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O fim do Verão e a literatura romântica
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O fim do Verão e a literatura romântica
Sempre que falava nos clássicos aconselhava a sua leitura com moderação.
O dr. Paulo regressou a Moledo e ao número dos vivos depois do seu combate com o primeiro volume de ‘Guerra e Paz’ e antes de se haver com a derradeira parte desta constelação de guerra, amores, Inverno, nomes compridos e traições domésticas. Notei-lhe alguma desilusão, o que não é inédito nos leitores do conde Tolstoi. Sempre que falava nos clássicos, o velho Doutor Homem, meu pai, aconselhava a sua leitura com moderação, à semelhança do uso de Aspirina e do consumo do vinho do Porto.
A razão não tinha a ver com qualquer desconfiança em redor dos clássicos (o velho Doutor Homem, meu pai, achava que não se tinha passado nada de novo no mundo da literatura desde o mês em que leu o ‘Tristram Shandy’, de Laurence Sterne), mas com o grau de expectativas que se coloca na sua leitura. É como se esperasse que das páginas da ‘Madame Bovary’ brotasse qualquer espécie de cura das maleitas do aparelho circulatório.
Em resposta a esta arenga, o dr. Paulo respondeu timidamente que não tinha lido ‘Tristram Shandy’, o que proporcionou à minha sobrinha Maria Luísa alegres momentos de pedagogia literária (narrando as aventuras e perplexidades da vida de Shandy nesse longínquo século XVIII) e, ao dr. Paulo, a oportunidade de se mostrar embevecido com os conhecimentos literários da única eleitora esquerdista da família.
Nesta transição moderada do Verão para o Outono, Moledo é o cenário ideal para conspirações literárias. A idade – atravessei muito mais de três lustros de Outonos em Moledo, mal a adolescência feneceu – permite-me observar de longe aqueles períodos de pleno romance e encantamento que vêm depois da época balnear, como uma tentativa derradeira de manter a melancolia dos crepúsculos, das passeatas no recorte das dunas. Maria Luísa e o dr. Paulo seguiram à risca o guião que lhes estava destinado: do ‘Tristram Shandy’, que ele prometeu ler, até às recordações de ‘Guerra e Paz’ (como os benevolentes leitores sabem, o dr. Paulo queixava-se da falta de Tolstoi nas livrarias de Braga), os temas eram limitados, pelo que a imaginação de um velho minhoto, quase contemporâneo do Titanic, foi interrompida pela cortina do pudor.
Ontem, Maria Luísa telefonou a anunciar que no próximo fim-de-semana não vem a Moledo. Parece que uns tios do dr. Paulo, que ela não conhece, a convidaram para a casa de Ponte da Barca. O cenário volta a ser idílico, mas espero que o dr. Paulo tenha lido ‘Orgulho e Preconceito’.
ANTÓNIO SOUSA HOMEM
06.09.2015 00:30
Correio da Manhã
O dr. Paulo regressou a Moledo e ao número dos vivos depois do seu combate com o primeiro volume de ‘Guerra e Paz’ e antes de se haver com a derradeira parte desta constelação de guerra, amores, Inverno, nomes compridos e traições domésticas. Notei-lhe alguma desilusão, o que não é inédito nos leitores do conde Tolstoi. Sempre que falava nos clássicos, o velho Doutor Homem, meu pai, aconselhava a sua leitura com moderação, à semelhança do uso de Aspirina e do consumo do vinho do Porto.
A razão não tinha a ver com qualquer desconfiança em redor dos clássicos (o velho Doutor Homem, meu pai, achava que não se tinha passado nada de novo no mundo da literatura desde o mês em que leu o ‘Tristram Shandy’, de Laurence Sterne), mas com o grau de expectativas que se coloca na sua leitura. É como se esperasse que das páginas da ‘Madame Bovary’ brotasse qualquer espécie de cura das maleitas do aparelho circulatório.
Em resposta a esta arenga, o dr. Paulo respondeu timidamente que não tinha lido ‘Tristram Shandy’, o que proporcionou à minha sobrinha Maria Luísa alegres momentos de pedagogia literária (narrando as aventuras e perplexidades da vida de Shandy nesse longínquo século XVIII) e, ao dr. Paulo, a oportunidade de se mostrar embevecido com os conhecimentos literários da única eleitora esquerdista da família.
Nesta transição moderada do Verão para o Outono, Moledo é o cenário ideal para conspirações literárias. A idade – atravessei muito mais de três lustros de Outonos em Moledo, mal a adolescência feneceu – permite-me observar de longe aqueles períodos de pleno romance e encantamento que vêm depois da época balnear, como uma tentativa derradeira de manter a melancolia dos crepúsculos, das passeatas no recorte das dunas. Maria Luísa e o dr. Paulo seguiram à risca o guião que lhes estava destinado: do ‘Tristram Shandy’, que ele prometeu ler, até às recordações de ‘Guerra e Paz’ (como os benevolentes leitores sabem, o dr. Paulo queixava-se da falta de Tolstoi nas livrarias de Braga), os temas eram limitados, pelo que a imaginação de um velho minhoto, quase contemporâneo do Titanic, foi interrompida pela cortina do pudor.
Ontem, Maria Luísa telefonou a anunciar que no próximo fim-de-semana não vem a Moledo. Parece que uns tios do dr. Paulo, que ela não conhece, a convidaram para a casa de Ponte da Barca. O cenário volta a ser idílico, mas espero que o dr. Paulo tenha lido ‘Orgulho e Preconceito’.
ANTÓNIO SOUSA HOMEM
06.09.2015 00:30
Correio da Manhã
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