Números gelados

Contrata-se cabeleireiro para o Ártico, dizia ontem o DN. Uma cidadezinha no noroeste do Canadá tem tudo menos quem trate os cabelos dos habitantes. É mais ou menos como o Serviço Nacional de Saúde: tem tudo menos profissionais que tratem os dentes. Com algumas diferenças. Em Norman Wells, nenhum dos 766 habitantes tem de pagar cortes ou tratamentos, mas quem em Portugal quiser manter uma razoável saúde oral tem de pagá-la e duplamente. Paga a consulta privada e paga impostos. Na verdade, é incorreto dizer que não há dentistas no SNS: há 20, ou antes, há vinte, porque deixando o número escrito por extenso não há margem para dúvidas. Feitas as contas, cada dentista teria a cargo as bocas de 500 mil pessoas. Números que nos deixam gelados, está claro, e nem vale a pena invocar a comparação com a recomendação da Organização Mundial da Saúde: um profissional para 2500 habitantes. O lado bom da história é que nas últimas décadas, e à custa dos orçamentos familiares e de mais informação, os dentes dos portugueses têm melhorado a olhos vistos. Com a atenção dada aos cuidados de higiene oral, com a aplicação de flúor, com as idas regulares aos consultórios, até mesmo com os cheques-dentista - mais de 400 mil usados no ano passado por grupos que são prioritários. Não é por falta de profissionais que os números do SNS são como são, porque neste campo o país é um grande exportador e todos os anos saem centenas das faculdades. Trata-se mesmo de uma opção política, naquilo que a política tem de mais importante, isto é, o bem público. Arranca até ao fim do ano um projeto-piloto que vai colocar dentistas nos cuidados de saúde primários, medida que para o presidente da associação dos médicos de família tem "prioridade máxima". Informação para potenciais cabeleireiros em Norman Wells: a temperatura prevista para hoje varia entre os 19 e os 28 graus negativos.

Editorial
16 DE FEVEREIRO DE 2016
00:00
Ana Sousa Dias
Diário de Notícias