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POLÍTICA: O perigoso regresso da utopia
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POLÍTICA: O perigoso regresso da utopia
Pensava-se que, depois da crise de 2008, os políticos responsáveis deixariam de fazer promessas de melhoria contínua da vida, mas em cada nova eleição, apareceram sempre os mesmos vendedores de sonhos
O atual debate público em França, convertido em guerrilha urbana, sobre a alteração da lei laboral, voltou a trazer para a ribalta a diferença entre os liberais e os outros, tal como já tinha acontecido aquando da nossa recente discussão sobre as vantagens e desvantagens do ensino público versus privado. Esta clivagem desempenha um papel importante no do valor do sonho e da utopia, por contraponto à racionalidade económica, enquanto instrumentos de motivação dos cidadãos para a vida pública.
Pensava-se que, depois da crise de 2008, os políticos responsáveis deixariam de fazer promessas de melhoria contínua da vida dos cidadãos, para passar a defender a solvabilidade dos seus Estados, sustentando desse modo o que até então tinha sido adquirido pelos mesmos. Manter, reabilitar, reconstruir, ainda que fazendo uso de novas formas, ou seja, não deixar destruir o existente, deveriam ter passado a ser as palavras-chave da mensagem política. Mas afinal, em cada nova eleição, apareceram sempre os mesmos vendedores de sonhos, os defensores da hora da utopia, os arautos, que fazem promessas da famosa alternativa que voltará a trazer o paraíso à terra, os mesmos que, do alto do seu pelourinho ideológico, fazem acreditar que têm uma solução que implicará, mais uma vez, construir de algo novo.
Em França com o governo socialista, na Grécia com o governo do Syriza, na Hungria com o governo do Fidesz, como também na Rússia com o governo do Rússia Unida (ou agora nos discursos de Donald Trump e Marine Le Pen) todos prometeram a tal alternativa, a tal mudança, a capacidade de voltar a sonhar, mas a verdade é que, em quase todos estes exemplos, o investimento caiu, o desemprego aumentou, a dívida subiu e o sonho rapidamente se transformou em pesadelo.
Não basta, então, afirmar a existência de um desafio à visão de Bruxelas, que existe uma alternativa à visão de Washington ou que existe uma alternativa ao rigor orçamental e à escolha de prioridades no financiamento do Estado social. É preciso que essa alternativa funcione. É imprescindível que essa alternativa melhore, efetivamente, a situação económica dos países e dos cidadãos como um todo. Visto que, se tal não acontecer, continuaremos a vender ilusões, a vender gato por lebre, apenas para consumo eleitoral.
É verdade que, infelizmente, quem não promete o sonho dificilmente obtém resultados para governar. Os eleitores continuam viciados na promessa. Os eleitores continuam ou a abster-se ou a colocar o voto em quem lhes garante poder continuar a sonhar, a acreditar, como se o sonho e a crença, contribuíssem, por si só, para a melhoria da vida de cada um.
É certo que a economia precisa de confiança, mas não se sustenta com promessas a curto prazo. A economia alimenta-se de factos, alimenta-se de medidas estruturais, num quadro regulador exigente, que a estimulem e não a constranjam. Por muito que custe a todo o nosso muito respeitável lastro poético e sonhador, a economia vive de interações entre quem produz, quem vende e quem compra, e não apenas do apoio do Estado, pelo que sem economia real não há nada para prometer e muito menos para distribuir.
Sabemos da necessidade de incutir confiança, previsibilidade e segurança em quem investe. Sabemos da importância de ter paz social e qualidade de recursos para aumentar a produtividade e, por essa via, ganhar mercados, criar empregos, permitindo aumentar a receita fiscal sem criar novos impostos. Mas essa confiança, esse clima, esse ambiente, esse ecossistema económico, como agora se se diz, não se alcançam com sonhos e utopias, com manifestos contra as empresas e o capital, com proclamações contra a Europa e a globalização.
Por mais doses de sonho e utopia que se possam dar às massas (e quem melhor o fez que as grandes ditaduras nazis, fascistas e comunistas), a verdade é que, hoje em dia, o nível de vida, isto é, o bem-estar individual e coletivo, não depende de outra coisa que não seja da economia. E esta só cresce com os pés bem assentes na terra, com a vista focada na realidade.
No fundo, não se podem vender sonhos de aumento dos salários com menos horas de trabalho; alimentar a utopia da proteção aduaneira querendo estimular também as exportações; revogar contratos de investimento e aumentar impostos e taxas às empresas quando, ao mesmo tempo, se sonha com o aumento do investimento (interno ou externo).
Lembremos que uma boa parte da construção utópica sobre a economia assenta na crença de que o Estado tem fins próprios diferentes da soma agregada dos fins dos indivíduos que o compõem. Isto é, não é preciso recorrer aos instrumentos da Public Choice Theory para concluir que os ganhos e perdas do Estado são sempre os ganhos e perdas dos indivíduos. Estes últimos pedem ao Estado serviços que serão, no fim de contas, pagos pelos mesmos, quer sobre a forma de impostos quer sobre a forma de empréstimos (que mais tarde darão lugar a mais impostos).
Lembremos, ainda, que é também importante evitar a assunção, muito comum entre nós, de que o que é público não é de ninguém ou que, sendo de todos, a ninguém responsabiliza. Assunção que está, em grande parte, na origem da dificuldade de sustentação do modelo de sociedade.
Trabalhar para o Estado, ter um Estado que atua na produção e distribuição dos bens, ter uma visão coletivista e holística da vida social, abominar o privado, o individual, a empresa, a sociedade, a família, servem de inspiração, de raiz ou matriz, por detrás do perigoso regresso do sonho e da utopia. Os nomes, os rótulos e as causas, podem parecer diversas ou novas, mas o perigo é mesmo: o fim da liberdade, do pluralismo, da iniciativa privada, do espírito empresarial e da criatividade.
A utopia do fim do trabalho. A utopia de um lazer padronizado e organizado coletivamente. O sonho de uma pretensa e anacrónica soberania da multidão contra o capital e a finança. A ilusão de que podemos viver exclusivamente da partilha e do amor à natureza, dentro de novas fronteiras. Não passam disso mesmo: ilusões, recorrentes ao longo da história da humanidade, mas cuja aplicação real sempre redundou em mau governo e pobreza.
Só existe liberdade com regras claras; só existe liberdade com responsabilidade; só existe liberdade com iniciativa privada; só existe liberdade com escolha plural e representativa, que permita a criação de riqueza e, consequentemente, sustentar um Estado forte que garanta a oportunidade e o bem-estar para todos.
Ou seja, não há que ter medo dos liberais, pois o perigo não está, nem nunca esteve, na defesa da liberdade, mas sim nos seus inimigos, naqueles que continuam a vender sonhos, ilusões, utopias de modelos económicos e sociais que, além de não trazerem a riqueza prometida, acabam por encarcerar essa mesma liberdade.
É, pois, fundamental que o discurso político não seja encarado como um verdadeiro conto infantil, qual narrativa encantatória, onde os eleitores são tratados como crianças a quem é preciso fazer sonhar e não cidadãos a quem se oferecem soluções razoáveis e realizáveis e a quem, por sua vez, se exige uma cidadania informada e responsável.
Quando se acaba de assinalar mais um Dia de Portugal será bom que, também entre nós, se considerem os eleitores como gente crescida, caso contrário, nunca teremos um país adulto e senhor do seu destino.
Professor universitário
José Conde Rodrigues
14/6/2016, 7:43
Observador
O atual debate público em França, convertido em guerrilha urbana, sobre a alteração da lei laboral, voltou a trazer para a ribalta a diferença entre os liberais e os outros, tal como já tinha acontecido aquando da nossa recente discussão sobre as vantagens e desvantagens do ensino público versus privado. Esta clivagem desempenha um papel importante no do valor do sonho e da utopia, por contraponto à racionalidade económica, enquanto instrumentos de motivação dos cidadãos para a vida pública.
Pensava-se que, depois da crise de 2008, os políticos responsáveis deixariam de fazer promessas de melhoria contínua da vida dos cidadãos, para passar a defender a solvabilidade dos seus Estados, sustentando desse modo o que até então tinha sido adquirido pelos mesmos. Manter, reabilitar, reconstruir, ainda que fazendo uso de novas formas, ou seja, não deixar destruir o existente, deveriam ter passado a ser as palavras-chave da mensagem política. Mas afinal, em cada nova eleição, apareceram sempre os mesmos vendedores de sonhos, os defensores da hora da utopia, os arautos, que fazem promessas da famosa alternativa que voltará a trazer o paraíso à terra, os mesmos que, do alto do seu pelourinho ideológico, fazem acreditar que têm uma solução que implicará, mais uma vez, construir de algo novo.
Em França com o governo socialista, na Grécia com o governo do Syriza, na Hungria com o governo do Fidesz, como também na Rússia com o governo do Rússia Unida (ou agora nos discursos de Donald Trump e Marine Le Pen) todos prometeram a tal alternativa, a tal mudança, a capacidade de voltar a sonhar, mas a verdade é que, em quase todos estes exemplos, o investimento caiu, o desemprego aumentou, a dívida subiu e o sonho rapidamente se transformou em pesadelo.
Não basta, então, afirmar a existência de um desafio à visão de Bruxelas, que existe uma alternativa à visão de Washington ou que existe uma alternativa ao rigor orçamental e à escolha de prioridades no financiamento do Estado social. É preciso que essa alternativa funcione. É imprescindível que essa alternativa melhore, efetivamente, a situação económica dos países e dos cidadãos como um todo. Visto que, se tal não acontecer, continuaremos a vender ilusões, a vender gato por lebre, apenas para consumo eleitoral.
É verdade que, infelizmente, quem não promete o sonho dificilmente obtém resultados para governar. Os eleitores continuam viciados na promessa. Os eleitores continuam ou a abster-se ou a colocar o voto em quem lhes garante poder continuar a sonhar, a acreditar, como se o sonho e a crença, contribuíssem, por si só, para a melhoria da vida de cada um.
É certo que a economia precisa de confiança, mas não se sustenta com promessas a curto prazo. A economia alimenta-se de factos, alimenta-se de medidas estruturais, num quadro regulador exigente, que a estimulem e não a constranjam. Por muito que custe a todo o nosso muito respeitável lastro poético e sonhador, a economia vive de interações entre quem produz, quem vende e quem compra, e não apenas do apoio do Estado, pelo que sem economia real não há nada para prometer e muito menos para distribuir.
Sabemos da necessidade de incutir confiança, previsibilidade e segurança em quem investe. Sabemos da importância de ter paz social e qualidade de recursos para aumentar a produtividade e, por essa via, ganhar mercados, criar empregos, permitindo aumentar a receita fiscal sem criar novos impostos. Mas essa confiança, esse clima, esse ambiente, esse ecossistema económico, como agora se se diz, não se alcançam com sonhos e utopias, com manifestos contra as empresas e o capital, com proclamações contra a Europa e a globalização.
Por mais doses de sonho e utopia que se possam dar às massas (e quem melhor o fez que as grandes ditaduras nazis, fascistas e comunistas), a verdade é que, hoje em dia, o nível de vida, isto é, o bem-estar individual e coletivo, não depende de outra coisa que não seja da economia. E esta só cresce com os pés bem assentes na terra, com a vista focada na realidade.
No fundo, não se podem vender sonhos de aumento dos salários com menos horas de trabalho; alimentar a utopia da proteção aduaneira querendo estimular também as exportações; revogar contratos de investimento e aumentar impostos e taxas às empresas quando, ao mesmo tempo, se sonha com o aumento do investimento (interno ou externo).
Lembremos que uma boa parte da construção utópica sobre a economia assenta na crença de que o Estado tem fins próprios diferentes da soma agregada dos fins dos indivíduos que o compõem. Isto é, não é preciso recorrer aos instrumentos da Public Choice Theory para concluir que os ganhos e perdas do Estado são sempre os ganhos e perdas dos indivíduos. Estes últimos pedem ao Estado serviços que serão, no fim de contas, pagos pelos mesmos, quer sobre a forma de impostos quer sobre a forma de empréstimos (que mais tarde darão lugar a mais impostos).
Lembremos, ainda, que é também importante evitar a assunção, muito comum entre nós, de que o que é público não é de ninguém ou que, sendo de todos, a ninguém responsabiliza. Assunção que está, em grande parte, na origem da dificuldade de sustentação do modelo de sociedade.
Trabalhar para o Estado, ter um Estado que atua na produção e distribuição dos bens, ter uma visão coletivista e holística da vida social, abominar o privado, o individual, a empresa, a sociedade, a família, servem de inspiração, de raiz ou matriz, por detrás do perigoso regresso do sonho e da utopia. Os nomes, os rótulos e as causas, podem parecer diversas ou novas, mas o perigo é mesmo: o fim da liberdade, do pluralismo, da iniciativa privada, do espírito empresarial e da criatividade.
A utopia do fim do trabalho. A utopia de um lazer padronizado e organizado coletivamente. O sonho de uma pretensa e anacrónica soberania da multidão contra o capital e a finança. A ilusão de que podemos viver exclusivamente da partilha e do amor à natureza, dentro de novas fronteiras. Não passam disso mesmo: ilusões, recorrentes ao longo da história da humanidade, mas cuja aplicação real sempre redundou em mau governo e pobreza.
Só existe liberdade com regras claras; só existe liberdade com responsabilidade; só existe liberdade com iniciativa privada; só existe liberdade com escolha plural e representativa, que permita a criação de riqueza e, consequentemente, sustentar um Estado forte que garanta a oportunidade e o bem-estar para todos.
Ou seja, não há que ter medo dos liberais, pois o perigo não está, nem nunca esteve, na defesa da liberdade, mas sim nos seus inimigos, naqueles que continuam a vender sonhos, ilusões, utopias de modelos económicos e sociais que, além de não trazerem a riqueza prometida, acabam por encarcerar essa mesma liberdade.
É, pois, fundamental que o discurso político não seja encarado como um verdadeiro conto infantil, qual narrativa encantatória, onde os eleitores são tratados como crianças a quem é preciso fazer sonhar e não cidadãos a quem se oferecem soluções razoáveis e realizáveis e a quem, por sua vez, se exige uma cidadania informada e responsável.
Quando se acaba de assinalar mais um Dia de Portugal será bom que, também entre nós, se considerem os eleitores como gente crescida, caso contrário, nunca teremos um país adulto e senhor do seu destino.
Professor universitário
José Conde Rodrigues
14/6/2016, 7:43
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