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Desigualdade: o grande desígnio nacional
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Desigualdade: o grande desígnio nacional
Portugal cumpriu este mês 30 anos de integração europeia. É indiscutível que nestas últimas três décadas o país deu um salto em frente, designadamente, em matéria de infraestruturas, serviços e qualificações
Portugal cumpriu este mês 30 anos de integração europeia. É indiscutível que nestas últimas três décadas o país deu um salto em frente, designadamente, em matéria de infraestruturas, serviços e qualificações. Portugal tem hoje mais e melhores equipamentos colectivos, serviços públicos e vias de comunicação e as qualificações das novas gerações de portugueses são incomparavelmente melhores do que as das gerações que as antecederam. Mas se isto deve ser reconhecido, também é verdade, que este desenvolvimento não foi acompanhado por uma melhoria significativa do nível de vida dos portugueses.
Os cerca de 100 mil milhões de euros que Bruxelas injectou na economia portuguesa desde a adesão de Portugal à CEE, a 1 de Janeiro de 1986, a um ritmo de 9 milhões de euros por dia, pouco ou nada contribuíram para a melhoria dos rendimentos da generalidade dos portugueses. Por outras palavras, o dinheiro da Europa não chegou ao bolso do cidadão comum. A parte de leão foi direitinho para as construtoras, outra parte foi consumida pelo próprio Estado, uma parte menor foi destinada ao tecido empresarial, muitas vezes não industrial e não produtivo, e o que sobrou foi dividido entre lobistas, designadamente consultoras e escritórios de advogados.
Os fundos europeus não serviram para aquilo que deviam ter servido: para mudar o paradigma económico do país, assente em mão-de-obra indiferenciada e em baixos salários e para dar lugar a uma economia cuja competitividade estivesse assente em recursos humanos qualificados e bem remunerados. E mesmo o salto educativo que o país teve, e que foi dos aspectos mais positivos da integração europeia, não foi acompanhado das mudanças estruturais que o tecido económico necessitava para tirar partido dessa nova força de trabalho altamente qualificada, que tem vindo a ser desbaratada e empurrada para a emigração, com grave prejuízo para o país.
A verdade, é que trajectória europeia de Portugal tem sido particularmente sofrível. Ao contrário do mito urbano que foi sendo construído, Portugal esteve longe de ser o tão propagandeado bom aluno da Europa. Pelo contrário, foi um aluno relapso, facilitista e cábula, que não fez o trabalho de casa e recorreu à batota para passar nos exames. Mas não se pense que estes maus resultados se ficaram a dever ao povo português, longe disso, deveram-se às suas elites, que preferiram não sair da sua "zona de conforto" e passar a viver de um rendimento máximo garantido, explorando um ciclo de prosperidade artificial.
Senão vejamos, apesar de na primeira década de integração europeia Portugal ter alcançado alguma convergência com a média europeia, nos últimos 20 anos não parou de divergir. Portugal é o segundo país da União Europeia que mais fundos comunitários recebeu e o resultado é um país com cada vez mais pobreza e desigualdade. Se há uma marca que traduz a trajectória de Portugal na Europa é a desigualdade. É como se a desigualdade tivesse sido eleita como o grande desígnio nacional. E se esse foi o propósito, pois bem, foi plenamente alcançado e até superado. Portugal não é apenas um dos países mais desiguais da Europa, é dos países onde o fosso entre pobres e ricos é dos maiores em toda a OCDE.
Segundo dados do Eurostat, Portugal é o quinto país da zona euro com o salário mínimo mais baixo, sendo apenas batido pelos países bálticos, Estónia, Letónia e Lituânia e pela Eslováquia. Isto é, apenas fica atrás de quatro países que quando Portugal aderiu à comunidade europeia, ainda pertenciam ao "bloco comunista", designadamente à União Soviética, no caso dos três países bálticos, e à Checoslováquia, no caso da Eslováquia. Países que enfrentaram uma violenta reconversão do seu modelo de organização social e económica e que apenas entraram para a União Europeia em 2004, quase duas décadas depois de Portugal e que receberam uma ínfima parte das ajudas recebidas por Portugal ao longo dos últimos 30 anos.
Mas se em termos de salário mínimo a situação portuguesa é má, no que se refere ao salário médio, que supostamente deveria remunerar os portugueses com algum nível de qualificações, é ainda pior. Segundo um estudo divulgado recentemente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), Portugal tem o quarto salário médio mais baixo da zona euro, só batido pela Eslováquia, Estónia e Letónia. Neste caso, até a Lituânia tem um salário médio superior ao português. Ainda de acordo com este estudo, apesar dos salários pagos em Portugal serem dos mais baixos entre os países da zona euro, os portugueses são dos que mais horas trabalham. Em Portugal trabalha-se, por exemplo, quase 500 horas mais por ano do que na Alemanha, onde o salário médio é aproximadamente duas vezes e meia superior ao português. E se compararmos com o Luxemburgo, que tem um salário médio quase quatro vezes superior ao português, em Portugal os trabalhadores trabalham mais 200 horas por ano do que os luxemburgueses.
Mas o estudo da OIT vai mais longe e debruça-se também sobre a produtividade média dos trabalhadores. E aqui cai por terra mais um mito urbano, que muitas vezes é invocado para recusar o aumento das remunerações dos trabalhadores. O que este estudo revela, é que ao nível dos países da zona euro, Portugal está colocado a meio da tabela em termos da produtividade dos trabalhadores, à frente de países como a Bélgica, a Alemanha e a França, onde os salários mínimos e médios são várias vezes superiores aos que são praticados em Portugal. Como se explica então, por exemplo, que na Alemanha os trabalhadores trabalhem muito menos horas e sejam menos produtivos do que os trabalhadores portugueses e apesar disso a economia alemã seja a mais forte de toda a zona euro e da União Europeia?
Talvez a responsabilidade pelo sucesso alemão e de tantos outros países da União Europeia, seja o facto desses países terem bons trabalhadores e também elites sérias e esclarecidas. Ter trabalhadores produtivos e explorados, como é o caso de Portugal, não é suficiente para construir o sucesso de um país. Um país de sucesso constrói-se com trabalhadores produtivos e bem remunerados e também com elites decentes. Um país de sucesso não se faz com elites parasitárias e rentistas, que sugam os recursos do país, impedindo a redistribuição da riqueza e condenando uma parte significativa da população ao desemprego, à pobreza e à emigração. Nada que seja verdadeiramente novo e que não tivesse ocorrido noutros momentos da nossa História. A diferença, é que hoje já nem os mais qualificados escapam, como vimos acontecer nos últimos anos, em que aceitámos dar à penhora a nossa melhor geração.
O que muita gente ignora, ou faz por ignorar, é que os países onde os níveis de desigualdade são mais baixos são precisamente aqueles em que os níveis de remuneração do trabalho são mais altos. É isso que distingue os países… de sítios mal frequentados.
11:25 • Daniel Adrião
Revista Sábado
Portugal cumpriu este mês 30 anos de integração europeia. É indiscutível que nestas últimas três décadas o país deu um salto em frente, designadamente, em matéria de infraestruturas, serviços e qualificações. Portugal tem hoje mais e melhores equipamentos colectivos, serviços públicos e vias de comunicação e as qualificações das novas gerações de portugueses são incomparavelmente melhores do que as das gerações que as antecederam. Mas se isto deve ser reconhecido, também é verdade, que este desenvolvimento não foi acompanhado por uma melhoria significativa do nível de vida dos portugueses.
Os cerca de 100 mil milhões de euros que Bruxelas injectou na economia portuguesa desde a adesão de Portugal à CEE, a 1 de Janeiro de 1986, a um ritmo de 9 milhões de euros por dia, pouco ou nada contribuíram para a melhoria dos rendimentos da generalidade dos portugueses. Por outras palavras, o dinheiro da Europa não chegou ao bolso do cidadão comum. A parte de leão foi direitinho para as construtoras, outra parte foi consumida pelo próprio Estado, uma parte menor foi destinada ao tecido empresarial, muitas vezes não industrial e não produtivo, e o que sobrou foi dividido entre lobistas, designadamente consultoras e escritórios de advogados.
Os fundos europeus não serviram para aquilo que deviam ter servido: para mudar o paradigma económico do país, assente em mão-de-obra indiferenciada e em baixos salários e para dar lugar a uma economia cuja competitividade estivesse assente em recursos humanos qualificados e bem remunerados. E mesmo o salto educativo que o país teve, e que foi dos aspectos mais positivos da integração europeia, não foi acompanhado das mudanças estruturais que o tecido económico necessitava para tirar partido dessa nova força de trabalho altamente qualificada, que tem vindo a ser desbaratada e empurrada para a emigração, com grave prejuízo para o país.
A verdade, é que trajectória europeia de Portugal tem sido particularmente sofrível. Ao contrário do mito urbano que foi sendo construído, Portugal esteve longe de ser o tão propagandeado bom aluno da Europa. Pelo contrário, foi um aluno relapso, facilitista e cábula, que não fez o trabalho de casa e recorreu à batota para passar nos exames. Mas não se pense que estes maus resultados se ficaram a dever ao povo português, longe disso, deveram-se às suas elites, que preferiram não sair da sua "zona de conforto" e passar a viver de um rendimento máximo garantido, explorando um ciclo de prosperidade artificial.
Senão vejamos, apesar de na primeira década de integração europeia Portugal ter alcançado alguma convergência com a média europeia, nos últimos 20 anos não parou de divergir. Portugal é o segundo país da União Europeia que mais fundos comunitários recebeu e o resultado é um país com cada vez mais pobreza e desigualdade. Se há uma marca que traduz a trajectória de Portugal na Europa é a desigualdade. É como se a desigualdade tivesse sido eleita como o grande desígnio nacional. E se esse foi o propósito, pois bem, foi plenamente alcançado e até superado. Portugal não é apenas um dos países mais desiguais da Europa, é dos países onde o fosso entre pobres e ricos é dos maiores em toda a OCDE.
Segundo dados do Eurostat, Portugal é o quinto país da zona euro com o salário mínimo mais baixo, sendo apenas batido pelos países bálticos, Estónia, Letónia e Lituânia e pela Eslováquia. Isto é, apenas fica atrás de quatro países que quando Portugal aderiu à comunidade europeia, ainda pertenciam ao "bloco comunista", designadamente à União Soviética, no caso dos três países bálticos, e à Checoslováquia, no caso da Eslováquia. Países que enfrentaram uma violenta reconversão do seu modelo de organização social e económica e que apenas entraram para a União Europeia em 2004, quase duas décadas depois de Portugal e que receberam uma ínfima parte das ajudas recebidas por Portugal ao longo dos últimos 30 anos.
Mas se em termos de salário mínimo a situação portuguesa é má, no que se refere ao salário médio, que supostamente deveria remunerar os portugueses com algum nível de qualificações, é ainda pior. Segundo um estudo divulgado recentemente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), Portugal tem o quarto salário médio mais baixo da zona euro, só batido pela Eslováquia, Estónia e Letónia. Neste caso, até a Lituânia tem um salário médio superior ao português. Ainda de acordo com este estudo, apesar dos salários pagos em Portugal serem dos mais baixos entre os países da zona euro, os portugueses são dos que mais horas trabalham. Em Portugal trabalha-se, por exemplo, quase 500 horas mais por ano do que na Alemanha, onde o salário médio é aproximadamente duas vezes e meia superior ao português. E se compararmos com o Luxemburgo, que tem um salário médio quase quatro vezes superior ao português, em Portugal os trabalhadores trabalham mais 200 horas por ano do que os luxemburgueses.
Mas o estudo da OIT vai mais longe e debruça-se também sobre a produtividade média dos trabalhadores. E aqui cai por terra mais um mito urbano, que muitas vezes é invocado para recusar o aumento das remunerações dos trabalhadores. O que este estudo revela, é que ao nível dos países da zona euro, Portugal está colocado a meio da tabela em termos da produtividade dos trabalhadores, à frente de países como a Bélgica, a Alemanha e a França, onde os salários mínimos e médios são várias vezes superiores aos que são praticados em Portugal. Como se explica então, por exemplo, que na Alemanha os trabalhadores trabalhem muito menos horas e sejam menos produtivos do que os trabalhadores portugueses e apesar disso a economia alemã seja a mais forte de toda a zona euro e da União Europeia?
Talvez a responsabilidade pelo sucesso alemão e de tantos outros países da União Europeia, seja o facto desses países terem bons trabalhadores e também elites sérias e esclarecidas. Ter trabalhadores produtivos e explorados, como é o caso de Portugal, não é suficiente para construir o sucesso de um país. Um país de sucesso constrói-se com trabalhadores produtivos e bem remunerados e também com elites decentes. Um país de sucesso não se faz com elites parasitárias e rentistas, que sugam os recursos do país, impedindo a redistribuição da riqueza e condenando uma parte significativa da população ao desemprego, à pobreza e à emigração. Nada que seja verdadeiramente novo e que não tivesse ocorrido noutros momentos da nossa História. A diferença, é que hoje já nem os mais qualificados escapam, como vimos acontecer nos últimos anos, em que aceitámos dar à penhora a nossa melhor geração.
O que muita gente ignora, ou faz por ignorar, é que os países onde os níveis de desigualdade são mais baixos são precisamente aqueles em que os níveis de remuneração do trabalho são mais altos. É isso que distingue os países… de sítios mal frequentados.
11:25 • Daniel Adrião
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