Por que diminui o valor do trabalho

O valor do trabalho está a decair. Todos o sabemos. Mas de que trabalho? E o valor da criatividade, como vai? Estas perguntas, um pouco provocatórias, partem de uma questão interessante levantada por Nassim Taleb (autor de 'Cisne Negro' e 'Antifrágil', professor de Ciências da Incerteza - eu sei que o nome parece a gozar, mas não é -, da Universidade do Massachussets) acerca de um conselho de emprego que lhe deram, quando ainda era estudante.

Disse-lhe um amigo: arranja um emprego que seja 'escalável', ou seja, no qual possa haver ganhos de escala. Isto significa o quê? Para responder é melhor recorrer aos exemplos simples de que o próprio autor se socorre. Por exemplo: o trabalho que dá a escrever um livro que apenas 100 pessoas lerão é o mesmo do que escrever o mesmo livro se ele for lido por 100 milhões de pessoas. Isto é 'escalável'. Já um médico, por bom e dedicado que seja, pode ver 10, 15 ou 20 doentes por dia. Mas não pode mais. Isto não 'escalável'. Um programa de computador (software) é igual independentemente do número de vezes que vai ser licenciado. Mas a melhor cadeia de produção de computadores do mundo não pode fazer mais que um determinado número de máquinas por dia, por mês ou por ano. O primeiro exemplo é de algo 'escalável' - o que fizeram Bill Gates, Steve Jobs, Eric Schmidt - o segundo é não 'escalável'.

E por isso, tudo o que não é 'escalável' acaba por ir para países onde a mão de obra é barata. A China e a Índia, o Paquistão e o Bangladesh, o Vietname e Taiwan. Mas o conhecimento, a criatividade 'escalável' continua no Ocidente. Qual é o escritor que mais livros vende? J.K. Rowling, a autora de Harry Potter (em 2004, segundo a revista 'Forbes', foi a primeira pessoa a tornar-se bilionária só a escrever livros) - eis algo muito 'escalável'.

Isto aumenta, naturalmente, a diferença de rendimentos entre os criativos e os 'repetitivos'. Como podemos, na atualidade, combater esta desigualdade? Os criativos podem tornar-se multimilionários de um momento para o outro. Os repetitivos podem ter carreiras interessantes, vidas até confortáveis, bons ordenados (embora a maioria deles tenha péssimos salários), mas não ficam milionários. E depois, com a automatização, temos a legião de desempregados que nem direitos quase chegam a ter.

É assim, e com tudo o resto que sabemos, que o mundo que estamos a construir já é muito diferente daquele em que crescemos, em que se formaram os sindicatos em que se pensou que se poderia reequilibrar os rendimentos através de redistribuições.

Podem dizer aos vossos filhos para terem uma ocupação 'escalável'. Taleb conseguiu-o escrevendo o best-seller Cisne Negro (traduzido em 31 idiomas e 36 semanas na lista do 'New York Times'). Antes disso já tinha sido um bem-sucedido gestor de fundos de risco e já era rico. Mas todos sabemos que o talento, a criatividade, o espírito de risco e a sorte (que também é necessária) não são coisas que se redistribuam.

É este um dos nossos problemas. Cada vez ganhamos menos em comparação com o esforço que fazemos e com o que ganham os mais criativos do que nós.

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