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Ferry ferra fogo
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Ferry ferra fogo
“A abertura à sociedade civil é inexistente no órgão do PSD vocacionado para isso”
A atenção dos madeirenses ao assunto do ferry, para a ligação marítima da Madeira ao continente, provém dos benefícios claros que usufruíram. Experimentaram o buffet self-service dos transportes marítimos de passageiros e carga numa amplitude maior. Entenderam que o ferry é a melhor ponte para o seu desenvolvimento, suportado pela continuidade territorial nas relações humanas, comerciais e de lazer. A autonomia de acções que o ferry confere aos seus clientes cria um instinto de co-participação na operação, em benefício da celeridade e do menor custo sem “dumping”. Torna a Madeira competitiva. Assim, nasceu a estima e o sentido de posse por este serviço. Como consequência, surgiu também a revolta quando o perderam.
Politicamente, o abandono do ARMAS do serviço regular é o momento em que o Jardinismo tomou consciência da erosão aguda, longe de pensar que teria mais efeito do que a célebre cena dos Barreiros com a ideia do clube único.
A impopularidade disparou para políticos e empresas do sistema. Não foi mais um caso em 40 anos. A lealdade com parceiros e o impulso de auto-defesa é legítimo mas, a lealdade ao voto dos madeirenses que entregam o poder está acima.
Com a renovada governação do PSD, criou-se um corte temporal na abordagem ao assunto do ferry. O executivo tornou-se proactivo para a retoma do serviço mas, o melindre está latente. Sem hipocrisias, a sociedade está desconfiada, os recentes desenvolvimentos colocam sob observação negativa uma auscultação que era internacional, por via do Governo da República que, acaba nas mãos da APRAM, entidade que detém um fraco historial na defesa dos interesses da região. Todos têm presente a falta de pulso para disciplinar o uso da única rampa Ro-Ro no porto do Funchal. Por outro lado, a expressão “doa a quem doer” vai passando do estado sólido para o gasoso, numa transferência consciente de um assunto importante da vida da região para mãos descartáveis. A mobilidade aérea fez mossa e alguns aprenderam a se proteger.
Numa altura em que os melhores nesta matéria não marcam presença e a abertura à sociedade civil é inexistente no órgão do PSD vocacionado para isso, o conforto para decisões difíceis, fruto de uma leitura da sociedade, das necessidades e de uma vaga concordante é escassa. As discussões estarão nas páginas dos jornais ou na casa da democracia. A maioria parou para ver e o PSD, executivo ou não, acantonou-se. O PSD não sabe envolver a sociedade nos assuntos quentes e é surpreendido.
A satisfação dos madeirenses nunca poderá ter uma solução inferior à já experimentada pois isso seria interpretado como mais um enredo da cartelização. Mereceria reprovação. Situações acessórias agudizam novamente a desconfiança de muitos madeirenses. Não há dinheiro para mudar a lota de lugar e construir uma segunda rampa Ro-Ro mas, há engenho para obter financiamento para um museu no porto. Se já falta espaço para os movimentos provocados por um ferry, imagine-se dois. Precisamos de manobrabilidade, qual o contributo? Estão a desadequar os espaços do porto como se mais cidade não houvesse. Evitam a CMF? Dizem que o mar vem buscar sempre o que lhe tiraram, eu acho que o porto faz parte. Para ser desconcertante, direi que os passageiros, carros e mercadorias do futuro ferry não vão realizar a operação numa paragem da Horários do Funchal. Estarão estas observações erradas porque existe muito espaço no Caniçal e um navio pode transportar passageiros e carga mas não ser um ferry? Estará o governo a se denunciar com outras notícias?
Para além do espaço para a manobrabilidade no porto, já se deveria ter um projecto para um parque de apoio, relativamente próximo, para aguardar e organizar as entradas na rápida escala que se pressupõe num ferry. A parte das caravanas, em anexo ao mesmo espaço, deveria ter condições para estadias.
Devemos ter serviços de ferry intermodais (tráfego misto ou múltiplo), que possibilitem interligação com outros modos de transporte no espaço europeu. Que não haja a tentação de aderirmos a singularidades por pressões. Uma empresa que use um ferry no Canal da Mancha, ou qualquer outro da Europa deve, nas mesmas condições, entrar no ferry para a Madeira. Com regularidade, compatibilidade e organização, o ferry ganhará a qualquer outro transporte e deverá existir todo o ano. Não nos isolemos com um ferry.
Quanto ao sucesso da operação, o governo deveria estar já a preparar, com um sentido mais empresarial e paralelo ao ferry, a sua situação como cliente. Deveria acentuar a sua aposta em novos eventos derramados pelo calendário turístico mais frágil do nosso destino. O governo pode contribuir positivamente no arranque do serviço tendo o retorno da aposta com o IVA, e este, deveria contribuir para o plafond do subsídio. Ajudaria a acalmar um tique nervoso que gera meias apostas, totalmente subordinado ao medo de que o plafond da mobilidade se esgote.
As empresas da região já têm experiência em como potenciar o regresso do ferry, só precisam de explorar melhor e diversificar a actividade. O ferry pode trazer novos investidores com o advento de uma renovada realidade. Terão, para avaliar, 3 perguntas a fazer, uma delas é sobre o ferry com as condições de transporte, a sua regularidade e extensão no tempo. É preciso um ferry para todo o ano, sem interrupções, numa concessão alargada que dê tranquilidade ao investimento.
O governo terá pouca brecagem, ou procura um processo pela competência e idoneidade (ninguém espera o contrário) ou o ferry ferra fogo. Num ápice se gera o mergulho eleitoral, o tempo de ler uma notícia, tal como sucedeu ao CDS quando decidiu pactuar de forma dúbia, sendo a favor do serviço mas pervertendo para um dos lados, o que foi visível nas suas últimas listas eleitorais. O eleitor percebeu.
Só há uma solução, decidir no interesse da região promovendo um mercado livre, competitivo e concorrente.
Carlos Vares
Diário de Notícias da Madeira
Segunda, 26 de Outubro de 2015
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