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O grande combate
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O grande combate
Este é um tempo de intenso combate ideológico. As causas são muitas, mas a origem é única: a enorme aceleração do ritmo de mudança do mundo. Estas décadas trouxeram espantosas novidades tecnológicas, geopolíticas, económicas e financeiras. As potencialidades são espantosas, mas também os custos dessa transformação.
Desaparecem muitas profissões, sectores e actividades, criando fortes tensões sociais e intensas perplexidades políticas. O mundo melhora imenso, mas, como sempre, os danos colaterais são também trágicos.
As consequências destas novidades sobre o quadro institucional e as atitudes ideológicas são crescentes. Temos de lutar por muito daquilo que consideramos básico e seguro. Como em antigas épocas de tumulto, a nossa será confrontada com clivagens, confrontos e escolhas difíceis, que testarão os nossos valores mais fundamentais. Chegam períodos em que precisaremos de ideias claras e opções firmes.
O elemento mais palpável é um descontentamento generalizado contra as forças tradicionais, que há poucos anos facilmente ganhavam eleições. As mudanças, que assolam todos, impõem intenso descrédito aos partidos dominantes e suscitam o ressurgimento de forças extremistas, de ambos os lados do espectro doutrinal. Aparentando novidade, esses movimentos copiam antigas teses e fundamentalismos que a estabilidade enterrara durante décadas. Hoje em muitos países ocidentais, de ambos os lados do Atlântico, ouvem-se de novo os embates entre radicais de esquerda e de direita que apaixonaram e feriram os nossos avós.
Do Syriza grego ao Tea Party norte--americano, do Podemos ao Ciudadanos espanhóis, as novíssimas vozes vêm de velhos partidos jacobinos ou liberais, ensaiando as mesmas lutas de há 80, 150 e 230 anos. As condições concretas, drasticamente diferentes, têm em comum o forte descontentamento pela cíclica intensificação da mudança socioeconómica. Tal basta para criar um renovado combate ideológico que vemos crescer à nossa volta e para o qual temos nos preparar.
Apesar das semelhanças, é importante notar as novidades que o nosso tempo trouxe a esse confronto clássico. Sem que aliviem necessariamente o embate, não deixam de ser relevantes.
O primeiro aspecto original, em grande medida surpreendente, é a ausência de utopias. Os extremismos actuais limitam-se a bramar contra a situação, sem prometerem o paraíso na terra. Robespierre, Marx, Hitler, Estaline e Mao cavalgavam uma onda de ideais, que justificava os sacrifícios que impunham; hoje, Tsipras, Trump, Le Pen, Iglesias e Huckabee protestam muito mais do que prometem. A culpa ou o mérito não são seus pois, após os desastres precedentes, ninguém acredita já nos profetas do mundo perfeito. Isto, se revela um tempo mais sensato e realista, também concede uma atitude mais cínica, amarga e desiludida.
Por outro lado, o descontentamento acontece em sociedades espantosamente mais ricas. Ninguém pode menosprezar o terrível sofrimento da desgraça grega, o desemprego espanhol, banlieues franceses ou inner cities americanas; mas é também inegável que esses dramas não têm comparação com os horrores de 1793, 1848, ou 1933. Também os esfomeados d"As Vinhas da Ira de Steinbeck (1939), apesar dos seus automóveis, continuavam miseráveis, mas muito menos do que os de Victor Hugo (1862). A presente crise social desenrola-se no Twitter e no Facebook, usa telemóvel e tem serviço nacional de saúde e seguro social. Isso, se revela um tempo mais cómodo e burguês, também concede meios mais poderosos às forças subversivas.
De qualquer modo não pode haver dúvida de que hoje, como nas gerações anteriores, vamos ser testados nas nossas convicções mais decisivas. No meio da dívida, do desemprego, da imigração, do aborto e do terrorismo, múltiplas questões banais e quotidianas vão estar mergulhadas em debates profundos, como nos tempos de Danton, Bismarck ou Roosevelt. Os conceitos básicos de liberdade e igualdade, nascimento e casamento, democracia e Europa, justiça e solidariedade, que há uns anos eram pacíficos e consensuais, tomam novos cambiantes ambíguos e geram acesas discussões e lutas.
Sabemos que isto nos pode conduzir à desgraça. Os confrontos anteriores terminaram em regimes totalitários, de esquerda ou direita, cujos horrores ainda vivem na memória colectiva. Essa pode ser uma vantagem, se tal evidência servir de antídoto. Sabemos que a única solução é cada um, no seu sítio, dar voz às posições sábias e moderadas que, no meio da fúria, os nossos antepassados ignoraram. Só isso nos pode salvar no próximo terrível embate.
por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Diário de Notícias
Desaparecem muitas profissões, sectores e actividades, criando fortes tensões sociais e intensas perplexidades políticas. O mundo melhora imenso, mas, como sempre, os danos colaterais são também trágicos.
As consequências destas novidades sobre o quadro institucional e as atitudes ideológicas são crescentes. Temos de lutar por muito daquilo que consideramos básico e seguro. Como em antigas épocas de tumulto, a nossa será confrontada com clivagens, confrontos e escolhas difíceis, que testarão os nossos valores mais fundamentais. Chegam períodos em que precisaremos de ideias claras e opções firmes.
O elemento mais palpável é um descontentamento generalizado contra as forças tradicionais, que há poucos anos facilmente ganhavam eleições. As mudanças, que assolam todos, impõem intenso descrédito aos partidos dominantes e suscitam o ressurgimento de forças extremistas, de ambos os lados do espectro doutrinal. Aparentando novidade, esses movimentos copiam antigas teses e fundamentalismos que a estabilidade enterrara durante décadas. Hoje em muitos países ocidentais, de ambos os lados do Atlântico, ouvem-se de novo os embates entre radicais de esquerda e de direita que apaixonaram e feriram os nossos avós.
Do Syriza grego ao Tea Party norte--americano, do Podemos ao Ciudadanos espanhóis, as novíssimas vozes vêm de velhos partidos jacobinos ou liberais, ensaiando as mesmas lutas de há 80, 150 e 230 anos. As condições concretas, drasticamente diferentes, têm em comum o forte descontentamento pela cíclica intensificação da mudança socioeconómica. Tal basta para criar um renovado combate ideológico que vemos crescer à nossa volta e para o qual temos nos preparar.
Apesar das semelhanças, é importante notar as novidades que o nosso tempo trouxe a esse confronto clássico. Sem que aliviem necessariamente o embate, não deixam de ser relevantes.
O primeiro aspecto original, em grande medida surpreendente, é a ausência de utopias. Os extremismos actuais limitam-se a bramar contra a situação, sem prometerem o paraíso na terra. Robespierre, Marx, Hitler, Estaline e Mao cavalgavam uma onda de ideais, que justificava os sacrifícios que impunham; hoje, Tsipras, Trump, Le Pen, Iglesias e Huckabee protestam muito mais do que prometem. A culpa ou o mérito não são seus pois, após os desastres precedentes, ninguém acredita já nos profetas do mundo perfeito. Isto, se revela um tempo mais sensato e realista, também concede uma atitude mais cínica, amarga e desiludida.
Por outro lado, o descontentamento acontece em sociedades espantosamente mais ricas. Ninguém pode menosprezar o terrível sofrimento da desgraça grega, o desemprego espanhol, banlieues franceses ou inner cities americanas; mas é também inegável que esses dramas não têm comparação com os horrores de 1793, 1848, ou 1933. Também os esfomeados d"As Vinhas da Ira de Steinbeck (1939), apesar dos seus automóveis, continuavam miseráveis, mas muito menos do que os de Victor Hugo (1862). A presente crise social desenrola-se no Twitter e no Facebook, usa telemóvel e tem serviço nacional de saúde e seguro social. Isso, se revela um tempo mais cómodo e burguês, também concede meios mais poderosos às forças subversivas.
De qualquer modo não pode haver dúvida de que hoje, como nas gerações anteriores, vamos ser testados nas nossas convicções mais decisivas. No meio da dívida, do desemprego, da imigração, do aborto e do terrorismo, múltiplas questões banais e quotidianas vão estar mergulhadas em debates profundos, como nos tempos de Danton, Bismarck ou Roosevelt. Os conceitos básicos de liberdade e igualdade, nascimento e casamento, democracia e Europa, justiça e solidariedade, que há uns anos eram pacíficos e consensuais, tomam novos cambiantes ambíguos e geram acesas discussões e lutas.
Sabemos que isto nos pode conduzir à desgraça. Os confrontos anteriores terminaram em regimes totalitários, de esquerda ou direita, cujos horrores ainda vivem na memória colectiva. Essa pode ser uma vantagem, se tal evidência servir de antídoto. Sabemos que a única solução é cada um, no seu sítio, dar voz às posições sábias e moderadas que, no meio da fúria, os nossos antepassados ignoraram. Só isso nos pode salvar no próximo terrível embate.
por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Diário de Notícias
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