Ensaio sobre a República

Cinco de Outubro de 2015. Portugal vive horas de enorme expectativa. Aconteceu algo de extraordinário. No dia anterior, 9 682 823 eleitores foram votar. Algo nunca visto. Ninguém desperdiçou o seu direito de voto.

Durante a noite não saíram resultados. À hora do encerramento das mesas de voto, ainda havia filas de dezenas de pessoas para votar. A contagem iniciou-se de madrugada, mas só amanhã começarão a sair os primeiros resultados oficiais.

As televisões, convencidas de que a disputa se daria entre PS e a coligação PSD/CDS, encomendaram sondagens apenas com duas opções inscritas no boletim de voto. E, surpresa maior, 99% declarou ter votado noutro partido. Um dos canais avançou uma projecção: 3% a 5% para PS e PaF somados. Poucas coisas são dadas como certas, mas parece claro que nenhuma das duas caras da troika vencerá as eleições e que Paulo Portas, depois de mais 20 anos de carreira política, não será reeleito deputado.

Os comentadores falam com preocupação. Vitorino avança que pode tratar-se de um golpe de Estado popular, Marcelo alvitra que o resultado não deverá ser aceite pelas instâncias internacionais, Fernandes defende a anulação do acto eleitoral e a reposição da ordem pública e Mendes diz ter informações de que houve um cidadão na Quinta da Marinha que não votou.

Nenhum dos candidatos emite qualquer declaração política. Angela Merkel, durante a noite, ameaça que Portugal poderá ser expulso do euro. No decorrer do dia de hoje, sabe-se que Passos ruma a Berlim e Costa a Paris.

Entretanto, o sol brilha e a maioria das pessoas ruma à praia depois de, nos últimos dias de campanha, Passos e Cavaco terem reposto o feriado de 5 de Outubro. Nas ruas, as pessoas circulam de cabeça levantada e trocam olhares cúmplices. Ri-se e, sem medos, discute-se política abertamente com gente que não se conhece. A única certeza é que o país decidiu mudar.

Escreve à segunda-feira

Tiago Mota Saraiva 
10/08/2015 08:00
Jornal i