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O veto à ingerência na vida privada
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O veto à ingerência na vida privada
Ações indiscriminadas do Estado sobre a vida pessoal dos indivíduos revelam uma estranha sobranceria moral do Estado sobre a vida da comunidade dos indivíduos.
O recente veto do Presidente da Republica sobre o diploma legislativo do Governo da Republica que pretendia conceder à Administração Fiscal a possibilidade de monitorizar as contas bancárias de qualquer cidadão a partir de determinado valor sem que ao mesmo estivesse imputada qualquer suspeita de ilegalidade ou de qualquer irregularidade revelou-se uma decisão de elevada maturidade democrática e de preservação da dignidade humana. É que, face à realidade da evasão fiscal, e à dificuldade latente de monitorizar o comportamento dos indivíduos, das empresas e instituições, tal não pressupõe um vale-tudo ou uma exacerbada ingerência na vida económica, e das economias, e por isso da vida privada das pessoas.
Os modelos e os programas de prevenção e de repressão às mais diversas formas de criminalidade, num mundo democrático e de respeito pelos diretos, liberdades e garantias elementares da vida humana, devem pressupor limites de âmbito ético, e moral que ultrapassam quaisquer imponderáveis de natureza legal justificativos para que o quadro civilizacional alcançado possa, sem que nos apercebamos, ser infletido noutras direções mais fáceis à pulsão de uma imediata e indiscriminatória solução tecnológica, sustentada pela legalidade, de pan-controlo da vida económica em razão de necessidades de prevenção e repressão da fraude ao fisco.
A prevenção e a repressão constituem-se simultaneamente em dimensões e em instrumentos que devem ser implementados de forma dirigida, obedecendo a uma estratégia que pressuponha investimentos adequados de modo a alcançar com eficácia e eficiência determinados objetivos, mas no limite do tolerável à condição e à dignidade humana. Efetivamente ações indiscriminadas do Estado sobre a vida pessoal dos indivíduos revelam uma estranha sobranceria moral do Estado sobre a vida da comunidade dos indivíduos.
No estádio civilizacional atual, não é admissível que se arquitetem modelos e instrumentos de prevenção ou de repressão que atinjam a liberdade e a reserva da vida privada de todos, coartando-as, devido ao comportamento lesivo de alguns. Para tal, e ao invés de tal, incumbe ao Estado através dos meios próprios e adequados que proceda à recolha de informação que conduza à construção da suspeita fundamentada, e assim, e só assim, a prossecução necessária e proporcional, e essa sim, conforme a legalidade.
Mas a efetiva fraude sobre os valores democráticos, e de respeito pela vida privada, encontramo-la enunciadas na estratégia seguida. Travestindo determinada possibilidade ou instrumento sob a capa de uma alegada legalidade, legitima-se a ingerência, e a violação de princípios basilares sobre os quais assentam a nossa forma de viver, esquecendo que a legalidade enquanto forma de legitimação social deve ser sempre erigida sobre a moral dominante, e os valores que lhe subjazem.
05/10/2016
José Leal
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
O recente veto do Presidente da Republica sobre o diploma legislativo do Governo da Republica que pretendia conceder à Administração Fiscal a possibilidade de monitorizar as contas bancárias de qualquer cidadão a partir de determinado valor sem que ao mesmo estivesse imputada qualquer suspeita de ilegalidade ou de qualquer irregularidade revelou-se uma decisão de elevada maturidade democrática e de preservação da dignidade humana. É que, face à realidade da evasão fiscal, e à dificuldade latente de monitorizar o comportamento dos indivíduos, das empresas e instituições, tal não pressupõe um vale-tudo ou uma exacerbada ingerência na vida económica, e das economias, e por isso da vida privada das pessoas.
Os modelos e os programas de prevenção e de repressão às mais diversas formas de criminalidade, num mundo democrático e de respeito pelos diretos, liberdades e garantias elementares da vida humana, devem pressupor limites de âmbito ético, e moral que ultrapassam quaisquer imponderáveis de natureza legal justificativos para que o quadro civilizacional alcançado possa, sem que nos apercebamos, ser infletido noutras direções mais fáceis à pulsão de uma imediata e indiscriminatória solução tecnológica, sustentada pela legalidade, de pan-controlo da vida económica em razão de necessidades de prevenção e repressão da fraude ao fisco.
A prevenção e a repressão constituem-se simultaneamente em dimensões e em instrumentos que devem ser implementados de forma dirigida, obedecendo a uma estratégia que pressuponha investimentos adequados de modo a alcançar com eficácia e eficiência determinados objetivos, mas no limite do tolerável à condição e à dignidade humana. Efetivamente ações indiscriminadas do Estado sobre a vida pessoal dos indivíduos revelam uma estranha sobranceria moral do Estado sobre a vida da comunidade dos indivíduos.
No estádio civilizacional atual, não é admissível que se arquitetem modelos e instrumentos de prevenção ou de repressão que atinjam a liberdade e a reserva da vida privada de todos, coartando-as, devido ao comportamento lesivo de alguns. Para tal, e ao invés de tal, incumbe ao Estado através dos meios próprios e adequados que proceda à recolha de informação que conduza à construção da suspeita fundamentada, e assim, e só assim, a prossecução necessária e proporcional, e essa sim, conforme a legalidade.
Mas a efetiva fraude sobre os valores democráticos, e de respeito pela vida privada, encontramo-la enunciadas na estratégia seguida. Travestindo determinada possibilidade ou instrumento sob a capa de uma alegada legalidade, legitima-se a ingerência, e a violação de princípios basilares sobre os quais assentam a nossa forma de viver, esquecendo que a legalidade enquanto forma de legitimação social deve ser sempre erigida sobre a moral dominante, e os valores que lhe subjazem.
05/10/2016
José Leal
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
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