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A última fronteira da língua portuguesa
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A última fronteira da língua portuguesa
Corro sem nunca olhar para trás
Wake up. Shower quick. Water cold. Brush teeth. Go out. Drink coffee. Buy food. Go work. Eat in? Take away? Go Pub. Your round. Do Kiss. Don't tell. Go home. Need sleep. Repeat.
Leio, ouço, sonho, pergunto, respondo, no trabalho, em casa, na rua. É constante a exposição à língua inglesa e todos estes estímulos começam a quebrar a última fronteira da língua portuguesa, a minha consciência. Sem dar por isso começo a pensar noutra língua que não a minha. Uma voz imperativa dá-me ordens curtas e básicas como Cross street e Take umbrella. Por muitas palavras cruzadas que faça, a língua inglesa apoderou-se de mim antes que eu tivesse sido capaz de a dominar e transformou-me num autómato com a inteligência de um robot de cozinha. Perfeitamente funcional, mas com total incapacidade para pensamento abstracto. Eficiente mas estupidificado.O meu inglês simplesmente ainda não me permite um pensamento totalmente desenvolto e criativo. É um periodo curioso esta adaptação forçada a outra língua. Se quando saio à rua, por vezes ainda me perco, saio na estação errada ou apanho o metro no sentido contrário ao que devia, também este yoda que se apoderou do meu cérebro demonstra incapacidade de levar as suas sinapses a algo que não seja um beco sem saida linguístico. Sinto-me Stupid.
Para me manter neste limbo surge uma oferta de trabalho em que deixo de perguntar eat in or take away e passo a telefonar para casas portuguesas ao acaso e a esgotar a paciência de pessoas com perguntas de 1 a 10 como classifica o combustível que usa. De 1 a 10 como classifica a sua bomba de gasolina mais próxima. De 1 a 10? Classifico mais ou menos. Olhe não gosto muito sabe. De 1 a 10 você disse que isto demora 5 minutos e já vamos em 20. Pode esperar um pouco que tenho uma perna de peru no forno e não quero deixar queimar? Ouço os passos vagarosos da senhora a ecoar no auscultador e vejo tudo, tudo o que me começa a faltar. Vejo os tacos pequenos de madeira escura, os tapetes de franjas gastas. O quadro kitsch na parede. O seu cadeirão. Vejo a casa desta avó de alguém e sinto saudades pela primeira vez. Não são saudades da minha família, dos amigos, ou da namorada, são saudades de mim lá. Um lá que contra minha vontade evolui sem mim. Que não sabe de mim. Não sabe a contradição em que me encontro. Não sabe que não me resigno e ainda olho para o que terei deixado para trás ao mesmo tempo que sinto pela primeira vez o vento frio do mar do norte na cara e digo baixinho para que ninguém me ouça em Portugal; I don't want to go home.
Através de uma colega na empresa de inquéritos ouço falar de Silver Service, um serviço que fornece empregados de mesa para eventos de luxo. Basta fazer um pequeno curso de um dia onde se aprende como servir, como pegar numa garrafa de vinho, como nunca chegar a um evento a fumar mesmo entrando pela porta de serviço, como sorrir. No final do curso soube que tinha sido um dos escolhidos e que iria trabalhar dentro de dias num evento qualquer da alta sociedade londrina para além de ir ganhar o dobro por hora do que ganhava a "virar frangos". Estou feliz, tão feliz que não reparo, enquanto caminho numa rua mal iluminada, no tipo que me dá um pontapé nas costas e diz dá-me tudo o que tens ou arranco-te a cabeça enquanto me agarra pelos braços. Naquilo que só pode ser descrito como o meu grande acto de estupidez até à data, dou-lhe uma cotovelada no estômago que me liberta do seu abraço forçado e corro, corro até deixar de lhe ouvir as botas e o bafo no meu encalço, corro sem nunca olhar para trás, corro para dentro de um autocarro sem saber para onde vai e choro, choro tanto que não consigo focar o visor do meu telemóvel, não que faça diferença, pois não me vem à cabeça o número de emergência. nem o português 112, nem o inglês 999.
André Torres
Jornal i
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