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Um país praxado
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Um país praxado
O ano lectivo até pode começar a ter um ‘soft opening’, iniciando-se quando der mais jeito, mas se há coisa que é certinha quando tal sucede é aparecerem as praxes “académicas”.
E, desta feita como em todos os anos, lá saltam para os jornais as notícias dos rituais de níveis de barbárie variáveis, que vão desde o parvo ao perigoso, passando naturalmente pelo ilegal.
Um dos argumentos dos defensores da praxe é que esta, em si, nada tem de errado e é até de participação voluntária. É, dizem, uma forma de integrar os novos alunos, de "quebrar o gelo", de criar "solidariedade", de introduzir os jovens numa nova comunidade que fará parte do seu dia a dia nos anos seguintes. De facto, nada como uma boa humilhação e a hipótese de uma lesão física para acolher a malta. Por outro lado, a questão de ser voluntária merece também análise. Por um lado, os defensores consideram que os alunos estão tão desorientados e perdidos que sem a praxe não se conseguiriam incluir na comunidade universitária; por outro lado, ameaçam com a exclusão da vida social futura como pena para quem não entrar "voluntariamente" na palhaçada. Ou seja, ou são integrados à bruta, como eles mandam, ou eles assegurar-se-ão que essa integração nunca se fará, por outros meios.
O próprio conceito da praxe traz todas as raízes do problema. Primeiro, assenta num conceito conservador de estatuto: há os "caloiros" e há os outros. Os outros mandam, arvoram-se ares de chefe de fila, e os outros obedecem. Os chefes, vestidos de morcego, assentam toda a sua filosofia de torturadores numa estratificação simples: eu estou cá há mais anos, portanto sou mais do que os que chegam. Pode ser um garoto de 20 anos, que quer ser chamado de doutor - mesmo que só vá concluir o curso aos 35; pode ser um girino de Jota partidária, que treina para uma vida de tacho usando as associações académicas como suave incubadora; pode ser só um idiota que, tendo um poder sobre outros jovens, queira exercê-lo, com a boçalidade e até a maldade que muitas vezes caracteriza os idiotas.
Quem defende que o problema não está na praxe e sim na forma como é feita, está a iludir o problema, porque a própria praxe assenta em pressupostos perniciosos, injustos e arcaicos. Há 30 mil formas diferentes de acolher os novos alunos - abolir a expressão caloiro é a primeira. Felizmente, em instituições mais progressistas, têm sido esforços nos últimos anos para criar festivais (não necessariamente arraiais de música) e outros eventos que procuram fazer essa integração de forma mais serena, amigável e institucional. Mas mesmo a essas, falta uma coisa: proibir que, nas suas instalações, se continue a assistir às cenas lamentáveis que todos conhecemos. Se há universidades que proíbem o uso de chinelos...
A praxe está, de facto, tão enraizada e tem tantos defensores (ainda que mais ou menos envergonhados) porque assenta em princípios comuns ao próprio país. A obediência cega ao chefe; o conceito de a antiguidade ser um posto (veja-se a função pública); a ideia de que os mais velhos têm o direito de impor aos mais novos rituais absurdos apenas para provar que podem, apenas para provar quem manda.
Acabar com as praxes não vai resolver os problemas do país. Mas ao menos não vai reforçar nas cabecinhas dos mais jovens conceitos que nos impedem de ser um país mais livre e mais civilizado.
00:05 h
Tiago Freire
Económico
E, desta feita como em todos os anos, lá saltam para os jornais as notícias dos rituais de níveis de barbárie variáveis, que vão desde o parvo ao perigoso, passando naturalmente pelo ilegal.
Um dos argumentos dos defensores da praxe é que esta, em si, nada tem de errado e é até de participação voluntária. É, dizem, uma forma de integrar os novos alunos, de "quebrar o gelo", de criar "solidariedade", de introduzir os jovens numa nova comunidade que fará parte do seu dia a dia nos anos seguintes. De facto, nada como uma boa humilhação e a hipótese de uma lesão física para acolher a malta. Por outro lado, a questão de ser voluntária merece também análise. Por um lado, os defensores consideram que os alunos estão tão desorientados e perdidos que sem a praxe não se conseguiriam incluir na comunidade universitária; por outro lado, ameaçam com a exclusão da vida social futura como pena para quem não entrar "voluntariamente" na palhaçada. Ou seja, ou são integrados à bruta, como eles mandam, ou eles assegurar-se-ão que essa integração nunca se fará, por outros meios.
O próprio conceito da praxe traz todas as raízes do problema. Primeiro, assenta num conceito conservador de estatuto: há os "caloiros" e há os outros. Os outros mandam, arvoram-se ares de chefe de fila, e os outros obedecem. Os chefes, vestidos de morcego, assentam toda a sua filosofia de torturadores numa estratificação simples: eu estou cá há mais anos, portanto sou mais do que os que chegam. Pode ser um garoto de 20 anos, que quer ser chamado de doutor - mesmo que só vá concluir o curso aos 35; pode ser um girino de Jota partidária, que treina para uma vida de tacho usando as associações académicas como suave incubadora; pode ser só um idiota que, tendo um poder sobre outros jovens, queira exercê-lo, com a boçalidade e até a maldade que muitas vezes caracteriza os idiotas.
Quem defende que o problema não está na praxe e sim na forma como é feita, está a iludir o problema, porque a própria praxe assenta em pressupostos perniciosos, injustos e arcaicos. Há 30 mil formas diferentes de acolher os novos alunos - abolir a expressão caloiro é a primeira. Felizmente, em instituições mais progressistas, têm sido esforços nos últimos anos para criar festivais (não necessariamente arraiais de música) e outros eventos que procuram fazer essa integração de forma mais serena, amigável e institucional. Mas mesmo a essas, falta uma coisa: proibir que, nas suas instalações, se continue a assistir às cenas lamentáveis que todos conhecemos. Se há universidades que proíbem o uso de chinelos...
A praxe está, de facto, tão enraizada e tem tantos defensores (ainda que mais ou menos envergonhados) porque assenta em princípios comuns ao próprio país. A obediência cega ao chefe; o conceito de a antiguidade ser um posto (veja-se a função pública); a ideia de que os mais velhos têm o direito de impor aos mais novos rituais absurdos apenas para provar que podem, apenas para provar quem manda.
Acabar com as praxes não vai resolver os problemas do país. Mas ao menos não vai reforçar nas cabecinhas dos mais jovens conceitos que nos impedem de ser um país mais livre e mais civilizado.
00:05 h
Tiago Freire
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