Procurar
Tópicos semelhantes
Entrar
Últimos assuntos
Tópicos mais visitados
Quem está conectado?
Há 45 usuários online :: 0 registrados, 0 invisíveis e 45 visitantes Nenhum
O recorde de usuários online foi de 864 em Sex Fev 03, 2017 11:03 pm
Dinheiro
Página 1 de 1
Dinheiro
Entro no El Corte Inglés, a comprar um presente para a Catarina. Venho do teatro, caminhando sozinho pela cidade, e estou bem-disposto. Paro na secção dos computadores, a ver se posso substituir uma tecla que se me partiu no portátil. Claro que não posso: tenho de comprar o teclado todo.
Depois vou à secção de senhora.
A rapariga da caixa, com aquele ar afogueado e contido que lhe impõe a formação profissional, pergunta-me:
- Como é que vai pagar?
Imagino que me queira dizer que ali ainda não se pode fazê-lo com o smartphone. Ou então será formação profissional também. Na véspera, o rapaz do restaurante tinha-nos dito:
- Olá, eu sou o Michael e vou ser o vosso empregado de mesa esta noite.
Pelo que o melhor é considerar que tudo aquilo que me dizem, doravante, foi escrito algures por um burocrata.
Olho para dentro da carteira, fixo a rapariga:
- Em dinheiro.
E é como se lhe introduzisse um bug no sistema. Ela é do tempo da desmaterialização absoluta, em que até com o ecrã do telemóvel começa a poder-se pagar. Sente-se confusa.
Faz uma pequena vénia, a disfarçar a estupefacção. Depois procura o botão que abre a gaveta da registadora, e lá dentro há uma única nota de dez euros, muito desolada, junto a três moedinhas que imagino o troco de um almoço antigo.
Conto quatro notas e passo-lhas para as mãos. Pega-lhes com as pontas dos dedos, passa-as individualmente na máquina de detectar contrafacção e, de súbito, detém-se com elas nas mãos.
Endireita-as, carinha com carinha. Quase as afaga, como se as descobrisse - e aos 15 cêntimos que tem de devolver-me, devolve-mos moeda a moeda, cinco cêntimos de cada vez, bem na palma da minha mão.
Talvez me tenha achado um homem antigo. Mas eu pergunto-me se não nasceu ali uma história de amor - entre ela e o dinheiro vivo, nas suas mãos, com toda a força e toda a vulnerabilidade que ele tem.
23 DE DEZEMBRO DE 2015
00:01
Joel Neto
Diário de Notícias
Depois vou à secção de senhora.
A rapariga da caixa, com aquele ar afogueado e contido que lhe impõe a formação profissional, pergunta-me:
- Como é que vai pagar?
Imagino que me queira dizer que ali ainda não se pode fazê-lo com o smartphone. Ou então será formação profissional também. Na véspera, o rapaz do restaurante tinha-nos dito:
- Olá, eu sou o Michael e vou ser o vosso empregado de mesa esta noite.
Pelo que o melhor é considerar que tudo aquilo que me dizem, doravante, foi escrito algures por um burocrata.
Olho para dentro da carteira, fixo a rapariga:
- Em dinheiro.
E é como se lhe introduzisse um bug no sistema. Ela é do tempo da desmaterialização absoluta, em que até com o ecrã do telemóvel começa a poder-se pagar. Sente-se confusa.
Faz uma pequena vénia, a disfarçar a estupefacção. Depois procura o botão que abre a gaveta da registadora, e lá dentro há uma única nota de dez euros, muito desolada, junto a três moedinhas que imagino o troco de um almoço antigo.
Conto quatro notas e passo-lhas para as mãos. Pega-lhes com as pontas dos dedos, passa-as individualmente na máquina de detectar contrafacção e, de súbito, detém-se com elas nas mãos.
Endireita-as, carinha com carinha. Quase as afaga, como se as descobrisse - e aos 15 cêntimos que tem de devolver-me, devolve-mos moeda a moeda, cinco cêntimos de cada vez, bem na palma da minha mão.
Talvez me tenha achado um homem antigo. Mas eu pergunto-me se não nasceu ali uma história de amor - entre ela e o dinheiro vivo, nas suas mãos, com toda a força e toda a vulnerabilidade que ele tem.
23 DE DEZEMBRO DE 2015
00:01
Joel Neto
Diário de Notícias
Tópicos semelhantes
» Obras congeladas por falta de dinheiro (Já a acabou o dinheiro no estado para os grandes investimentos populismos)
» O dinheiro que não há
» Dinheiro
» O dinheiro que não há
» Dinheiro
Página 1 de 1
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos
|
|
Qui Dez 28, 2017 3:16 pm por Admin
» Apanhar o comboio
Seg Abr 17, 2017 11:24 am por Admin
» O que pode Lisboa aprender com Berlim
Seg Abr 17, 2017 11:20 am por Admin
» A outra austeridade
Seg Abr 17, 2017 11:16 am por Admin
» Artigo de opinião de Maria Otília de Souza: «O papel dos custos na economia das empresas»
Seg Abr 17, 2017 10:57 am por Admin
» Recorde de maior porta-contentores volta a 'cair' com entrega do Maersk Madrid de 20.568 TEU
Seg Abr 17, 2017 10:50 am por Admin
» Siemens instalou software de controlo avançado para movimentações no porto de Sines
Seg Abr 17, 2017 10:49 am por Admin
» Pelos caminhos
Seg Abr 17, 2017 10:45 am por Admin
» Alta velocidade: o grande assunto pendente
Seg Abr 17, 2017 10:41 am por Admin