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A ESTAÇÃO
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A ESTAÇÃO
Entrei na estação, duas estações acima da estação de saída. Era uma estação de comboios já antiga, rodeada de um manto de neve que transformava toda a rua num longo caminho branco e gelado, escondendo debaixo o seu manto verde de relva que adormecia gelada sob o cobertor forçado. Tirei o bilhete na máquina automática e sentei-me na sala de espera, aquecida e despida de qualquer enfeite na parede. Lá dentro, dois longos bancos de madeira que deixavam que o sol, entrado pela janela, se sentasse ao lado de todas as pessoas. A estação era fria e ao mesmo tempo, muito quente no seu interior. Não me sentia ali em casa. Nunca me poderia sentir em casa numa estação de comboios que servem apenas para albergar as pessoas que entram e dela saem diariamente.
Esperei 40 minutos até que o próximo comboio voltasse. À aproximação dos minutos marcados no relógio, levantei-me da sala aquecida e aproximei-me da plataforma gelada e branca ela também, mostrando apenas o carris desse comboio que chegava agora. Esperei à porta que saíssem os passageiros e entrei como todos os outros. No gelo, as caras pareciam esticadas pelo frio e os sorrisos fechavam-se cada vez que se tentava respirar mais profundamente. Entre no comboio que deixara todos saírem e todos entrarem. Lá dentro, o revisor passava pelo corredor, retirando os bilhetes e colocando em cada um dos bancos algo parecido com o bingo que tinha letras e números. Confesso-me perdido na interpretação do seu significado.
No percurso, sentado num dos bancos esverdeados e despidos de vida, ouvia apenas o barulho feito pelo comboio a passar cada uma das alterações na linha longa, desnudada e fria. Ao lado, parecia-me que as casas, também elas geladas, passavam por mim ou eu é que passava por elas sem que soubesse entender na totalidade o desenho de cada uma delas. Ao lado e a toda a volta, árvores que se erguiam no ar, umas despidas outras ainda a ostentarem a folhagem que conseguiram manter apesar da neve que sobre elas se abateu.
Passei várias estações, já não me lembro bem quantas nem quais, sei que as passei e sabia em qual devia abandonar o comboio e parar a viagem. A neve diminuía à medida que aumentava o número de edifícios. Hoje, ao contrário do último dia, não me perderia na viagem nem teria de perguntar ao revisor como voltar ao ponto desejado de chegada, enquanto este continuava a furar os papéis do bingo cujo propósito não percebia. Hei de perceber um dia, insisto comigo próprio.
Hoje, o revisor, o mesmo que me indicou o caminho, alertou-me sobre as paragens seguintes e em qual deveria ficar. Alegrou-me que me reconhecesse e se preocupasse em me ajudar. Sorri e acenei, agradecendo na sua língua. Já sabia qual era a estação. Parava nela neste dia como tinha parado no dia anterior, dia em que eu e o revisor não nos encontrámos. O comboio parou e dirigi-me à saída, andando de forma atrapalhada por causa das paragens atrapalhadas do comboio e dos sapatos que, por serem novos, me feriram já o pé. Insisto em usá-los.
Desço as escadas e dirijo-me à rua para esperar o transporte que me levará ao destino final. Ontem como hoje, partilho o abrigo de espera com uma mulher que vive alheada do que se passa ao seu lado. Sentada com auriculares vermelhos gigantes com um carro de supermercado, contendo toda a sua vida e memória, coberto de mantas que se revezam para a cobrir a ela também ajudando-a a sentir-se na casa que não tem, abrigada do frio, da neve e do gelo.
Olhamo-nos e sorrimos do que nos rodeia, ambos alheados, um por não o conhecer a outra por conhecer tão bem e preferir essa distância, deixando-se deambular entre o som dos auriculares, os olhos que se voltam a fechar e os cobertores que são seus porque alguém não quis.
José Carlos Adão
Professor
Tribuna Alentejo.pt
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