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O fim do sonho. Chineses dos vistos gold perderam milhões
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O fim do sonho. Chineses dos vistos gold perderam milhões
Zhu Xiaodong queria comprar os terrenos da antiga Feira Popular, em Lisboa, mas o negócio não avançou. Como muitos outros
Filipe Casaca
Da Feira Popular ao Palácio da Junqueira, passando por um condomínio na Penha Longa. Os sonhos dos três chineses acusados nos vistos gold.
Ouando as primeiras notícias sobre suspeitas de corrupção na atribuição de vistos gold saíram nos jornais, no início do ano passado, António Figueiredo, então presidente do Instituto dos Registo e Notariado (IRN), confessou a um amigo que se tinha limitado “a fazer aquilo que os outros andavam a fazer, nomeadamente o Paulo Portas”. Na mesma conversa, reproduzida na acusação deduzida recentemente pelo Ministério Público (MP), Figueiredo terá acrescentado que, se o negócio dos “amigos” chineses prosperasse, deixaria o instituto.
António Figueiredo, acredita o MP, esforçou-se para que os projectos dessem certo. Terá aproveitado as horas de almoço para visitar casas de luxo que poderiam interessar a chineses; terá acompanhado um dos principais arguidos, Zhu Xiaodong, a reuniões em bancos e intermediado contactos com autarcas e governantes; e terá posto as secretárias e o motorista do IRN à disposição do amigo, a quem daria conselhos burocráticos e ajudaria a “agilizar” burocracias, recorrendo a amigos como o então ministro Miguel Macedo ou o ex-director do SEF Manuel Palos. Mas os planos saíram furados e as empresas dos chineses investigados na OperaçãoLabirinto acabaram por fechar com prejuízos a rondar os 2 milhões de euros.
Os supostos planos de António Figueiredo e dos chineses Zhu Xiaodong, Zhu Baoe e Xia Baoling – os três acusados de corrupção activa e tráfico de influências – eram, segundo as descrições do MP, grandiosos. Zhu Xiaodong, empresário que vive em Portugal desde a década de 1990, sonhava instalar uma Casa da China num imóvel de prestígio em Lisboa e terá cabido a António Figueiredo mexer contactos para encontrar um “palacete” à medida. Os projectos não ficaram por aqui: os chineses terão tentado comprar o Palácio da Junqueira por 3,8 milhões de euros com o objectivo de lá instalar uma “casa de massagens”. Porém, o negócio acabou por não se concretizar porque a proposta foi considerada baixa. Xiaodong terá chegado também a visitar o Clube dos Empresários, na Avenida da República – transportado pelo motorista do presidente do IRN –, mas não comprou porque achou o palácio demasiado pequeno: só tinha 600 metros quadrados. Um outro grande negócio, mediado pelo Santander, esteve para se concretizar em Abril de 2004: a compra de terrenos para construção na Marginal de Cascais. Xiaodong apresentou uma proposta de 20,3 milhões de euros, mas a aquisição caiu por terra. Em cima da mesa também terá chegado a estar a compra de uma casa na Quinta da Marinha por 4 milhões de euros e a aquisição de um condomínio na Penha Longa avaliado em 17 milhões. Pelo meio terá havido contactos com a Câmara de Lisboa para a compra de imóveis do património municipal. E Xiaodong, juntamente com o amigo Xia Baoling, terão até comprado uma empresa, a Pyramidpearl, com o objectivo de adquirir os terrenos da antiga Feira Popular.
O começo do sonho António Figueiredo terá começado a relacionar-se com chineses endinheirados em 2009. O namorado da filha era sócio de Xiaodong numa empresa chamada Hora do Descanso, que se dedicava a tratamentos estéticos, mesoterapia “e similares”. Em 2012, quando os vistos gold foram criados, Xiaodong – que era dono de lojas e restaurantes chineses – decidiu dedicar-se à angariação de casas de luxo para revender a chineses que quisessem comprar o visto português. Começou por trabalhar com a mulher, informalmente e cobrando comissões às imobiliárias que variavam entre os 3% e os 6% sobre o valor da compra.
António Figueiredo, acredita o MP, apoiou a actividade desde o começo, ajudando Xiaodong com os formalismos legais. E quando o chinês abriu as primeiras empresas destinadas ao negócio dos vistos gold o presidente do IRN terá ajudado no registo. Até que, em 2012, terão firmado um acordo. O presidente do IRN comprometia-se a ser “facilitador do processo burocrático” da compra e venda de imóveis e a pôr à disposição dos chineses e respectivos clientes os carros, os funcionários e as bases de dados do instituto – onde os assuntos de Xiaodong passariam a ser tratados como “prioritários”. António Figueiredo, que receberia comissões em troca, terá igualmente concordado “exercer influência junto de decisores públicos ou políticos” para agilizar as decisões de que o amigo necessitasse.
Nem meio ano depois de os vistos dourados arrancarem, Xiaodong abria a empresa Westeuro, com dinheiro de um neozelandês e de uma chinesa que terão conseguido vistos portugueses com a ajuda de Figueiredo e do ex-director do SEF. Essa empresa comprou, em Maio de 2013, uma outra, a Basetropical. Mais ou menos na mesma altura, Zhu constituía uma outra sociedade, a Quinta do Barão, com sede na Quinta da Marinha e que serviria para comprar um condomínio na Penha Longa por 17 milhões de euros. O negócio acabou por não se concretizar porque entretanto Zhu se incompatibilizou com os sócios – o neozelandês e a chinesa – e a empresa encerrou a 28 de Maio de 2014.
Antes, em Outubro de 2013, Xiaodong já tinha constituído uma outra sociedade, a Goldenvista Europe, também dedicada à “compra e venda de bens imobiliários”. A filha de António Figueiredo – para o MP testa-de-ferro do pai – era uma das sócias, juntamente com dois funcionários de uma imobiliária do Estoril, que também se fizeram representar pelos filhos, e um chinês milionário que vivia em Madrid. Porém, e mais uma vez, o negócio não prosperou. Um mês a seguir à constituição da empresa, os sócios participaram numa feira de imobiliário na China para angariar clientela, mas voltaram para Portugal de mãos a abanar. Pouco tempo depois, com as suspeitas de corrupção estampadas nos jornais, a empresa foi dissolvida e o que sobrou do capital social redistribuído pelos sócios.
os dias do fim A partir de fins de Fevereiro de 2014, com os jornais atentos à investigação encomendada pelo MP, Zhu Xiaodong e António Figueiredo terão mudado o comportamento por desconfiarem que estavam sob escuta. Mas, garante o Ministério Público, nem assim terão deixado de continuar a angariar casas. De tal forma que, em Março de 2014, a empresa Hora do Descanso – que o chinês tinha a meias com o genro de Figueiredo – comprou uma imobiliária, a Formabsoluta, e deixou de ser uma casa de tratamentos de estética e mesoterapia para passar a empresa de “compra e venda de imóveis, agência de documentação e actividades turísticas”. Por precaução, acredita o MP, o genro de Figueiredo desvinculou-se e a alteração à sociedade terá sido redigida por Albertina Gonçalves, advogada e sócia de Miguel Macedo e, na altura, secretária-geral do Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território (MAOT).
Os três empresários chineses acabaram detidos, há um ano, na Operação Labirinto. Segundo as contas do MP, as empresas que abriram e fecharam só deram prejuízo. Senão veja-se: enquanto existiu, a Basetropical comprou quatro casas no Estoril e uma em Cascais por 2,1 milhões de euros. As aquisições aconteceram em Julho e Agosto de 2013 e os imóveis foram imediatamente vendidos a cinco chineses candidatos a vistos gold por 2,6 milhões de euros – gerando um lucro de mais de meio milhão. Porém, a empresa fechou antes de conseguir desfazer-se de uma outra casa, em Carcavelos, que tinha sido adquirida por 290 mil euros. Contas feitas, a Basetropical rendeu 210 mil euros. Já a Hora do Descanso só deu prejuízo: comprou um único imóvel, na Parede, por 360 mil euros, que nunca chegou a ser revendido.
Quanto à Formabsoluta, foi um verdadeiro desastre. Até serviu para comprar uma vivenda em Cascais por 850 mil euros – posteriormente vendida por mais de 1,2 milhões –, que gerou uma receita de 350 mil euros. Mas a empresa tinha feito outras aquisições: uma vivenda na Parede por 525 mil euros, um prédio em Cascais por 620 mil, um prédio em Birre por 630 mil e um apartamento em Oeiras por 390 mil. Estas casas não chegaram a ser revendidas e custaram 2,16 milhões. No total, os chineses terão perdido 1,96 milhões de euros.
ROSA RAMOS
27/11/2015 10:59
Jornal i
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