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Desafios da mudança estrutural
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Desafios da mudança estrutural
O reconhecimento teórico da legitimidade da política industrial tem aumentado em paralelo com a redução do seu espaço de actuação na prática.
A política industrial é a acção estratégica do Estado com o objectivo de infuenciar a composição sectorial e promover a transformação estrutural da economia. Tem muitos pontos de contacto com aquilo que, de forma um pouco mais ampla, podemos designar por políticas de desenvolvimento – sobretudo se estivermos a falar de desenvolvimento económico, enquanto mudança estrutural da economia. No fundo, a política industrial é o sub-conjunto das políticas económicas de desenvolvimento que visa deliberadamente promover de forma diferenciada determinados sectores e actividades. É por isso um termo que resulta melhor em inglês do que em português, já que “industry”, em inglês, está mais próximo do português “sector”, enquanto que “indústria”, em português, tem um significado muito ligado à actividade especificamente transformadora.
São muitos os instrumentos tradicionalmente utilizados pelos Estados para este efeito – dos incentivos fiscais às barreiras alfandegárias, passando pelas compras do Estado ou pela concessão de crédito bonificado. Em todos os casos, o recurso a estes instrumentos pressupõe um conceito estratégico do tipo de transformação estrutural da economia que se pretende promover – e isso, por sua vez, pressupõe a consciência de que a acção irrestrita das forças de mercado, sem intervenção pública, produz resultados que, mesmo do ponto de vista do desenvolvimento estritamente económico, não são os desejáveis.
Isto contrasta com o credo dominante em matéria de especialização produtiva das nações, que é a teoria das vantagens comparativas – a ideia que cada economia tem a ganhar em especializar-se na produção daquilo em que for relativamente melhor (ou menos má), o que por sua vez decorre da sua dotação de mão-de-obra, recursos naturais, etc. Só que este resultado teórico, para além de assentar em pressupostos particulares, é fundamentalmente estático – ao passo que o desenvolvimento económico é fundamentalmente dinâmico. A especialização segundo as vantagens comparativas corresponde a aceitar o que é dado; o desenvolvimento económico implica transformar-se em algo de diferente.
Mas como identificar esse “algo de diferente”? Para as economias mais avançadas, prosseguir essa transformação implica muitas vezes inovar na fronteira das possibilidades tecnológicas. Para as economias em desenvolvimento, porém, as economias mais avançadas revelam desde logo um universo de possibilidades de transformação produtiva. Não precisam de desenvolver tecnologias de ponta; basta serem bem sucedidas a adoptar processos e produtos mais avançados já existentes (o que, claro está, é mais fácil de dizer do que de fazer).
Os tipos de políticas mais comuns num e noutro caso tendem a ser distintos. Nas economias mais avançadas, a acção do Estado tende a ser mais transversal, concentrando-se no apoio à existência de espaços de descoberta não necessariamente direccionados, incluindo o apoio à investigação fundamental, e nos contratos públicos como mecanismos de desenvolvimento de mercado. Já para as economias em desenvolvimento, passa tipicamente pelo apoio ao desenvolvimento de sectores específicos, em geral correspondentes aos degraus seguintes no processo de sofisticação produtiva.
Apesar do que referi atrás sobre as vantagens comparativas como parte do credo central da economia dominante, a legitimidade da intervenção pública é hoje em dia bastante mais consensual do que no passado. Um exemplo é a Nova Economia Estrutural de Justin Yifu Lin, anterior economista-chefe do Banco Mundial, que advoga a promoção pelo Estado do processo de mudança estrutural através da adopção de processos e actividades “na vizinhança” daqueles que são já levados a cabo.
As principais divergências, tal como ilustradas num debate recente entre Lin e Ha-Joon Chang, incidem sobre até que ponto é desejável às economias saltar etapas e afastar-se daquilo que aparentemente corresponderia às suas vantagens comparativas (ou, no limite, até que ponto é que o próprio conceito de vantagem comparativa tem valor teórico e prático).
E em relação ao caso português, que podemos dizer em poucas palavras? A economia portuguesa tem a este nível algumas particularidades relevantes. Por um lado, sobretudo devido às regras comunitárias em matéria de concorrência, o Estado português encontra-se hoje em dia bastante coarctado na possibilidade de mobilização da maior parte dos instrumentos tradicionais de política industrial, sobretudo os que visem apoiar sectores e actividades específicos. Por outro lado, apesar de Portugal ser claramente uma economia avançada (em termos de dotação factorial e níveis de produtividade), são raros os processos e sectores em que se encontra na fronteira da sofisticação tecnológica. No índice de complexidade económica desenvolvido por Hausmann e Hidalgo, Portugal encontrava-se em 2014 em 36º lugar de 124 países, atrás da quase totalidade dos países da União Europeia. Quer isto dizer que Portugal é das economias da UE que mais teriam a ganhar com a mobilização do tipo de políticas industriais – mais verticais e direccionadas – que as regras comunitárias mais dificultam. É mais um dos dilemas da participação portuguesa no processo europeu. Não vedando totalmente a actuação neste domínio, implica com certeza dificuldades e desafios acrescidos.
Nota: termino com este texto a minha participação neste espaço. Ao Expresso, à equipa editorial e aos leitores, o meu caloroso agradecimento pela atenção dedicada.
03.02.2016 às 8h31
ALEXANDRE ABREU
Expresso
A política industrial é a acção estratégica do Estado com o objectivo de infuenciar a composição sectorial e promover a transformação estrutural da economia. Tem muitos pontos de contacto com aquilo que, de forma um pouco mais ampla, podemos designar por políticas de desenvolvimento – sobretudo se estivermos a falar de desenvolvimento económico, enquanto mudança estrutural da economia. No fundo, a política industrial é o sub-conjunto das políticas económicas de desenvolvimento que visa deliberadamente promover de forma diferenciada determinados sectores e actividades. É por isso um termo que resulta melhor em inglês do que em português, já que “industry”, em inglês, está mais próximo do português “sector”, enquanto que “indústria”, em português, tem um significado muito ligado à actividade especificamente transformadora.
São muitos os instrumentos tradicionalmente utilizados pelos Estados para este efeito – dos incentivos fiscais às barreiras alfandegárias, passando pelas compras do Estado ou pela concessão de crédito bonificado. Em todos os casos, o recurso a estes instrumentos pressupõe um conceito estratégico do tipo de transformação estrutural da economia que se pretende promover – e isso, por sua vez, pressupõe a consciência de que a acção irrestrita das forças de mercado, sem intervenção pública, produz resultados que, mesmo do ponto de vista do desenvolvimento estritamente económico, não são os desejáveis.
Isto contrasta com o credo dominante em matéria de especialização produtiva das nações, que é a teoria das vantagens comparativas – a ideia que cada economia tem a ganhar em especializar-se na produção daquilo em que for relativamente melhor (ou menos má), o que por sua vez decorre da sua dotação de mão-de-obra, recursos naturais, etc. Só que este resultado teórico, para além de assentar em pressupostos particulares, é fundamentalmente estático – ao passo que o desenvolvimento económico é fundamentalmente dinâmico. A especialização segundo as vantagens comparativas corresponde a aceitar o que é dado; o desenvolvimento económico implica transformar-se em algo de diferente.
Mas como identificar esse “algo de diferente”? Para as economias mais avançadas, prosseguir essa transformação implica muitas vezes inovar na fronteira das possibilidades tecnológicas. Para as economias em desenvolvimento, porém, as economias mais avançadas revelam desde logo um universo de possibilidades de transformação produtiva. Não precisam de desenvolver tecnologias de ponta; basta serem bem sucedidas a adoptar processos e produtos mais avançados já existentes (o que, claro está, é mais fácil de dizer do que de fazer).
Os tipos de políticas mais comuns num e noutro caso tendem a ser distintos. Nas economias mais avançadas, a acção do Estado tende a ser mais transversal, concentrando-se no apoio à existência de espaços de descoberta não necessariamente direccionados, incluindo o apoio à investigação fundamental, e nos contratos públicos como mecanismos de desenvolvimento de mercado. Já para as economias em desenvolvimento, passa tipicamente pelo apoio ao desenvolvimento de sectores específicos, em geral correspondentes aos degraus seguintes no processo de sofisticação produtiva.
Apesar do que referi atrás sobre as vantagens comparativas como parte do credo central da economia dominante, a legitimidade da intervenção pública é hoje em dia bastante mais consensual do que no passado. Um exemplo é a Nova Economia Estrutural de Justin Yifu Lin, anterior economista-chefe do Banco Mundial, que advoga a promoção pelo Estado do processo de mudança estrutural através da adopção de processos e actividades “na vizinhança” daqueles que são já levados a cabo.
As principais divergências, tal como ilustradas num debate recente entre Lin e Ha-Joon Chang, incidem sobre até que ponto é desejável às economias saltar etapas e afastar-se daquilo que aparentemente corresponderia às suas vantagens comparativas (ou, no limite, até que ponto é que o próprio conceito de vantagem comparativa tem valor teórico e prático).
E em relação ao caso português, que podemos dizer em poucas palavras? A economia portuguesa tem a este nível algumas particularidades relevantes. Por um lado, sobretudo devido às regras comunitárias em matéria de concorrência, o Estado português encontra-se hoje em dia bastante coarctado na possibilidade de mobilização da maior parte dos instrumentos tradicionais de política industrial, sobretudo os que visem apoiar sectores e actividades específicos. Por outro lado, apesar de Portugal ser claramente uma economia avançada (em termos de dotação factorial e níveis de produtividade), são raros os processos e sectores em que se encontra na fronteira da sofisticação tecnológica. No índice de complexidade económica desenvolvido por Hausmann e Hidalgo, Portugal encontrava-se em 2014 em 36º lugar de 124 países, atrás da quase totalidade dos países da União Europeia. Quer isto dizer que Portugal é das economias da UE que mais teriam a ganhar com a mobilização do tipo de políticas industriais – mais verticais e direccionadas – que as regras comunitárias mais dificultam. É mais um dos dilemas da participação portuguesa no processo europeu. Não vedando totalmente a actuação neste domínio, implica com certeza dificuldades e desafios acrescidos.
Nota: termino com este texto a minha participação neste espaço. Ao Expresso, à equipa editorial e aos leitores, o meu caloroso agradecimento pela atenção dedicada.
03.02.2016 às 8h31
ALEXANDRE ABREU
Expresso
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