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Fernando Rosas. “As pessoas estão a ser seduzidas para votar não com base na inteligência, mas no pânico”
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Fernando Rosas. “As pessoas estão a ser seduzidas para votar não com base na inteligência, mas no pânico”
“A coligação está a apelar ao medo e está a ser bem-sucedida. Se ganharem, é o medo que vence”
Manuel Vicente
A segunda parte da entrevista a Fernando Rosas.
Porque é que esta plataforma ainda não aconteceu a tempo destas eleições? Foram quatro anos de austeridade...
Porque as lutas entre a esquerda radical e o PCP foram lutas profundas, violentas, às vezes sangrentas. E essa memória ainda está presente nas direcções dos dois partidos, sobretudo na direcção do PCP. Na nossa, menos, hoje, porque é uma direcção feita por gente jovem. Mas estas coisas pesam. Houve muitos militantes na esquerda que levaram muita cacetada do PC, houve alguns militantes do PC que levaram cacetadas. E estas coisas ficam como cultura. Além disso, o PCP é filho da fidelidade a um campo soviético do qual mostra algumas dificuldades histórico-culturais de separação. Acho que tudo isto é história, não é polémica. Devemos pôr isto tudo para trás.
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O PCP, hoje, não é já tão antagonista do Bloco de Esquerda. Basta olhar para as últimas intervenções.
O PCP deu passos importantes.
Mas não é táctica eleitoral?
Não. A táctica eleitoral devia ser morder-nos mais para ganhar votos. O debate entre Catarina Martins e Jerónimo de Sousa é um debate de pessoas que querem exactamente pôr de parte as divergências e procurar as convergências. Foi um debate com bom senso. Não deram o espectáculo da divergência à direita e escolheram antes dar o espectáculo de uma unidade de pontos de vista contra a direita. Acho isso uma boa política. Faria o mesmo.
Foi um debate inspirado já nesta futura aliança?
Eu não disse isso. Falei num entendimento que se deve procurar para formar um pólo político para chegar ao poder. E se um pólo político quer chegar ao poder, tem de ir a eleições. Sem dúvida nenhuma. Um pólo político que concorra eleitoralmente à governação do país. É isso que significa. Polarizar a vida política portuguesa: entre a austeridade e a antiausteridade. E acabar com este pântano em cima do muro que hoje representa a política dominante do PS: nem é para um lado, nem é para o outro. Ou é uma perna para um lado e uma perna para outro. E isso, o PS vai aprender à sua custa.
E essa plataforma implicará uma cisão no PS?
Não é precisa uma cisão. Não quero cisões em lado nenhum. O que acho é que os socialistas na esquerda do PS podem aderir a este pólo de esquerda. Acho é que há muita gente dentro do PS que pode simpatizar com este pólo de esquerda. Assim como acho que há eleitores do PS hoje, e nestas eleições, que vão votar no BE. Eu conheço alguns. E, no entanto, não se faz cisão nenhuma dentro do PS.
Este projecto é urgente?
Não vai surgir a tempo das eleições de 4 de Outubro, mas acho que temos de caminhar urgentemente para aí.
Sampaio da Nóvoa pode ajudar neste pólo de esquerda? Pode ser candidato presidencial deste pólo?
Conheço Sampaio da Nóvoa há muitos anos. Respeito-o. Mas acho que cometeu um erro de partida: pendurou-se na expectativa do apoio do PS. E está a acontecer esta coisa desastrosa:provavelmente, o PS não vai cumprir o compromisso que fez com ele, e ou apoia um candidato da casa ou não apoia ninguém. Não estou a ver como é que o PS vai descalçar esta bota. Mas a bota, seja ela qual for, já prejudicou muito Sampaio da Nóvoa, porque surge agora aos olhos da opinião pública como um candidato dependente do PS. Acho que isso é um grande erro na sua candidatura. E estou a dizer isto sem saber sequer se o BE o apoiará ou não. Não faço ideia. OBE, e bem, decidiu só pensar nas presidenciais depois das legislativas.
Acha que o BE deve avançar com um candidato próprio?
Acho que temos de estudar a situação.
Mas o PCP e o BE não estão condenados a apoiar Sampaio da Nóvoa?
Depende de como funcionar a candidatura de Sampaio da Nóvoa na primeira volta. Até percebo que o partido avance com um candidato próprio para ganhar tempo e ver como é que as coisas são, e depois decida se vai até ao fim. Esta é a táctica do PCP, que até compreendo. Há dentro do BE diversos pontos de vista acerca disto.
É arriscado o BE dar apoio a Sampaio da Nóvoa logo na primeira volta?
Não posso responder pelo BE. Mas, do meu ponto de vista, temos de ter uma coisa em conta: é que nos demos muito mal com o apoio a Manuel Alegre. Apoiámos a candidatura de Alegre e, aos olhos do eleitorado, ficámos como uma espécie de subproduto do socratismo. Pagámos bem caro em termos eleitorais esse passo. Estas coisas das eleições presidenciais têm de ser muito bem pesadas. E isto depende muito de como é que a candidatura de Sampaio da Nóvoa se vai definir em relação ao PS. Porque para sermos o apêndice do apêndice, acho que não podemos ir por aí.
Não se podem aproximar do PS nem para evitar a derrota da direita?
Historicamente, a direita perde na segunda volta. O que pode evitar que a direita não tenha maioria na primeira volta? Interessa que todo o eleitorado de esquerda vá votar. E a melhor maneira de o fazer, provavelmente, é que todo o eleitorado se reconheça nos candidatos que são apresentados. Portanto, se os partidos apresentarem candidatos próprios, isso divide os votos, mas faz as pessoas irem votar. Ou seja, a esquerda comparece toda. E a direita não tem maioria absoluta.
Tem pena que Carvalho da Silva não tenha avançado?
Tenho muita pena. Seria o meu candidato.
E não acha que o convence ainda?
Agora não. Mas era um bom candidato. E tive expectativas. Porque ele, a dada altura, disse que sim.
Ele hesitou?
A candidatura do Carvalho da Silva morreu na praia. Caiu atado às suas hesitações. Nestas coisas, ou se avança ou não. Hesitou, hesitou e, é claro, perdeu a oportunidade. Agora é difícil. Era o candidato da esquerda. Um homem conhecido, um sindicalista. Era o candidato ideal.
Se o BE apresentar um candidato próprio, está disponível para se candidatar?
(risos) Não. A política, hoje, não é para homens de 70 anos. Hoje, a política exige gente nova. Não estou a dizer que deixei de fazer política. Nasci na política e vou fazer política a vida toda. Agora, também tenho a noção do ridículo e da responsabilidade. Há uma nova geração que está a emergir agora. Olhe para as nossas meninas magníficas: a Mariana Mortágua, a Catarina Martins e a Marisa Matias.
Elas podem não gostar de serem chamadas meninas...
Mas é no sentido carinhoso do termo!
Acha que o BE ultrapassou a crise que indiscutivelmente viveu?
Acho que ultrapassou e bem. É uma coisa que me reconforta o coração, como compreende. Como fundador do BE, vejo que eles chegaram a um entendimento, que aquilo funciona.
Mas esta paz não depende do resultado eleitoral nas legislativas?
Quem tem maus resultados eleitorais tem crise no momento que se segue. Quem não tem, continua.
Esta nova imagem do BE, com mulheres na primeira linha da intervenção, vai ajudar nas eleições? As sondagens não são muito famosas.
Aguentar, aguentamos, aparentemente. O BE passou por várias coisas: uma liderança muito carismática que se foi embora; uma liderança a dois que não funcionou muito bem, até porque um dos coordenadores viu a sua intervenção mais limitada por via de uma doença; e depois um período de divergência interna que se manifestou no congresso. Foi nessa altura que abundaram de novo as profecias de que o BE ia desaparecer, que se estava a dissolver. E não. O BE tem um espaço social e político próprio e acho que se vai aguentar nestas eleições, mesmo depois do problema que enfrentou e da questão da Grécia.
Quando diz aguentar fala em manter o número de deputados?
Sim. Não era nada mau que isso acontecesse. E acho que vai acontecer. Se houver algum progresso, é muito bom. O BE depara-se nestas eleições com coisas muito difíceis, como o voto útil. Quanto mais as sondagens disserem que as diferenças entre o PS e o PSD/CDS são de 1%, mais a pressão do voto útil está em cima de nós e do PCP. Mas o PCP tem um eleitorado mais fiel, mais preso. No nosso caso, manter o eleitorado é muito razoável. Temos eleitorado, temos um campo e queremos manter este espaço de representação, mesmo considerando o aparecimento de epifenómenos como o Livre ou Marinho e Pinto, que aqui não resultaram.
Esperava outro tipo de campanha do Livre/Tempo de Avançar?
O Livre surge porque era preciso fazer uma combinação com o PS e iria resolver o problema da governabilidade. Acho que isso é mortal. Porque é que se vota no Livre? Neste aperto de quase empate nas sondagens, acho que se vota no PS. Tomara o PS ganhar as eleições. Essa lógica esvaziou o Livre, que caiu numa armadilha do PS:Costa vence as primárias do PS, convida o Nóvoa e gente de esquerda, e lá vai Rui Tavares ser secretário de Estado. De repente, isso corre mal e o balão esvazia-se. No caso de Marinho e Pinto, que devo lembrar que foi mandatário em Coimbra da minha candidatura presidencial, penso que este percurso acidentado pode ser cobrado pelos eleitores. Foram as histórias do MPT, depois as críticas ao ordenado dos eurodeputados mas sem abdicar dele. Isto é pensar que as pessoas não reparam. Mas reparam. Porque o populismo em Portugal não consegue seguidores com facilidade. Talvez porque o nosso eleitorado tem uma cultura política que não lhe permite comer gato por lebre.
Tem alertado repetidamente para a cultura de sujeição nas democracias ocidentais. O que aconteceu?
O mundo mudou. A partir da década de 80 e de 90, o thatcherismo e o reaganismo, ao mesmo tempo em que se dá o colapso soviético e a instauração do capitalismo na China depois do colapso do socialismo – aliado a uma traição histórica da social-democracia –, abriram caminho para uma preponderância neoliberal do ponto de vista não só económico, mas de valores. O que se traduz na criação de um ambiente cultural preparador de uma regressão civilizacional que é apresentada como inelutável. Ou seja, o célebre “não há alternativa”, “vivemos acima das nossas possibilidades”. O princípio é de que as conquistas históricas do pós-guerra – que em Portugal são do pós-25 de Abril – têm de ser revertidas. É a segunda vez na história do século XX que se assiste a um fenómeno destes, de tentativa de se fazer uma regressão civilizacional. A primeira foi após a Grande Guerra, na primeira crise histórica do sistema liberal. Essa crise também originou a emergência de uma ideologia com grande popularidade inicial, que foi a ideologia nacionalista, corporativista, fascista, que tentou rever as conquistas sociais e políticas pela força. Basta lembrar que a força trouxe a revolução soviética e muita agitação social. Foi uma tentativa de regressão pela brutalidade. O que faz a popularidade do fascismo, nos anos 30, é ele ser eficaz. Eficaz por domesticar o movimento operário, as reivindicações, eficaz para o controlo autoritário da economia.
E tinha apoio popular.
E que tinha apoio sobretudo nas classes médias. Por causa da segurança, da estabilidade, do fim da desordem, da ameaça de perder estatuto social. Tudo isto cimentou a base social do fascismo. Eu acho que se está a passar um fenómeno com grandes particularidades: com uma crise sistémica, uma crise da democracia representativa e, novamente, uma crise económica profunda. Só que na época actual, esta reacção, em boa parte, pode dispensar a violência, porque não há ameaça revolucionária. E como não há ameaça revolucionária, podemos fingir que mantemos as instituições democráticas. Mas repare: historicamente, os parlamentos nasceram para obrigar o rei e os governos a sujeitar aos povos e aos seus representantes os orçamentos. E, hoje, o que está a suceder com os orçamentos? São todos vistoriados previamente por uma instituição burocrática na União Europeia que não é eleita por ninguém. E os parlamentos nacionais só podem aprovar orçamentos que tenham sido previamente autorizados pela burocracia europeia. A reacção que está aí hoje não faz golpes militares, não faz decretos a fechar os parlamentos, não proíbe os partidos, não proíbe os sindicatos. Mas estas instituições estão a ser sugadas invisivelmente por práticas políticas que as tornam em coisas com pouco valor, sobretudo nos países periféricos.
Então vivemos uma espécie de ditadura?
Se nos lembrarmos do que aconteceu na Grécia, em que a vontade democrática dos gregos foi pura e simplesmente não autorizada por parte das instâncias europeias, e por instâncias europeias que não existem formalmente, o menos que se pode dizer é que as alternativas políticas às políticas dominantes são muito difíceis.
Mas a nossa ditadura salazarista teve sempre um grande apoio popular...
Não é verdade isto. Estas afirmações são sempre falsas para um regime que durou 48 anos. O regime tem momentos de apoio e momentos de falta de apoio.
Uma ditadura consegue viver sem apoio popular?
Não se viveu sempre com apoio popular, nem sempre sem apoio popular. Variou. Mas falar de apoio popular em termos modernos, para a ditadura portuguesa, é sempre uma coisa muito complicada. Porque não há meios de o medir. Não há partidos, não há eleições livres, não há liberdade de expressão, não há liberdade de associação. Como é que se mede o apoio popular em Portugal até 1958? A censura prévia à imprensa é a instituição mais duradoura da ditadura. Começou no dia 28 de Maio de 1926 e não houve um único dia de interrupção até ao 25 de Abril de 1974.
Houve resistência entre operários, comunistas…
Sim. Houve muita resistência à ditadura. E muito mais do que normalmente se admite. Entre 1926 e a Segunda Guerra Mundial, a força principal de resistência à ditadura não foram os comunistas, foram os republicanos. Foi o Reviralho. Foram as tentativas revolucionárias. Uma coisa que se conhece pouco, mas na qual temos estado a trabalhar e a divulgar, é que entre 1927, quando começam as revoltas do Porto e de Lisboa, e 26 de Agosto de 1931, há uma espécie de guerra civil intermitente em Portugal. Uma guerra civil em que os republicanos, apoiados pelos sindicalistas, pela população urbana, fazem resistência militar à ditadura, com centenas de mortes, milhares de deportados, bombardeamentos aéreos, barricadas na rua. O Estado Novo cria-se nesse período sobre um esmagamento da resistência republicana violentíssimo. E porque é que normalmente se passa por cima disto? Porque quem venceu foi a ditadura. E a ditadura fez uma história que só agora começa a ser reescrita, que é uma história de desordem inorgânica e absurda. A República não foi destituída no 28 de Maio de 1926. Quem foi destituído no 28 de Maio de 26 foi o governo do senhor António Maria da Silva, que era um governo adiado à esquerda e à direita do Partido Republicano. A esquerda republicana esteve também no 28 de Maio.
Há uns anos dizia-me que o 28 de Maio foi uma espécie de 25 de Abril.
O 28 de Maio foi uma espécie de movimento militar consensual para derrubar um partido que não havia forma legal e constitucional de o tirar do poder. Como ele controlava a máquina eleitoral, tradicionalmente em Portugal, desde a monarquia, quem controlava a máquina eleitoral ganhava. O PRP (Partido Republicano Português) herdou essa máquina eleitoral e sempre que podia organizar eleições ganhava-as. A tentativa de mudar de turno por parte da direita republicana foi sempre à força, por golpes militares. Basta lembrar Pimenta de Castro, Sidónio Pais e várias outras tentativas militares. Portanto, o 28 de Maio foi uma coisa que se fez com largo consenso que vai da esquerda democrática até à extrema-direita. Depois é que houve a serenização da política portuguesa e a luta interna dentro da ditadura, da qual vai sair vitoriosa a corrente salazarista e o Estado Novo. Mas entretanto há uma guerra civil que é marcada por actos revolucionários, centenas de presos e centenas de mortos, milhares de deportados. E é sobre esta derrota que se constrói o Estado Novo. O Estado Novo teve apoio e teve oposição.
Porque dura 48 anos?
Vários factores explicam isso. O primeiro factor, e mais importante, é o uso racional da violência. Todos estes regimes usam dois tipos de violência: a violência preventiva e a violência punitiva. A primeira é a que espalha o medo, a abstenção. É um medo para o qual trabalha a censura à imprensa, a vigilância policial dos cidadãos, os organismos de enquadramento criados pelo Estado Novo, como a Mocidade Portuguesa, a Organização das Mães para a Educação Nacional, a Federação Nacional para a Alegria no Trabalho – tudo organizações tipicamente fascistas de enquadramento quotidiano. É uma violência que traça um risco invisível e que toda a gente sabe que existe. Não se pode passar. Quem passa este risco invisível, ou seja, quem faz uma greve, quem se arrisca a ir a uma manifestação, quem faz um abaixo-assinado contra o governo, passa o risco invisível e aí entra a segunda violência: a punitiva. A violência punitiva é a violência que tem no centro a polícia política. Mas é muito mais selectiva. É sobre uma minoria. A minoria que se arrisca, que se organiza, que resiste. Mas em todos os regimes fascistas na Europa, a violência preventiva é sempre muito mais eficaz e muito mais importante. É o que faz durar os regimes. Um segundo factor é o controlo das Forças Armadas. Salazar, com Santos Costa, o seu braço-direito de sempre para as questões militares, conquista e consegue manter o controlo político das Forças Armadas.
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ANA SÁ LOPES E RICARDO REGO
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Jornal i
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