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CRISE DOS REFUGIADOS - A crise dos refugiados é uma crise geopolítica
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CRISE DOS REFUGIADOS - A crise dos refugiados é uma crise geopolítica
Devemos ter consciência de que os instintos admiráveis não resolvem os problemas a médio e longo prazo. Como a Europa sabe muito bem, a integração de imigrantes é uma questão muito complicada.
As imagens são terríveis (e algumas muito tristes) e os instintos da maioria dos europeus são admiráveis. Aliás não haverá em qualquer outra região do mundo sociedades com instintos tão solidários como as europeias. Os cidadãos europeus mobilizam-se para ajudar quem sofre, fazem campanhas para ajudar estrangeiros e colocam pressão política sobre os seus governos. Perante estes instintos, qualquer europeu deve sentir orgulho na Europa. E há mesmo Europa e europeus. De Portugal à Suécia, há europeus com reações semelhantes. Do Reino Unido à Alemanha, os editoriais dos jornais exprimem os mesmos argumentos. Por tudo isso, é difícil de entender que muitos daqueles que mostram a existência de uma Europa de cidadãos solidários simultaneamente ataquem a Europa. Ela está à frente dos seus olhos, eles fazem parte dela (e estão a construi-la); e mesmo assim não notam que ela existe. Estou convencido – mas não tenho como provar – que a educação de várias gerações numa Europa aberta e cosmopolita contribuiu para a emergência de europeus que entendem que a solidariedade e a obrigação de ajudar aqueles cujos direitos fundamentais foram grosseiramente violados não se esgota nas fronteiras nacionais.
Mas se os instintos são admiráveis, por vezes a lucidez do debate é insuficiente. Devemos ter, antes de mais, a consciência de que os instintos admiráveis não resolvem os problemas a médio e longo prazo. Como a Europa sabe muito bem, a integração de imigrantes é uma questão muito complicada. E o choque que a tragédia provoca, infelizmente, não altera o problema de fundo. Os novos imigrantes terão que trabalhar e as economias europeias não criam empregos com a rapidez desejável. Terão que se integrar em países com costumes, línguas e hábitos muito diferentes. Não será fácil, nem para eles nem para os locais. Mas, sobretudo, há um problema político. Não faltam na Europa políticos populistas, demagogos e com discursos anti-democráticos que olham para esta crise dos imigrantes como uma grande oportunidade política. E ninguém tenha dúvidas. Vão fazer tudo para a aproveitar.
Muita gente tem criticado a reação dos governos britânico e francês, mas convêm entender a situação política nos dois países. O Reino Unido prepara-se para organizar um referendo sobre a Europa. A imigração será o principal tema da campanha. O UKIP e Farage tudo farão para usar os imigrantes de modo a que a maioria dos britânicos vote para abandonar a União Europeia. A importância da manutenção do Reino Unido na UE obriga-nos a entender a reação de Cameron (embora reconheça que alguma da linguagem usada foi muito infeliz).
Em França, a ameaça não será a saída da UE, mas é igualmente má: chama-se Frente Nacional. Marine Le Pen e a sua gente olham para a crise dos refugiados como uma oportunidade para crescer politicamente. O Presidente francês tem que lidar com os refugiados com a ameaça de Le Pen em mente. Se não o fizesse, seria altamente irresponsável. A eleição de Marine Le Pen em 2017 seria um preço demasiado elevado a pagar. Por isso, julgo que Hollande está a comportar-se muito bem, conseguindo um equilíbrio notável entre a solidariedade e o realismo político.
Como é óbvio, a Europa não poderá integrar todos os refugiados que se preparam para abandonar o Médio Oriente e África. O problema de fundo terá que ser resolvido nessas regiões. Aqui, chegamos à questão central: a questão geopolítica. Na verdade, estamos perante uma dupla questão. Por um lado, a grande maioria dos refugiados parte de países a viverem guerras civis: Síria, Iraque e Afeganistão. Se o número de refugiados continuar a aumentar, os países europeus voltarão a discutir os méritos (e os perigos) das intervenções humanitárias. Será uma questão de tempo. Se a Europa se vê obrigada a lidar com uma crise de refugiados, como resultado de guerras civis e de regimes políticos radicais e violentos, deixa de haver legitimidade para argumentar que os assuntos internos desses países não dizem respeito aos países europeus. Claro que dizem. A estabilidade da Europa começa nesses países.
Por outro lado, há uma estratégia propositada do Estado Islâmico e dos grupos radicais para enviar refugiados para a Europa. Não é por acaso que o número de refugiados aumenta com o reforço do poder do EI. Os radicais islâmicos perceberam que os refugiados irão, a prazo, aumentar a instabilidade política na Europa e favorecer os nossos próprios radicais. A Europa democrática está duplamente ameaçada: entre os radicais islâmicos de um lado e as Frentes Nacionais do outro. Os instintos admiráveis mostram as virtudes democráticas. Mas não serão suficientes para defender a democracia dessa dupla ameaça. Para isso, será necessário muita lucidez e muito realismo.
João Marques de Almeida
5/9/2015, 0:02
OBSERVADOR
As imagens são terríveis (e algumas muito tristes) e os instintos da maioria dos europeus são admiráveis. Aliás não haverá em qualquer outra região do mundo sociedades com instintos tão solidários como as europeias. Os cidadãos europeus mobilizam-se para ajudar quem sofre, fazem campanhas para ajudar estrangeiros e colocam pressão política sobre os seus governos. Perante estes instintos, qualquer europeu deve sentir orgulho na Europa. E há mesmo Europa e europeus. De Portugal à Suécia, há europeus com reações semelhantes. Do Reino Unido à Alemanha, os editoriais dos jornais exprimem os mesmos argumentos. Por tudo isso, é difícil de entender que muitos daqueles que mostram a existência de uma Europa de cidadãos solidários simultaneamente ataquem a Europa. Ela está à frente dos seus olhos, eles fazem parte dela (e estão a construi-la); e mesmo assim não notam que ela existe. Estou convencido – mas não tenho como provar – que a educação de várias gerações numa Europa aberta e cosmopolita contribuiu para a emergência de europeus que entendem que a solidariedade e a obrigação de ajudar aqueles cujos direitos fundamentais foram grosseiramente violados não se esgota nas fronteiras nacionais.
Mas se os instintos são admiráveis, por vezes a lucidez do debate é insuficiente. Devemos ter, antes de mais, a consciência de que os instintos admiráveis não resolvem os problemas a médio e longo prazo. Como a Europa sabe muito bem, a integração de imigrantes é uma questão muito complicada. E o choque que a tragédia provoca, infelizmente, não altera o problema de fundo. Os novos imigrantes terão que trabalhar e as economias europeias não criam empregos com a rapidez desejável. Terão que se integrar em países com costumes, línguas e hábitos muito diferentes. Não será fácil, nem para eles nem para os locais. Mas, sobretudo, há um problema político. Não faltam na Europa políticos populistas, demagogos e com discursos anti-democráticos que olham para esta crise dos imigrantes como uma grande oportunidade política. E ninguém tenha dúvidas. Vão fazer tudo para a aproveitar.
Muita gente tem criticado a reação dos governos britânico e francês, mas convêm entender a situação política nos dois países. O Reino Unido prepara-se para organizar um referendo sobre a Europa. A imigração será o principal tema da campanha. O UKIP e Farage tudo farão para usar os imigrantes de modo a que a maioria dos britânicos vote para abandonar a União Europeia. A importância da manutenção do Reino Unido na UE obriga-nos a entender a reação de Cameron (embora reconheça que alguma da linguagem usada foi muito infeliz).
Em França, a ameaça não será a saída da UE, mas é igualmente má: chama-se Frente Nacional. Marine Le Pen e a sua gente olham para a crise dos refugiados como uma oportunidade para crescer politicamente. O Presidente francês tem que lidar com os refugiados com a ameaça de Le Pen em mente. Se não o fizesse, seria altamente irresponsável. A eleição de Marine Le Pen em 2017 seria um preço demasiado elevado a pagar. Por isso, julgo que Hollande está a comportar-se muito bem, conseguindo um equilíbrio notável entre a solidariedade e o realismo político.
Como é óbvio, a Europa não poderá integrar todos os refugiados que se preparam para abandonar o Médio Oriente e África. O problema de fundo terá que ser resolvido nessas regiões. Aqui, chegamos à questão central: a questão geopolítica. Na verdade, estamos perante uma dupla questão. Por um lado, a grande maioria dos refugiados parte de países a viverem guerras civis: Síria, Iraque e Afeganistão. Se o número de refugiados continuar a aumentar, os países europeus voltarão a discutir os méritos (e os perigos) das intervenções humanitárias. Será uma questão de tempo. Se a Europa se vê obrigada a lidar com uma crise de refugiados, como resultado de guerras civis e de regimes políticos radicais e violentos, deixa de haver legitimidade para argumentar que os assuntos internos desses países não dizem respeito aos países europeus. Claro que dizem. A estabilidade da Europa começa nesses países.
Por outro lado, há uma estratégia propositada do Estado Islâmico e dos grupos radicais para enviar refugiados para a Europa. Não é por acaso que o número de refugiados aumenta com o reforço do poder do EI. Os radicais islâmicos perceberam que os refugiados irão, a prazo, aumentar a instabilidade política na Europa e favorecer os nossos próprios radicais. A Europa democrática está duplamente ameaçada: entre os radicais islâmicos de um lado e as Frentes Nacionais do outro. Os instintos admiráveis mostram as virtudes democráticas. Mas não serão suficientes para defender a democracia dessa dupla ameaça. Para isso, será necessário muita lucidez e muito realismo.
João Marques de Almeida
5/9/2015, 0:02
OBSERVADOR
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