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A multiplicidade de crises na Europa não é acidental

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A multiplicidade de crises na Europa não é acidental Empty A multiplicidade de crises na Europa não é acidental

Mensagem por Admin Seg Jan 04, 2016 12:02 pm

Ao entrarmos na segunda metade da segunda década do século observamos a existência de três linhas divisórias dentro da UE. Uma divide o Norte próspero do Sul endividado. Uma segunda separa uma franja eurocética de um centro europeísta. Uma terceira situa-se entre um Ocidente socialmente liberal e um Leste cada vez mais autocrático. Este é um cenário de desintegração e de fratura.

É difícil fazer previsões específicas para 2016. Há, evidentemente, muitos riscos conhecidos. Um referendo britânico sobre a permanência na UE. O fluxo constante de refugiados. O agravamento dos desequilíbrios económicos. A crise na Grécia. O quase insolvente sistema bancário italiano e tensões iminentes entre a Alemanha e os países periféricos da zona euro sobre a política orçamental. Uma onda de terrorismo jihadista. A incerteza política em Espanha e em Portugal. A crise na Ucrânia, ainda longe de estar resolvida. O escândalo das emissões Volkswagen, que se desvaneceu nas consciências, mas corre o risco de minar um dos pilares remanescentes da força industrial do continente.

Com tantas crises a acontecer em simultâneo, acho que é mais útil olhar para o cenário no seu todo - para o risco sistémico que não surge de uma qualquer crise em particular, mas do enfrentar tantas delas ao mesmo tempo.

Depois de se recuar um pouco, a multiplicidade de crises começa a parecer menos acidental. Se se criar uma união monetária sem instituições económicas, políticas orçamentais e sistemas jurídicos comuns, é certo que se acaba com um desastre. Da mesma forma, uma zona de livre circulação sem uma guarda costeira e controlos de fronteiras comuns não pode durar.

Existe aqui um padrão. A UE tem uma tendência inata para entendimentos podres e construções que só funcionam em tempo de bonança. Nada de fundamental mudou no ano passado, exceto o facto de este problema se ter tornado evidente para muito mais gente.

A rutura, quando chegar, poderá ainda chocar-nos. Mas ela também oferece oportunidades. Eu penso que o maior erro que a UE poderia cometer seria continuar como até aqui. É mais provável que as grandes mudanças venham a ser forçadas diretamente pelos eleitorados - através de um referendo, como o que terá lugar em breve no Reino Unido - do que pelos políticos e diplomatas. O processo da UE tem a tendência para evitar deslocamentos bruscos. As coisas só se desmoronarão quando a pressão das capitais nacionais se tornar demasiado forte.

Existe o perigo de que isso possa provocar a desintegração descontrolada. Mas há boas hipóteses de os líderes políticos da Europa terem a sensatez suficiente para seguir em frente com um espírito construtivo. Uma votação no Reino Unido favorável à saída do país da UE pode, a longo prazo, provocar uma mais ampla transformação da UE num grupo interno de países que procuram uma integração mais profunda, e num grupo externo, em que a Grã-Bretanha e outros países se sintam perfeitamente confortáveis.

Uma rutura na zona euro, que eu ainda estou à espera de que aconteça a qualquer momento, também oferece a oportunidade de um realinhamento mais amplo. A partir do momento em que se pensar no euro como um sistema de taxa de câmbio fixa com uma moeda comum, em oposição a uma união monetária irreversível, o nevoeiro levantar-se-á.

Tal sistema só poderia funcionar entre um pequeno número de países com economias em grande parte convergentes. A Áustria e a Alemanha mantiveram uma taxa de câmbio quase fixa desde os anos 1970. Por que não poderiam continuar a fazê-lo por mais 50 anos? A França e a Alemanha mantiveram uma taxa de câmbio maioritariamente fixa, desde a década de 1980. Porque haveriam agora de acabar em lados diferentes de uma taxa de câmbio?

A argumentação em defesa de uma maior integração económica e política entre a Alemanha e a França continua a ser fundamentalmente forte - muito mais forte do que a questão da integração política e económica de uma União Europeia onde alguns países partilham uma moeda única e outros não têm qualquer intenção de se lhes juntar.

Nunca houve uma lógica convincente no argumento de que um mercado único implica uma moeda única. Mas a lógica inversa é bastante convincente. Os países com uma moeda única exigem uma integração muito mais profunda do mercado do que aqueles que mantêm a sua moeda própria. Se aceitarmos a UE como uma união que contém várias moedas, como deveríamos fazer agora, teremos de aceitar que ela não é um mercado único, mas um conjunto de mercados discretos.

Além da fragmentação económica, a Europa está ficar politicamente dividida entre o Leste e o Ocidente. Tanto a Hungria como a Polónia elegeram governos eurocéticos de direita. Ambos os países reduziram a independência do poder judicial e a liberdade de imprensa. Já há algum tempo que penso que o alargamento da União não foi a grande oportunidade histórica que foi anunciada, mas um erro histórico. O alargamento contribuiu para as divisões da Europa e tornou a UE disfuncional.

Por isso, eu vejo a fragmentação e a rutura não como ameaças a serem evitadas, mas como uma oportunidade para ser aprovei-tada. A minha expectativa para 2016 é a de que vamos assistir a mais ruturas. A minha esperança é que elas vão ser sabiamente geridas.

04 DE JANEIRO DE 2016
00:05
Wolfgang Münchau
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