver um dos futuros fundadores do existencialismo: Jean-Paul Sartre. Um dia, era criança ainda, pediu autorização à mãe para ler "Madame Bovary", de Flaubert. A resposta vem com a habitual musicalidade contida na voz materna: "Mas se o meu querido lê este género de coisas na sua idade, o que fará quando for grande?". A réplica é demolidora: "Vivê-las-ei".

Pois vivamos, já que, como dizia Sócrates na "República" (e lá vai mais uma citação, a última) "devemos agarrar a melhor das vidas entre as vidas possíveis". Por esta altura, aquele leitor a quem nada escapa já estará a comentar a ausência de qualquer indicação de leitura em português. Eu tinha avisado. Havia a possibilidade de sair, não um cimbalino, mas um possidónio.

Para compensar, não consigo fechar sem partilhar um brilhante e ao mesmo tempo comovente documentário, premiado em vários festivais internacionais e intitulado "Unravel", realizado por Meghana Gupta. Todos os anos viajam da Europa e dos EUA para Panipat, uma cidade no norte da Índia, mais de 100 mil toneladas de peças de roupa descartadas pelos ocidentais para ali serem recicladas e transformadas em fio. O processo passa por várias fases durante as quais a realizadora retrata a abissal diferença de culturas plasmada nos testemunho de espanto de mulheres belíssimas que se revelam desconcertadas com o modo de vida de uma sociedade que rejeita aquele tipo de roupas. O que conhecem do Ocidente resulta sobretudo do que vêm no canal Discovery. Aquelas mulheres interrogam-se. Perguntam de onde vem tanta roupa. Porque se desfazem de peças tão boas. Em dado momento uma delas encontra o que lhe parece ser a explicação mais plausível: "talvez a água seja demasiado cara para lavarem as roupas" e por isso as deitam fora.

E pronto. Cimbalino tirado. Espero que tenham saboreado e lhes tenha parecido substancial. A realidade é um fluxo contínuo de notícias. No Expresso procuramos estar colados ao que acontece hora a hora, minuto a minuto. Ao longo do dia vá deitando os olhos à nossa ementa "on line" e a partir das 18h, já sabe, tem o Expresso Diário para lhe contar tudo o que de relevante se passou durante o dia. Ainda sabe onde guardou a chave de acesso para esta semana publicada na capa da Revista E? Amanhã mudaremos da versão cimbalino para a opção expresso, nem sempre muito curto, é certo. Para o servir cá estará Miguel Cadete.

POR VALDEMAR CRUZ
30 de Julho de 2015
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