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Portugal: do Muro de Berlim à TTIP
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Portugal: do Muro de Berlim à TTIP
A concretização da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento poderá proporcionar a Portugal uma oportunidade relevante para sair da periferia europeia em que mergulhou no pós-queda do Muro de Berlim e para se posicionar no centro das relações transatlânticas
A ALEMANHA comemorou ontem o 26.º aniversário da queda do Muro de Berlim. Após várias semanas de grandes manifestações, em que os alemães orientais exigiam mais liberdade, a 9 de Novembro de 1989 o regime comunista anunciou, apanhando quase toda a gente de surpresa, que a partir dessa data os seus cidadãos poderiam viajar para o exterior. Uma decisão de alcance aparentemente limitado viria a ser o epicentro de um processo que conduziria a profundas alterações na Europa. A queda do Muro de Berlim, além de permitir a unificação da Alemanha, foi o ponto de partida da redefinição dos equilíbrios políticos na Europa e em particular dos equilíbrios referentes ao eixo franco-alemão. Nada voltaria a ser igual. A Europa viu-se obrigada a fugir em frente rumo a um duplo processo de aprofundamento e alargamento que ainda hoje continua a fazer o seu caminho.
De certo modo, a Europa parece estar a construir um puzzle ilimitado. Sempre que se identifica o lugar de uma peça no tabuleiro – e com isso se resolve um problema – de imediato aumenta a dimensão do puzzle e por essa via o número de peças por colocar. Hoje a Europa enfrenta vários desafios estratégicos em simultâneo: a crise dos refugiados, a eterna crise grega e o eventual Brexit. Nenhum destes desafios tem solução fácil. Todos põem em causa a integridade do projecto europeu e, por essa via, são fonte de preocupação para a política externa portuguesa.
Na qualidade de estado-membro que entrara recentemente na União Europeia, Portugal testemunhou de perto o impacto que a queda do Muro de Berlim teve no projecto europeu. Subitamente, de um ponto de vista simbólico e factual, Portugal tornou-se mais periférico, política, económica e geograficamente. De um dia para o outro, muitas das expectativas quanto a futuros investimentos tornaram-se uma miragem. De certo modo, a Autoeuropa foi um dos poucos grandes investimentos que escaparam à tirania da geopolítica decorrente da queda do Muro de Berlim. Nenhum outro projecto de igual dimensão voltou a ter Portugal como destino.
Naturalmente, nas últimas décadas Portugal poderia e deveria ter feito muito mais para atrair investimento estrangeiro e para se tornar um destino mais interessante para os investidores. Nem sempre assim foi, é indiscutível, mas isso não atenua o facto de a queda do Muro de Berlim – e as alterações subsequentes na Europa – ter marcado o início de um ciclo geopolítico desfavorável a Portugal.
Dito isto, as coisas são como são e não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Importa antes olhar para eventuais segundas oportunidades, ainda que de natureza diversa, como é o caso da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP). A concretização da TTIP proporcionará a Portugal uma oportunidade relevante para sair da periferia europeia em que mergulhou no pós-queda do Muro de Berlim e para se posicionar no centro das relações transatlânticas.
De facto, a TTIP confere relevância geopolítica acrescida a Portugal. A consequente afirmação nacional como ponte entre a Europa e os EUA poderá catapultar o país para uma posição de maior influência transatlântica, nomeadamente contribuindo para a segurança do comércio marítimo, para a contenção e eliminação de diversos tipos de tráfico – armas, drogas e pessoas, entre outros – e para a estabilidade política nas regiões adjacentes ao Atlântico.
As negociações formais entre os EUA e a Europa para a criação da TTIP têm decorrido com a normalidade possível.
Se o processo tiver êxito, como se espera que venha a ter, a TTIP representará a maior zona de comércio livre do mundo. Também desse ponto de vista, estamos perante uma oportunidade única para Portugal. No seu conjunto, os mercados europeu e norte-americano representam aproximadamente 800 milhões de habitantes, metade da produção económica global, um terço do fluxo mundial de mercadorias e metade das prestações de serviços em todo o mundo. Estando no seu centro, dificilmente Portugal não conseguirá tirar partido de um bloco desta dimensão.
Em sentido figurado, e com alguma ironia pelo meio, o que a Alemanha tirou será a Alemanha a dar. Mais que ninguém, deste lado do Atlântico será Berlim que terá nas mãos a chave da concretização de uma parceria – a TTIP – que Portugal aguarda com expectativa. O relógio do mundo não pára.
Professor universitário, director do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS) e assistente da Universidade Lusíada de Lisboa, foi director-adjunto da revista “Política Internacional”. Mestre em Ciência Política pela Universidade de Lovaina, Bélgica. Colabora com a FLAD.
Paulo Gorjão
Jornal i
A ALEMANHA comemorou ontem o 26.º aniversário da queda do Muro de Berlim. Após várias semanas de grandes manifestações, em que os alemães orientais exigiam mais liberdade, a 9 de Novembro de 1989 o regime comunista anunciou, apanhando quase toda a gente de surpresa, que a partir dessa data os seus cidadãos poderiam viajar para o exterior. Uma decisão de alcance aparentemente limitado viria a ser o epicentro de um processo que conduziria a profundas alterações na Europa. A queda do Muro de Berlim, além de permitir a unificação da Alemanha, foi o ponto de partida da redefinição dos equilíbrios políticos na Europa e em particular dos equilíbrios referentes ao eixo franco-alemão. Nada voltaria a ser igual. A Europa viu-se obrigada a fugir em frente rumo a um duplo processo de aprofundamento e alargamento que ainda hoje continua a fazer o seu caminho.
De certo modo, a Europa parece estar a construir um puzzle ilimitado. Sempre que se identifica o lugar de uma peça no tabuleiro – e com isso se resolve um problema – de imediato aumenta a dimensão do puzzle e por essa via o número de peças por colocar. Hoje a Europa enfrenta vários desafios estratégicos em simultâneo: a crise dos refugiados, a eterna crise grega e o eventual Brexit. Nenhum destes desafios tem solução fácil. Todos põem em causa a integridade do projecto europeu e, por essa via, são fonte de preocupação para a política externa portuguesa.
Na qualidade de estado-membro que entrara recentemente na União Europeia, Portugal testemunhou de perto o impacto que a queda do Muro de Berlim teve no projecto europeu. Subitamente, de um ponto de vista simbólico e factual, Portugal tornou-se mais periférico, política, económica e geograficamente. De um dia para o outro, muitas das expectativas quanto a futuros investimentos tornaram-se uma miragem. De certo modo, a Autoeuropa foi um dos poucos grandes investimentos que escaparam à tirania da geopolítica decorrente da queda do Muro de Berlim. Nenhum outro projecto de igual dimensão voltou a ter Portugal como destino.
Naturalmente, nas últimas décadas Portugal poderia e deveria ter feito muito mais para atrair investimento estrangeiro e para se tornar um destino mais interessante para os investidores. Nem sempre assim foi, é indiscutível, mas isso não atenua o facto de a queda do Muro de Berlim – e as alterações subsequentes na Europa – ter marcado o início de um ciclo geopolítico desfavorável a Portugal.
Dito isto, as coisas são como são e não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Importa antes olhar para eventuais segundas oportunidades, ainda que de natureza diversa, como é o caso da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP). A concretização da TTIP proporcionará a Portugal uma oportunidade relevante para sair da periferia europeia em que mergulhou no pós-queda do Muro de Berlim e para se posicionar no centro das relações transatlânticas.
De facto, a TTIP confere relevância geopolítica acrescida a Portugal. A consequente afirmação nacional como ponte entre a Europa e os EUA poderá catapultar o país para uma posição de maior influência transatlântica, nomeadamente contribuindo para a segurança do comércio marítimo, para a contenção e eliminação de diversos tipos de tráfico – armas, drogas e pessoas, entre outros – e para a estabilidade política nas regiões adjacentes ao Atlântico.
As negociações formais entre os EUA e a Europa para a criação da TTIP têm decorrido com a normalidade possível.
Se o processo tiver êxito, como se espera que venha a ter, a TTIP representará a maior zona de comércio livre do mundo. Também desse ponto de vista, estamos perante uma oportunidade única para Portugal. No seu conjunto, os mercados europeu e norte-americano representam aproximadamente 800 milhões de habitantes, metade da produção económica global, um terço do fluxo mundial de mercadorias e metade das prestações de serviços em todo o mundo. Estando no seu centro, dificilmente Portugal não conseguirá tirar partido de um bloco desta dimensão.
Em sentido figurado, e com alguma ironia pelo meio, o que a Alemanha tirou será a Alemanha a dar. Mais que ninguém, deste lado do Atlântico será Berlim que terá nas mãos a chave da concretização de uma parceria – a TTIP – que Portugal aguarda com expectativa. O relógio do mundo não pára.
Professor universitário, director do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS) e assistente da Universidade Lusíada de Lisboa, foi director-adjunto da revista “Política Internacional”. Mestre em Ciência Política pela Universidade de Lovaina, Bélgica. Colabora com a FLAD.
Paulo Gorjão
Jornal i
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