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Invasão da vida privada ou alarme social?

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Invasão da vida privada ou alarme social? Empty Invasão da vida privada ou alarme social?

Mensagem por Admin Qua Jan 27, 2016 11:50 am

O juiz português Paulo Pinto de Albuquerque que não poupou críticas aos juízes europeus.

Numa decisão que mereceu os holofotes da comunicação social durante a passada semana, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) veio, no dia 12 de janeiro, pronunciar-se pela não violação por parte do Governo romeno dos direitos de privacidade de um trabalhador de uma empresa de tal Estado, assim legitimando o despedimento daquele com base na manutenção de conversas pessoais numa sala de conversação on-line (chat), durante o horário de trabalho, através do computador disponibilizado pela empresa. Desalinhado com esta decisão esteve porém o juiz português Paulo Pinto de Albuquerque que não poupou críticas aos juízes europeus.

O debate e a discussão em torno do respeito pela intimidade da vida privada e familiar no âmbito da monitorização e controlo das comunicações (quer telefónicas, quer electrónicas) por parte do empregador não é recente, a decisão e abordagem agora feita pelo TEDH é que o é. Num contexto social em que a evolução tecnológica se afirma diariamente pela criação de inovadores e constantes mecanismos de comunicação (que merecem um elevado grau de adesão um pouco por todo o mundo), os seus reflexos e consequências nas relações laborais e na dinâmica da dualidade da vida privada-vida profissional vão sendo diariamente postos à prova.

A realidade hoje dominante – na qual proliferam as redes sociais e os mecanismos de comunicação instantânea (desde aplicações mobile como o whatsapp até chats on-line como o facebook Messenger, o Hangouts da Google, ou o Yahoo Messenger) – conduz a que esta decisão do TEDH mereça o olhar atento quer dos trabalhadores quer dos empregadores.

Em absoluta contradição com o que conduziu à reclamação junto de si apresentada pelo trabalhador, o TEDH sufragou não ter havido violação do direito ao respeito pela vida privada e familiar, consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, amparando-se no facto de existir uma norma constante de regulamento interno da empresa segundo a qual a utilização para fins pessoais das instalações e equipamentos da empresa (incluindo o acesso à internet) beneficiava de uma estrita e absoluta proibição.

Para aqueles que se debatem diariamente com este tipo de temas, assola a questão de saber qual o impacto desta decisão na ordem jurídica portuguesa, ou seja, como é que Portugal deve entender e receber esta decisão.

Também em Portugal o empregador pode estabelecer regras de conduta e de utilização dos instrumentos de trabalho colocados à disposição do trabalhador através da elaboração de regulamentos internos. Contudo, algumas vozes têm defendido que este poder não pode ser entendido em termos absolutos, na medida em que o empregador não pode, desde logo, proibir de forma absoluta a utilização pessoal ou privada de telefones, telemóveis, correio electrónico e de acesso à internet. Neste sentido, já em 2013, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) fazia ver que tal proibição, mais do que irrealista, seria de concretização impossível[1].

Volvidos 3 anos sobre esta deliberação da CNPD, tendemos a aceitar que no estabelecimento de regras de utilização e controlo dos meios de trabalho colocados à disposição do trabalhador, incluindo o acesso à internet, deve ser procurado um equilíbrio entre os interesses do empregador e as expectativas de privacidade dos seus trabalhadores. Deste modo, será legítimo aos empregadores a implementação, por exemplo, de sistemas de filtragem no acesso à internet.

Ora, o que esteve na base da decisão proferida pelo TEDH foi, na sua essencialidade, uma proibição absoluta de utilização privada deste meio electrónico durante o tempo de trabalho, o que, nos dizeres da CNPD, são hoje inaceitáveis.

E como refere o nosso juiz Paulo Pinto de Albuquerque no seu voto de vencido ao Acórdão do TEDH, “os trabalhadores não abandonam o seu direito à privacidade e à protecção dos seus dados, todas as manhãs, à porta dos locais de trabalho”[2]. Mais que isso, a vida profissional de cada trabalhador não pode chegar ao ponto de absorver por completo a sua vida pessoal. Como lembrava a CNPD a propósito da utilização de telefones da empresa para realização de chamadas de carácter pessoal, “há necessidades e problemas do dia-a-dia que não podem deixar de ser resolvidos e podem implicar o recurso ao telefone do empregador durante o tempo e no local de trabalho”[3].

Assim, e apesar da celeuma gerada em torno desta decisão do TEDH, o certo é que a mesma não implicou uma mudança das regras vigentes em Portugal. Como não mudou as regras no seio do Conselho da Europa, onde se inclui a jurisdição do TEDH. Não se deverá pois assumir que esta decisão do TEDH acende uma luz verde para legitimar que qualquer empregador, em qualquer circunstância, poderá aceder às comunicações e conversações electrónicas tidas pelo trabalhador com terceiros através de computadores da empresa, no tempo e local de trabalho. Em rigor, e como bem nota Paulo Pinto de Albuquerque, a decisão é susceptível de crítica, pelo que, ao que se crê, os tribunais portugueses deverão recebê-la com elevada cautela. A fronteira entre a vida pessoal e a profissional, entre o direito à reserva de intimidade da vida privada e os interesses do empregador mantém-se pouco clara, subsistindo a necessidade de avaliar o caso em concreto, tendo em especial consideração as orientações que vêm sendo seguidas pela CNPD nesta matéria.

Por Inês Albuquerque e Castro, coordenadora do departamento de Direito Laboral e por Susana Bradford Ferreira, estagiária do departamento de Direito Laboral, ambas da FCB

[1] Veja-se a deliberação n.º 1638/2013 da CNPD, disponível em www.cnpd.pt.

[2] Traduzido do voto de vencido parcial de Paulo Pinto de Albuquerque, disponível em www.coe.int/en/.

[3] Na já referida deliberação n.º 1638/2013 da CNPD.

Publicado em: 27/01/2016 - 11:27:03
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