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A "catedral do consumo" que resistiu a todas as crises destes 30 anos
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A "catedral do consumo" que resistiu a todas as crises destes 30 anos
Fotografia © Paulo Spranger/ Global Imagens
O "maior centro comercial de Portugal" foi inaugurado a 27 de setembro de 1985. "Dizia-se que isto ia tudo à falência".
Uma missionária, vestida de branco, com um saco de compras na mão, abre a porta devagar. "A capela está fechada?", pergunta, revelando o sotaque brasileiro. "Entro aqui sempre que venho nas Amoreiras", diz. Desta vez, não poderá fazer aqui as suas orações. A capela está fechada para férias de verão e reabre na próxima semana.
"Depois pode vir quando quiser", diz-lhe o padre José Manuel, da paróquia de Santa Isabel, responsável pela capela do centro comercial Amoreiras. Nas Amoreiras há missa todos os dias. Às terças e quartas à hora do almoço, nos outros dias às seis da tarde. Aos domingos, ao meio-dia, os fiéis enchem o templo, minúsculo, "uma caixa de fósforos" quando comparado com outras igrejas. "Enche até à porta." Tirando isso, esta é uma capela como as outras. "Vejo aqui senhoras com sacos de compras e também os homens de fato e gravata, das torres de escritórios.
Mas também temos grupos de reflexão e de oração que se reúnem neste espaço, fazemos tudo o que se faz noutras igrejas."
Pode parecer estranho, uma capela ali, ao lado da Fnac, naquela que já foi chamada como a catedral do consumo, mas não para o padre José Manuel Pereira de Almeida: "É uma igreja despojada e em saída, como refere o nosso Papa. Ou seja, é uma igreja que está no espaço das pessoas, a meter-se com elas. Na altura da inauguração, foi uma grande novidade. Houve quem estranhasse e quem criticasse, claro. Mas na verdade, sendo inovadora, esta capela retoma uma tradição antiga, de as igrejas se colocarem ao lado dos mercados."
"Tudo o que é pioneiro arrisca-se a ser criticado", diz logo João Oliveira, um dos mais antigos lojistas do centro. Era tripulante de bordo na TAP quando, em 1984, ao passar na Avenida Duarte Pacheco, em Lisboa, ficou intrigado com "aquilo" que se estava ali a construir. Aquilo era o maior centro comercial de Portugal e até da Europa. Com um projeto arquitetónico megalómano, assinado por Tomás Taveira, aqui, além de lojas, haveria torres para escritórios e habitação, um estacionamento subterrâneo. Era impossível qualquer comparação com os centros comerciais que então existiam em Lisboa, como o Apolo 70 ou o de Alvalade. Este era uma "cidade dentro da cidade", como se anunciava no slogan publicitário, onde seria possível ir ao supermercado e ao banco, comprar sapatos e sofás, brinquedos e livros, morar, trabalhar e até ir à missa. "Em Portugal pouca gente sabia o que era um shopping, mas eu já tinha visto centros comerciais de grande dimensão no Brasil, nos Estados Unidos, no Canadá, e sabia que os shoppings estavam em crescimento. Decidi logo: eu quero vir para aqui."
O instinto comercial dizia-lhe que aquele era o sítio onde queria começar a sua nova carreira, na restauração. "Havia uma vaga ideia do que era um centro comercial. Isto era uma incógnita muito grande. Os amigos diziam-me que eu estava a meter-me num buraco. Dizia--se que isto ia tudo à falência. Que era um elefante branco." Não se deixou intimidar: "Abri com um sócio uma croissanteria que era o que estava na moda naquela altura. Chamava-se O Outro Croissant e foi um sucesso enorme. Vendemos milhares de croissants naqueles dois primeiros anos", lembra. Da croissanteria passou para um restaurante italiano e para o quiosque do café (que ainda tem) e, finalmente, para a Praça Central, o café que abriu há quatro anos, mesmo por baixo da escadaria das Amoreiras. Passaram-se trinta anos. E da falência nunca mais ninguém falou. João não saiu das Amoreiras: "É a minha casa. Quando sair daqui é para me reformar."
Convém lembrar que Portugal vivia tempos difíceis. Tinha havido uma revolução há uma década, o país tentava recuperar os anos de atraso mas ainda não estava na CEE. Em 1983, tinha sofrido a segunda intervenção do FMI: com o desemprego acima dos 11 % e uma dívida externa galopante, o Fundo Monetário Internacional impôs cortes nos salários da Função Pública, aumentos de preços, cortes nos subsídios de Natal, entre outras medidas. "Foi preciso uma enorme coragem para, nestas condições, o grupo Alves Ribeiro fazer um investimento desta monta", afirma Fernando Oliveira, administrador da Mundicenter, a empresa que gere as Amoreiras e outros centros comerciais.
Mais problemas: não havia transportes nem hotéis nem serviços naquela zona. "Era um ermo", recorda Ana Moreira, presidente da Associação de Antigos Alunos do Liceu Francês, que fica mesmo ali ao lado: "Isto era muito tranquilo, parecia que estávamos fora da cidade."Mesmo assim, Pedro António Costa, o histórico empresário da Loja das Meias, não teve dúvidas em juntar-se ao projeto desde a primeira hora: "A localização era ótima. A cidade estava a crescer e o shopping ia ficar perto do centro mas também perto da saída para Cascais." Claro que houve quem o desaconselhasse mas Pedro Costa acreditou: "Quem não quer correr riscos não pode ser comerciante."
Correram o risco 326 lojistas. "As lojas eram pequenas, tinham de ser pequenas porque a renda era muito alta e não havia grandes empresas como há agora. A maior parte eram negócios de amigos", lembra João Oliveira. "Éramos muitos mas éramos como uma família, os que estiveram nos meses antes, a acompanhar isto tudo". Muitas horas, muitas aventuras. Se aquelas paredes falassem iriam contar histórias de namoros e de arrufos. "Logo no início, o centro fechava às duas da manhã, e depois ainda ficávamos aí durante a noite, porque há muitos trabalhos que só podem ser feitos quando as lojas fecham. Fizemos grande noitadas."
A inauguração, com direito a notícias nos jornais, aconteceu a 27 de setembro de 1985. Horas antes ainda havia paredes a serem pintadas dentro das lojas e muitas correrias nos bastidores. Pedro Costa decidiu assumir o facto: "Arranjei uns placards da polícia que diziam "obras" e trouxe-os para fazer a montra", conta. À excitação da inauguração seguiram-se dois anos difíceis. "Os escritórios ainda não estavam a funcionar e durante a semana quase não havia ninguém... depois ao fim de semana vinham as excursões", lembra João Oliveira. As faladas excursões.
Autocarros vindos de todo o país. Gente para ver o edifício de que toda a gente falava, para andar nas escadas rolantes, para passear nos corredores "largos e iluminados com luz artificial", para sentir o fresquinho do ar condicionado, para comer os hambúrgueres do Garden Burger, que ainda hoje existe, os hambúrgueres iguais aos que se viam nos filmes. E para ver as lojas, claro. "Foram muitas as marcas que quiseram estar aqui desde a inauguração e nestes trinta anos têm sido muitas as marcas que fazem questão de ter nas Amoreiras a sua primeira ou única loja", explica Fernando Oliveira. "Tem a dimensão humana. É grande mas não é grande demais. Tem muita variedade, mas não tem tudo. Tem uma oferta interessante."
Carlos Martins está sentado numa cadeira a ler o jornal, junto a uma planta, no meio de um corredor. "Estou à espera da senhora, que anda nas compras", ri-se. Carlos tem "muitos anos", idade para estar reformado e para se lembrar "perfeitamente" do tempo em que aquele edifício, onde agora está, ainda não existia. A "senhora" aparece pouco depois, com uns sacos na mão. "Passávamos aqui todos os dias, no autocarro. Vimos isto a nascer", lembra ela. "E depois houve o incêndio no Grandella e passámos a vir aqui às compras, no Natal ou quando era preciso alguma coisa especial. Havia aqui muitas coisas que não havia na Baixa, mais modernas." As Amoreiras. "Les Amo", como lhe chamam os alunos do Liceu Francês que ali vão nos intervalos maiores. "As Amoras", como lhes chamam os jovens portugueses a caminho do cinema. Ninguém diria que iam durar trinta anos. Que iam sobreviver aos centros comerciais ainda maiores que surgiram nos anos 1990 e às crises económicas mundiais. Com remodelações, claro.
Ainda este ano, para assinalar este aniversário, a Mundicenter renovou toda a área de alimentação aproveitando mais as janelas. Para o próximo ano, está prevista a abertura do terraço com uma panorâmica de 360º sobre Lisboa. Para atrair os turistas estrangeiros, admite o administrador. "Não há nada assim em Lisboa." Onde é que já ouvimos isto?
por Maria João Caetano
Jornal de Notícias
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