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Perceções nacionais arrastadas pela onda de humanidade
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Perceções nacionais arrastadas pela onda de humanidade
Perante os nossos olhos, enquanto crianças afogadas vão dando às costas da nossa vergonha, duas grandes nações enfrentam uma inversão histórica dos seus papéis. O movimento em massa de pessoas está no centro tanto da história americana como alemã. Mas, confrontados com crises migratórias, os dois países têm respondido de formas muito diferentes daquelas que a sua história faria prever.
Nos Estados Unidos, os versos de Emma Lazarus, que transformaram a Estátua da Liberdade - inicialmente concebida como um símbolo do republicanismo internacional - num farol de esperança para "o miserável refugo das suas costas apinhadas", ainda assomam ao porto de Nova Iorque. E contudo hoje o seu ativista presidente está incaracteristicamente silencioso quanto à tragédia dos refugiados. Entretanto, os republicanos candidatos a sucederem--lhe na Casa Branca, incluindo aqueles com antepassados imigrantes, competem para ver quem mais denuncia os residentes ilegais, avançando com propostas para "proteger" uma fronteira que já é defendida por cerca de 20 mil efetivos, um orçamento de 3,6 mil milhões de dólares e centenas de milhas de vedação.
Na Alemanha, por outro lado, onde há apenas três quartos de século uma das mais impiedosas campanhas de desumanização e extermínio foi executada em nome da pureza da raça, a chanceler tem sido uma torre de decência moral. O povo alemão, de um modo geral, respondeu ao flagelo dos refugiados com calorosa humanidade. Do outro lado do Atlântico, a discussão é só sobre muros e deportações maciças (no caso de Donald Trump, de uns 11 milhões de almas); na Alemanha fala-se de fazer preparativos para que 800 mil pessoas desesperadas encontrem asilo.
O nosso mundo enfrenta três problemas esmagadores. Há a implacável degradação do ecossistema do planeta; depois a monstruosa e cada vez mais vasta desigualdade entre ricos e pobres. E, por fim, está o maior de todos, que aqueles que nasceram no final da II Guerra Mundial não esperavam e que se revelou absolutamente criminoso. Trata-se da divisão entre aqueles que querem viver com pessoas que se parecem e soam como elas e aquelas que acreditam que as diferenças de cor, de fé e de língua não são uma barreira à partilha do bairro - desde que os novos habitantes adotem os mesmos princípios de tolerância que lhes permitiram ali chegar.
Apesar de, desde a sua fundação, os Estados Unidos celebrarem o carácter único que têm, enquanto primeira nação de imigrantes, a sua atitude tem sido pouco constante. Naquele que é um dos maiores louvores ao modo de vida americano, a obra Letters of an American Farmer, publicada em 1782, Hector St. John Crèvecoeur saudava a jovem república por ser o único lugar do mundo onde, independentemente das origens, raça ou idioma, seguir os mesmos ideais democráticos bastava para tornar um imigrante um cidadão. Mas um século mais tarde, com centenas de milhares de pessoas a jorrar da Itália e da Europa de Leste, o The New York Times fez soar um alerta digno de Trump. Em maio de 1887, sete meses depois da oferta da Estátua da Liberdade e no próprio dia em que 13 vapores deixaram em terra dez mil imigrantes num único dia, os editores da publicação fumegaram: "Devemos aceitar os indigentes da Europa, os seus criminosos, lunáticos, revolucionários enlouquecidos e vagabundos?"
No entanto, milhões continuaram a vir, compondo o rico barro de diferentes etnias a partir do qual os Estados Unidos do século XX alimentaram o seu quadro económico e cultural. Isto mudou após a Primeira Guerra Mundial. Em 1924, num discurso no Congresso, Ellison DuRant Smith, senador da Carolina do Sul, insistia: "Agora temos população suficiente no nosso país para podermos fechar a porta e criar um cidadão americano puro e não adulterado."
Como era inevitável, um sistema brutal de quotas, baseado em percentagens mínimas de populações já presentes no país, deu início ao encerrar de portas. Durante os anos 1930, tais portas esmagaram judeus desesperados por fugir do Reich, condenando--os à destruição. Na mesma década, ataques violentos contra trabalhadores mexicanos na Califórnia persuadiram-nos a voltar a casa; dezenas de milhares de outros foram deportados. Pior ainda, os Estados Unidos patrocinaram duas conferências sobre "o problema dos refugiados" em Evian, em 1938, e em Bermuda, em 1943 - quando o horror do Holocausto já era conhecido -, em que ao contorcer de mãos e às lágrimas de crocodilo se seguiu uma firme inação.
Quão notável é, então, que seja a Alemanha o país mais recetivo ao drama dos refugiados sírios - não apenas pela retidão de Angela Merkel (que também foi excecional no combate ao antis- semitismo emergente) mas também pela generosidade do seu povo. Talvez seja precisamente a sua demonização como a torturadora dos muito sofredores gregos que tenha levado a senhora Merkel a perceber que se a União Europeia quer sobreviver necessita de outra razão de ser que não seja a de superintender a retidão fiscal. Ou talvez o momento da verdade tenha apenas chegado inadvertidamente para ela, para a Alemanha e para os 28 Estados da União Europeia.
Seja como for, é este tema, e não a questão da dívida soberana, que irá decidir se a Europa vive ou morre como algo mais do que um simples sintonizador do ciclo de negócios. Sem dúvida que haverá uma conferência. Rezemos para que não seja uma simples charada oca como a de Evian ou Bermuda. Rezemos de novo para que seja o momento em que a Europa - incluindo a Grã-Bretanha - descubra finalmente aquela parte há muito perdida da sua anatomia: coluna vertebral moral.
por SIMON SCHAMA historiador britânico
Diário de Notícias
Nos Estados Unidos, os versos de Emma Lazarus, que transformaram a Estátua da Liberdade - inicialmente concebida como um símbolo do republicanismo internacional - num farol de esperança para "o miserável refugo das suas costas apinhadas", ainda assomam ao porto de Nova Iorque. E contudo hoje o seu ativista presidente está incaracteristicamente silencioso quanto à tragédia dos refugiados. Entretanto, os republicanos candidatos a sucederem--lhe na Casa Branca, incluindo aqueles com antepassados imigrantes, competem para ver quem mais denuncia os residentes ilegais, avançando com propostas para "proteger" uma fronteira que já é defendida por cerca de 20 mil efetivos, um orçamento de 3,6 mil milhões de dólares e centenas de milhas de vedação.
Na Alemanha, por outro lado, onde há apenas três quartos de século uma das mais impiedosas campanhas de desumanização e extermínio foi executada em nome da pureza da raça, a chanceler tem sido uma torre de decência moral. O povo alemão, de um modo geral, respondeu ao flagelo dos refugiados com calorosa humanidade. Do outro lado do Atlântico, a discussão é só sobre muros e deportações maciças (no caso de Donald Trump, de uns 11 milhões de almas); na Alemanha fala-se de fazer preparativos para que 800 mil pessoas desesperadas encontrem asilo.
O nosso mundo enfrenta três problemas esmagadores. Há a implacável degradação do ecossistema do planeta; depois a monstruosa e cada vez mais vasta desigualdade entre ricos e pobres. E, por fim, está o maior de todos, que aqueles que nasceram no final da II Guerra Mundial não esperavam e que se revelou absolutamente criminoso. Trata-se da divisão entre aqueles que querem viver com pessoas que se parecem e soam como elas e aquelas que acreditam que as diferenças de cor, de fé e de língua não são uma barreira à partilha do bairro - desde que os novos habitantes adotem os mesmos princípios de tolerância que lhes permitiram ali chegar.
Apesar de, desde a sua fundação, os Estados Unidos celebrarem o carácter único que têm, enquanto primeira nação de imigrantes, a sua atitude tem sido pouco constante. Naquele que é um dos maiores louvores ao modo de vida americano, a obra Letters of an American Farmer, publicada em 1782, Hector St. John Crèvecoeur saudava a jovem república por ser o único lugar do mundo onde, independentemente das origens, raça ou idioma, seguir os mesmos ideais democráticos bastava para tornar um imigrante um cidadão. Mas um século mais tarde, com centenas de milhares de pessoas a jorrar da Itália e da Europa de Leste, o The New York Times fez soar um alerta digno de Trump. Em maio de 1887, sete meses depois da oferta da Estátua da Liberdade e no próprio dia em que 13 vapores deixaram em terra dez mil imigrantes num único dia, os editores da publicação fumegaram: "Devemos aceitar os indigentes da Europa, os seus criminosos, lunáticos, revolucionários enlouquecidos e vagabundos?"
No entanto, milhões continuaram a vir, compondo o rico barro de diferentes etnias a partir do qual os Estados Unidos do século XX alimentaram o seu quadro económico e cultural. Isto mudou após a Primeira Guerra Mundial. Em 1924, num discurso no Congresso, Ellison DuRant Smith, senador da Carolina do Sul, insistia: "Agora temos população suficiente no nosso país para podermos fechar a porta e criar um cidadão americano puro e não adulterado."
Como era inevitável, um sistema brutal de quotas, baseado em percentagens mínimas de populações já presentes no país, deu início ao encerrar de portas. Durante os anos 1930, tais portas esmagaram judeus desesperados por fugir do Reich, condenando--os à destruição. Na mesma década, ataques violentos contra trabalhadores mexicanos na Califórnia persuadiram-nos a voltar a casa; dezenas de milhares de outros foram deportados. Pior ainda, os Estados Unidos patrocinaram duas conferências sobre "o problema dos refugiados" em Evian, em 1938, e em Bermuda, em 1943 - quando o horror do Holocausto já era conhecido -, em que ao contorcer de mãos e às lágrimas de crocodilo se seguiu uma firme inação.
Quão notável é, então, que seja a Alemanha o país mais recetivo ao drama dos refugiados sírios - não apenas pela retidão de Angela Merkel (que também foi excecional no combate ao antis- semitismo emergente) mas também pela generosidade do seu povo. Talvez seja precisamente a sua demonização como a torturadora dos muito sofredores gregos que tenha levado a senhora Merkel a perceber que se a União Europeia quer sobreviver necessita de outra razão de ser que não seja a de superintender a retidão fiscal. Ou talvez o momento da verdade tenha apenas chegado inadvertidamente para ela, para a Alemanha e para os 28 Estados da União Europeia.
Seja como for, é este tema, e não a questão da dívida soberana, que irá decidir se a Europa vive ou morre como algo mais do que um simples sintonizador do ciclo de negócios. Sem dúvida que haverá uma conferência. Rezemos para que não seja uma simples charada oca como a de Evian ou Bermuda. Rezemos de novo para que seja o momento em que a Europa - incluindo a Grã-Bretanha - descubra finalmente aquela parte há muito perdida da sua anatomia: coluna vertebral moral.
por SIMON SCHAMA historiador britânico
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