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Politicamente correcto
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Politicamente correcto
A ideologia do politicamente correcto impregnou e deformou a tal ponto o pensamento e a acção de tanta gente por esse Ocidente fora que quase todos os dias nos chegam notícias de atitudes insólitas, geradas pela vontade de não ofender ninguém
Para corresponder ao "desconforto" de alguns dos visitantes pertencentes a minorias étnicas, a direcção do Rijksmuseum, o conhecido museu holandês, decidiu alterar certos títulos das obras que expõe, de modo a eliminar palavras tidas por desagradáveis e discriminatórias como sejam "preto, negro, esquimó, mouro, anão ou selvagem". Assim, e para exemplificar, um quadro de Maris pintado por volta de 1900 e conhecido como Jovem Negra passou a chamar-se Jovem Segurando Um Leque.
A ideologia do politicamente correcto impregnou e deformou a tal ponto o pensamento e a acção de tanta gente por esse Ocidente fora que quase todos os dias nos chegam notícias de atitudes insólitas, geradas pela vontade de não ofender ninguém. Ainda há pouco uma ultrazelosa funcionária italiana mandou cobrir uma estátua antiga para que a visão da nudez feminina em pedra não viesse eventualmente a ofender o presidente iraniano, de visita oficial a Roma. Há 15 anos que escrevo contra os defensores do politicamente correcto e conheço várias das aberrações que essas pessoas com punhos de renda e espíritos de Torquemada já criaram. Desta vez, porém, as coisas atingiram patamares dignos do 1984, de George Orwell. Recordam-se do personagem principal, Winston Smith, o funcionário do Ministério da Verdade? Winston trabalhava no serviço de rectificação de notícias já publicadas, isto é, publicava novas versões de notícias do Times, ou, dito por outras palavras, alterava os vestígios do passado para os adequar aos interesses do presente.
É isso que os conservadores do museu holandês estão a fazer, como diligentes defensores do politicamente correcto, o Big Brother do nosso tempo. Alegam, em sua defesa, que os quadros raramente têm títulos dados por aqueles que os pintaram. Sendo assim, poderão mudar-se à vontade do freguês. Trata-se de um fraco argumento que não altera o cerne da questão. Tenha sido dado pelo pintor ou por outrem, o facto é que aquela obra específica tinha um título inscrito no tempo, na memória e na cultura de um determinado povo. Importa sublinhar - pois é muitas vezes esquecido - que, tal como as minorias étnicas, os europeus também são gente, também têm uma cultura a preservar, e também têm o direito de se sentir incomodados com a forma como a direcção de um museu lida com as obras do passado. Ou seja, têm o direito de sentir que alterar o título original ou tradicional de um quadro equivale a desrespeitar o contexto de criação e de divulgação dessa pintura. É verdade que certas regiões, cidades, obras públicas, também tinham nomes que foram mudados no contexto de uma conquista militar ou de uma mudança de regime político, por exemplo. Trata-se de um privilégio (ou de um mau hábito) dos vencedores. Ora é precisamente isso que os arautos e prosélitos do politicamente correcto, os bem-pensantes do nosso tempo e do nosso mundo, se consideram: vencedores e detentores de uma auto-atribuída superioridade moral face aos que usaram palavras agora tidas por indignas ou inaceitáveis.
O Rijksmuseum faria melhor o seu papel educativo se explicasse a um hipotético negro que visita as suas exposições que não há qualquer razão para se sentir diminuído com o que vê. Ele é um cidadão livre, no pleno gozo dos seus direitos e que pode visitar um museu ou qualquer outro lugar público. Quem foi humilhado foi o menino escravo que está representado naquele quadro. Ou naquele outro. Qualquer visitante do museu, independentemente da sua nacionalidade ou da cor da sua pele, deve poder saber que há muitos anos havia uma forma de exploração humana a que chamamos escravatura e que era através dessa lente injusta e desumana que as pessoas da época viam as relações entre brancos e negros.
A História não corrige o passado, não o purifica nem o censura. Para se referir aos alamanos, o historiador não substitui a antiga designação de "povo bárbaro" por "povo do Norte, de olhos claros" por isso poder ser menos ofensivo para os actuais alemães. Explica o que é que a palavra "bárbaro" significava naquela época e o que significa agora, e isso é clarificador. Mas em vez de recorrer à História, o Rijksmuseum e os demais apologistas do politicamente correcto preferem reduzi-la a pó porque querem terraplanar os vários tempos e as diferenças entre eles. Em consequência, adulteram a verdade histórica, arredondam-lhe as arestas, enchem-na de anacronismos e juízos morais e determinam o que podemos ou não podemos ver e dizer. São polícias da mente com a agravante de serem, quase sempre, polícias dogmáticos e ignorantes. Gente que desconhece, por exemplo, que a palavra "preto", aplicada a um habitante da África, pode ser ou não ser racista. Depende da época e do contexto em que foi usada. Ou seja, depende da História, essa coisa cheia de sound and fury que o politicamente correcto não se cansa de martelar e de falsear, para que caiba nas suas normas.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
*Historiador e romancista
19 DE FEVEREIRO DE 2016
00:00
João Pedro Marques
Diário de Notícias
Para corresponder ao "desconforto" de alguns dos visitantes pertencentes a minorias étnicas, a direcção do Rijksmuseum, o conhecido museu holandês, decidiu alterar certos títulos das obras que expõe, de modo a eliminar palavras tidas por desagradáveis e discriminatórias como sejam "preto, negro, esquimó, mouro, anão ou selvagem". Assim, e para exemplificar, um quadro de Maris pintado por volta de 1900 e conhecido como Jovem Negra passou a chamar-se Jovem Segurando Um Leque.
A ideologia do politicamente correcto impregnou e deformou a tal ponto o pensamento e a acção de tanta gente por esse Ocidente fora que quase todos os dias nos chegam notícias de atitudes insólitas, geradas pela vontade de não ofender ninguém. Ainda há pouco uma ultrazelosa funcionária italiana mandou cobrir uma estátua antiga para que a visão da nudez feminina em pedra não viesse eventualmente a ofender o presidente iraniano, de visita oficial a Roma. Há 15 anos que escrevo contra os defensores do politicamente correcto e conheço várias das aberrações que essas pessoas com punhos de renda e espíritos de Torquemada já criaram. Desta vez, porém, as coisas atingiram patamares dignos do 1984, de George Orwell. Recordam-se do personagem principal, Winston Smith, o funcionário do Ministério da Verdade? Winston trabalhava no serviço de rectificação de notícias já publicadas, isto é, publicava novas versões de notícias do Times, ou, dito por outras palavras, alterava os vestígios do passado para os adequar aos interesses do presente.
É isso que os conservadores do museu holandês estão a fazer, como diligentes defensores do politicamente correcto, o Big Brother do nosso tempo. Alegam, em sua defesa, que os quadros raramente têm títulos dados por aqueles que os pintaram. Sendo assim, poderão mudar-se à vontade do freguês. Trata-se de um fraco argumento que não altera o cerne da questão. Tenha sido dado pelo pintor ou por outrem, o facto é que aquela obra específica tinha um título inscrito no tempo, na memória e na cultura de um determinado povo. Importa sublinhar - pois é muitas vezes esquecido - que, tal como as minorias étnicas, os europeus também são gente, também têm uma cultura a preservar, e também têm o direito de se sentir incomodados com a forma como a direcção de um museu lida com as obras do passado. Ou seja, têm o direito de sentir que alterar o título original ou tradicional de um quadro equivale a desrespeitar o contexto de criação e de divulgação dessa pintura. É verdade que certas regiões, cidades, obras públicas, também tinham nomes que foram mudados no contexto de uma conquista militar ou de uma mudança de regime político, por exemplo. Trata-se de um privilégio (ou de um mau hábito) dos vencedores. Ora é precisamente isso que os arautos e prosélitos do politicamente correcto, os bem-pensantes do nosso tempo e do nosso mundo, se consideram: vencedores e detentores de uma auto-atribuída superioridade moral face aos que usaram palavras agora tidas por indignas ou inaceitáveis.
O Rijksmuseum faria melhor o seu papel educativo se explicasse a um hipotético negro que visita as suas exposições que não há qualquer razão para se sentir diminuído com o que vê. Ele é um cidadão livre, no pleno gozo dos seus direitos e que pode visitar um museu ou qualquer outro lugar público. Quem foi humilhado foi o menino escravo que está representado naquele quadro. Ou naquele outro. Qualquer visitante do museu, independentemente da sua nacionalidade ou da cor da sua pele, deve poder saber que há muitos anos havia uma forma de exploração humana a que chamamos escravatura e que era através dessa lente injusta e desumana que as pessoas da época viam as relações entre brancos e negros.
A História não corrige o passado, não o purifica nem o censura. Para se referir aos alamanos, o historiador não substitui a antiga designação de "povo bárbaro" por "povo do Norte, de olhos claros" por isso poder ser menos ofensivo para os actuais alemães. Explica o que é que a palavra "bárbaro" significava naquela época e o que significa agora, e isso é clarificador. Mas em vez de recorrer à História, o Rijksmuseum e os demais apologistas do politicamente correcto preferem reduzi-la a pó porque querem terraplanar os vários tempos e as diferenças entre eles. Em consequência, adulteram a verdade histórica, arredondam-lhe as arestas, enchem-na de anacronismos e juízos morais e determinam o que podemos ou não podemos ver e dizer. São polícias da mente com a agravante de serem, quase sempre, polícias dogmáticos e ignorantes. Gente que desconhece, por exemplo, que a palavra "preto", aplicada a um habitante da África, pode ser ou não ser racista. Depende da época e do contexto em que foi usada. Ou seja, depende da História, essa coisa cheia de sound and fury que o politicamente correcto não se cansa de martelar e de falsear, para que caiba nas suas normas.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
*Historiador e romancista
19 DE FEVEREIRO DE 2016
00:00
João Pedro Marques
Diário de Notícias
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