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A Esquerda pode esperar?
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A Esquerda pode esperar?
O velocímetro da política, de tanto acelerar, quase bate nos limites máximos do PREC. E não bate num limite vermelho ou num cordão sanitário. Por muito que custe a alguns, é apenas a democracia a funcionar com todo o espectro político em jogo. O que muitos parecem temer. Nos últimos dias, para uma boa parte dos responsáveis partidários e grande parte dos comentadores e analistas político-económicos, passamos de um país sentado bem no centro do novo oásis da retoma para um país no limite do abismo. Perante a hipótese do lobo mau rumar em viagem de negócios com o capuchinho vermelho, agitam-se as bandeiras da demagogia e do papão, do golpe de Estado e da tomada do poder, os vales para entradas súbitas no campo pequeno e equaciona-se o menu de degustação dos comunistas ao pequeno-almoço. Marques Mendes (também ele?) tem a ousadia de comparar resultados eleitorais com classificações de futebol. Aos inspiradores do medo, talvez servisse rasgar a Constituição contra a qual governaram durante 4 anos. Mas a Constituição democrática é esta e as legislativas não são uma corrida para primeiro-ministro. Em qualquer país com semelhante regime, nada haveria a discutir. Dinamarca, Bélgica, Luxemburgo, Letónia, quatro países da UE onde quem formou Governo não foi quem obteve mais votos ou ganhou as eleições. Mas em Portugal, o défice de democracia corre em paralelo com o défice de politização e de entendimento sobre o que é o nosso regime democrático. Sim, a maioria é de Esquerda e - pasme-se - parece entender-se. E agora? Venha de lá esse medo ou "isto é só fumaça"? Exercitem a calma, "o povo é sereno".
Este pode ser o grande acto único da Esquerda em Portugal. Não há memória de algo assim e para um exemplo de proximidade é necessário recuar ao apoio de Álvaro Cunhal a Mário Soares na segunda volta das Presidenciais de 86. A capacidade de reacção deste PCP ao resultado eleitoral foi extraordinária. Em poucos dias, Jerónimo de Sousa, envolto num resultado seguro mas algo ambíguo devido à ultrapassagem do BE, afasta o cenário da sucessão nomeando o ex-padre Edgar Silva para futuro desistente nas próximas presidenciais, disponibiliza-se para um inédito entendimento de governo com o PS de António Costa (admite-se até que António Filipe tenha sido aventado para o Ministério da Justiça) e enche um comício em Lisboa. Pressionado ou não pelo seu poder autárquico, o PCP posiciona-se para dar a volta ao seu mundo, dando um passo para novas construções. Catarina Martins foi a vencedora mais inequívoca destas eleições e sabe-o. Já na campanha eleitoral estabeleceu pontes para o PS. Quando declara, após o encontro com Costa, que pelo BE "o Governo de Coelho e Portas acabou hoje", não nos fala pelo lado do seu optimismo. A declaração política é notável e pressiona o PS a assumir a sua inteira culpa se não quiser governar à esquerda em Portugal.
A possibilidade de entendimento existe e é confirmada por movimentos contrários: as declarações de António Arnault e a demissão de Sérgio Sousa Pinto. Resta saber se o PS é capaz de enfrentar as suas próprias clivagens, ultrapassar a pressão dos seus pares europeus e pensar em dois planos: se e quando. António Costa quer avançar já que não pode chegar ao Congresso do PS com duas derrotas eleitorais no bolso. Por outras palavras, só continuará líder se for primeiro-ministro. Já "quando" é uma palavra incerta. Pode votar, desde já, com a anunciada moção de rejeição do BE e PCP ou esperar pelo Orçamento do novo Governo. Esperar pelo Orçamento, caso o PS consiga resistir a dois meses de pressão internacional para se desligar de entendimentos com BE e PCP, poderia ser o melhor movimento táctico da Esquerda. A Esquerda, recusando o Orçamento de Direita, ganharia tempo, massa crítica, compreensão do fenómeno e saberia dizer, com toda a propriedade, que - mesmo viabilizados - Passos e Portas nada perceberam do que lhes foi dito. E, já agora, poderia ter acesso à execução orçamental das contas do país que a Direita teima em não querer apresentar (quais os reais números do défice e da segurança social?).
Solitário, Cavaco Silva teima em fazer a rodagem a um veículo que já foi para abate. Como se ainda conduzisse o seu Citroën BX pela Figueira da Foz em 85, desiste do seu 5 de Outubro para pensar em todas-as-hipóteses-do-seu-único-cenário e pode ser obrigado a não ter alternativa senão à de assistir ao BE e PCP a dar entrada no arco da governação durante o seu mandato. Em nome da estabilidade que tanto pediu... Esta coisa da democracia é lixada.
MÚSICO E ADVOGADO
13.10.2015
MIGUEL GUEDES
Jornal de Notícias
Este pode ser o grande acto único da Esquerda em Portugal. Não há memória de algo assim e para um exemplo de proximidade é necessário recuar ao apoio de Álvaro Cunhal a Mário Soares na segunda volta das Presidenciais de 86. A capacidade de reacção deste PCP ao resultado eleitoral foi extraordinária. Em poucos dias, Jerónimo de Sousa, envolto num resultado seguro mas algo ambíguo devido à ultrapassagem do BE, afasta o cenário da sucessão nomeando o ex-padre Edgar Silva para futuro desistente nas próximas presidenciais, disponibiliza-se para um inédito entendimento de governo com o PS de António Costa (admite-se até que António Filipe tenha sido aventado para o Ministério da Justiça) e enche um comício em Lisboa. Pressionado ou não pelo seu poder autárquico, o PCP posiciona-se para dar a volta ao seu mundo, dando um passo para novas construções. Catarina Martins foi a vencedora mais inequívoca destas eleições e sabe-o. Já na campanha eleitoral estabeleceu pontes para o PS. Quando declara, após o encontro com Costa, que pelo BE "o Governo de Coelho e Portas acabou hoje", não nos fala pelo lado do seu optimismo. A declaração política é notável e pressiona o PS a assumir a sua inteira culpa se não quiser governar à esquerda em Portugal.
A possibilidade de entendimento existe e é confirmada por movimentos contrários: as declarações de António Arnault e a demissão de Sérgio Sousa Pinto. Resta saber se o PS é capaz de enfrentar as suas próprias clivagens, ultrapassar a pressão dos seus pares europeus e pensar em dois planos: se e quando. António Costa quer avançar já que não pode chegar ao Congresso do PS com duas derrotas eleitorais no bolso. Por outras palavras, só continuará líder se for primeiro-ministro. Já "quando" é uma palavra incerta. Pode votar, desde já, com a anunciada moção de rejeição do BE e PCP ou esperar pelo Orçamento do novo Governo. Esperar pelo Orçamento, caso o PS consiga resistir a dois meses de pressão internacional para se desligar de entendimentos com BE e PCP, poderia ser o melhor movimento táctico da Esquerda. A Esquerda, recusando o Orçamento de Direita, ganharia tempo, massa crítica, compreensão do fenómeno e saberia dizer, com toda a propriedade, que - mesmo viabilizados - Passos e Portas nada perceberam do que lhes foi dito. E, já agora, poderia ter acesso à execução orçamental das contas do país que a Direita teima em não querer apresentar (quais os reais números do défice e da segurança social?).
Solitário, Cavaco Silva teima em fazer a rodagem a um veículo que já foi para abate. Como se ainda conduzisse o seu Citroën BX pela Figueira da Foz em 85, desiste do seu 5 de Outubro para pensar em todas-as-hipóteses-do-seu-único-cenário e pode ser obrigado a não ter alternativa senão à de assistir ao BE e PCP a dar entrada no arco da governação durante o seu mandato. Em nome da estabilidade que tanto pediu... Esta coisa da democracia é lixada.
MÚSICO E ADVOGADO
13.10.2015
MIGUEL GUEDES
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