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O perigoso legado do populismo
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O perigoso legado do populismo
Em democracia todos presumimos que vivemos num Estado de direito sério, equilibrado, sem super poderes, transparente e com regras equilibradas.
Faz sentido: são condições inalienáveis. Mas em algumas áreas, esta presunção é uma perigosa ilusão. A primeira preocupação dos governantes da democracia deve ser a de garantir que os cidadãos - ricos, pobres, mediáticos ou anónimos - não ficam sujeitos a exercícios arbitrários de poder pelo Estado ou a humilhações perpetradas pelos seus representantes.
Ora, no campo da justiça a abordagem dos sucessivos governos tem-se revelado, profundamente, cobarde e populista. Todos levantam a voz para dizer "à justiça o que é da justiça" e demitem-se de exercer a sua função de garante do normal funcionamentodas instituições, que passa por identificar os seus excessos.
Optou-se pelo caminho perigoso mas tentador - porque populista - de uma justiça musculada. Foi-se dando mais e mais poder ao sistema de justiça sem se exigir nada em troca, nomeadamente no que respeita ao estrito cumprimento das regras e à responsabilização dos infractores dentro do sistema. Sacrificou-se a transparência e a democratização.
A justiça e as suas regras passaram a ser inquestionáveis. Quem a ela se submete, entra como que num "jogo de casino" imprevisível. Pior ainda se for político, famoso ou "poderoso". Aqui, o jogo passa a ser viciado porque já entra a perder, só salvo pela circunstância eventual de encontrar pelo caminho - ainda as há felizmente - pessoas corajosas, sensatas e livres, que não têm medo de enfrentar os sempre injustos "julgamentos de pelourinho" na opinião pública. Nada disto é novidade para a classe política, mas esta recusa o ónus de exercer a democracia num sistema que vive confortavelmente em autogestão.
Pior do que a cobardia é o populismo. E o legado dos últimos quatro anos de governação na justiça é do mais profundo e antidemocrático populismo, encabeçado pela senhora ministra da justiça, com a complacência dos demais. Descobrirão que é o pior caminho no dia em que também eles se virem envolvidos nesta vaga de populismo justiceiro.
Sob o ultra populista mote "acabou a impunidade", a balança está cada vez mais desequilibrada em favor do poder do Estado. Isto potencia o abuso.
Permitiu-se que o "juiz das liberdades" - o juiz de instrução que é uma conquista da democracia e que serve para proteger os arguidos de eventuais abusos e entusiasmos dos investigadores - se tornasse também ele um investigador/acusador. Aprovou-se a criação de uma lista de pedófilos que mais não é do que um carimbo que lembra os piores momentos da história da humanidade e aceita-se, pacificamente, que a humilhação dos arguidos "famosos" seja a regra. Com a tentativa de criminalização do chamado "enriquecimento injustificado" pretendeu-se colocar nos cidadãos um ónus que, em democracia, só pode caber ao Estado acusador, tornando o enriquecimento de "per si" uma actividade suspeita. Valha-nos uma Constituição democrática e um Tribunal Constitucional responsável, que travou a invenção deste crime por quem trata com leveza o Estado de direito e que deixaria os cidadãos ainda maisà mercê da "justiça de tablóide".
Porque veste a pele do populismo, o legado do Governo PSD/CDS no campo da justiça não causa ondas de choque à maior parte das pessoas. Mas devia. O risco destes exercícios populistas é o de que tudo o que parece imediatamente bom provoca quase sempre profundos danos à democracia a prazo.
00:05 h
Francisco Proença de Carvalho
Económico
Faz sentido: são condições inalienáveis. Mas em algumas áreas, esta presunção é uma perigosa ilusão. A primeira preocupação dos governantes da democracia deve ser a de garantir que os cidadãos - ricos, pobres, mediáticos ou anónimos - não ficam sujeitos a exercícios arbitrários de poder pelo Estado ou a humilhações perpetradas pelos seus representantes.
Ora, no campo da justiça a abordagem dos sucessivos governos tem-se revelado, profundamente, cobarde e populista. Todos levantam a voz para dizer "à justiça o que é da justiça" e demitem-se de exercer a sua função de garante do normal funcionamentodas instituições, que passa por identificar os seus excessos.
Optou-se pelo caminho perigoso mas tentador - porque populista - de uma justiça musculada. Foi-se dando mais e mais poder ao sistema de justiça sem se exigir nada em troca, nomeadamente no que respeita ao estrito cumprimento das regras e à responsabilização dos infractores dentro do sistema. Sacrificou-se a transparência e a democratização.
A justiça e as suas regras passaram a ser inquestionáveis. Quem a ela se submete, entra como que num "jogo de casino" imprevisível. Pior ainda se for político, famoso ou "poderoso". Aqui, o jogo passa a ser viciado porque já entra a perder, só salvo pela circunstância eventual de encontrar pelo caminho - ainda as há felizmente - pessoas corajosas, sensatas e livres, que não têm medo de enfrentar os sempre injustos "julgamentos de pelourinho" na opinião pública. Nada disto é novidade para a classe política, mas esta recusa o ónus de exercer a democracia num sistema que vive confortavelmente em autogestão.
Pior do que a cobardia é o populismo. E o legado dos últimos quatro anos de governação na justiça é do mais profundo e antidemocrático populismo, encabeçado pela senhora ministra da justiça, com a complacência dos demais. Descobrirão que é o pior caminho no dia em que também eles se virem envolvidos nesta vaga de populismo justiceiro.
Sob o ultra populista mote "acabou a impunidade", a balança está cada vez mais desequilibrada em favor do poder do Estado. Isto potencia o abuso.
Permitiu-se que o "juiz das liberdades" - o juiz de instrução que é uma conquista da democracia e que serve para proteger os arguidos de eventuais abusos e entusiasmos dos investigadores - se tornasse também ele um investigador/acusador. Aprovou-se a criação de uma lista de pedófilos que mais não é do que um carimbo que lembra os piores momentos da história da humanidade e aceita-se, pacificamente, que a humilhação dos arguidos "famosos" seja a regra. Com a tentativa de criminalização do chamado "enriquecimento injustificado" pretendeu-se colocar nos cidadãos um ónus que, em democracia, só pode caber ao Estado acusador, tornando o enriquecimento de "per si" uma actividade suspeita. Valha-nos uma Constituição democrática e um Tribunal Constitucional responsável, que travou a invenção deste crime por quem trata com leveza o Estado de direito e que deixaria os cidadãos ainda maisà mercê da "justiça de tablóide".
Porque veste a pele do populismo, o legado do Governo PSD/CDS no campo da justiça não causa ondas de choque à maior parte das pessoas. Mas devia. O risco destes exercícios populistas é o de que tudo o que parece imediatamente bom provoca quase sempre profundos danos à democracia a prazo.
00:05 h
Francisco Proença de Carvalho
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