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Resolver todos os problemas com a tarifa eléctrica afecta a competitividade
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Resolver todos os problemas com a tarifa eléctrica afecta a competitividade
Miguel Arias Cañete, comissário europeu responsável para a Energia e Clima ENRIC VIVES-RUBIO
Terminal de Sines é estratégico para o gás natural que vem dos EUA, diz comissário europeu. Arranque das novas interligações de gás e electricidade entre Portugal, Espanha e França são a sua “prioridade política absoluta”.
Miguel Arias Cañete, comissário europeu responsável para a Energia e Clima, um histórico da direita espanhola que foi ministro da Agricultura com Aznar e Rajoy, manifesta reservas na utilização da tarifa social de electricidade no combate à pobreza energética: “tentar resolver todos os problemas com a tarifa eléctrica pode levar a perdas de competitividade”. Saber ao certo o número de europeus que têm actualmente direito à tarifa social é quase impossível, admite, por causa dos diferentes sistemas entre os Estados-membros. As suas prioridades, para já, são começar o processo para a construção da terceira interligação gasista entre Portugal e Espanha este ano e o da interligação eléctrica que ainda falta antes do final de 2018.
A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) chumbou o arranque da terceira interligação de gás natural entre Portugal e Espanha, nas vésperas de a Comissão Europeia anunciar o pacote de segurança energética, em que esta interligação é considerada importante. A ERSE considera que ainda não há a certeza de que seja construído o troço que ligará Espanha a França, o Midcat. Parece que, para o regulador, se não há mercado não há infra-estrutura.
Para Bruxelas, se não há infra-estrutura não há mercado. Em que ficamos?
Para a Comissão Europeia, as interligações eléctricas e de gás são uma absoluta prioridade, pelo que estamos a trabalhar para as interligações nas áreas onde há maiores problemas. Há três identificadas: os países bálticos, onde o sistema eléctrico está ligado à Rússia, que têm problemas de abastecimento de gás e forte dependência do fornecedor único; a Península Ibérica, com falta de interligações eléctricas e de gás com a rede central europeia; e a Europa central e sul oriental que tem problemas de falta de ligações internas e também de forte dependência do fornecedor único.
Quanto ao gás, é evidente que a terceira interligação entre Espanha e Portugal é absolutamente necessária, é um projecto cuja suprema utilidade se põe de manifesto se for construído o Midcat, a travessia pelos Pirenéus para ligar ao eixo norte-sul de gás na Europa.
A Comissão vai apoiar estes projectos que são de interesse comunitário. Para isso, estamos a trabalhar com grupos de alto nível e tivemos uma primeira reunião importante de chefes de Estado e de Governo em Madrid, com a presença do Presidente Hollande, de Passos Coelho e do presidente Rajoy, em 4 de Março de 2015, depois uma seguinte em Paris a nível de ministros. Propus ao ministro português da Economia que, mal se esclareça a situação política em Espanha e haja um governo que não esteja em funções mas na plenitude das suas faculdades operativas, seja convocada outra reunião a nível ministerial em Portugal para dar um novo impulso a estas interligações.
A vontade política da Comissão é colaborar com os três governos para fazer interligações, pois a construção do mercado interno precisa delas. Temos de saber se fazemos a terceira interligação eléctrica entre Ponte de Lima e Fontefría. Portugal, em energia eléctrica, chegará aos 12% [de capacidade de interligação], mas não aos 15% em que deve estar em 2030. A terceira ligação gasista também é fundamental, e ainda mais importante, porque pusemos em cima da mesa a estratégia do gás natural liquefeito e Sines é estratégica para o gás natural que vem dos Estados Unidos.
Por isso, a Comissão fará todos os esforços para facilitar o diálogo entre os três países e para que estas obras se possam fazer. É uma prioridade política absoluta.
Quanto pagarão os consumidores para fazer avançar estes corredores prioritários de energia?
A Comissão com o CEF- Connecting Europea Facility dá subvenções a fundo perdido para que os projectos sejam comercialmente viáveis e não se encareçam muito as tarifas para os consumidores. E o EFSI-European Found for Strategic Investment, do plano Juncker, [serve também] para financiar essas grandes infra-estruturas.
Assim, cada projecto é analisado pelos seus méritos, pela capacidade de ser comercial ou por requerer maiores apoios públicos. Estamos a desenvolver novas interligações que são extremamente viáveis e outras que, sem um apoio público importante, não iriam para a frente. Apoiámos a ligação da Lituânia com a Polónia que requereu grandes apoios públicos, por exemplo.
Qual é a capacidade não utilizada neste momento nas redes europeias de gás e electricidade que poderia ser aproveitada?
As centrais de gás que temos na União Europeia estão infra-utilizadas por falta de interligações. Fizemos uma análise pela qual identificámos nos países bálticos seis projectos de interligações, na Europa central e sul oriental outros seis, e na Península Ibérica e França outros dois grandes projectos de interligações de gás. Tais projectos permitiriam utilizar a pleno rendimento as ligações de gás quando o gás natural liquefeito começa a ter preços muito semelhantes aos do gás do gasoduto.
Em matéria de electricidade, o problema não é a infra-utilização, é que não podemos desenvolver as energias renováveis sem interligações. E países que têm muito vento e sol, como Espanha e Portugal, não podem desenvolver plenamente o seu potencial sem interligações. Por isso, estamos a trabalhar intensamente com França em duas ligações pelos Pirenéus e numa terceira, por cabo submarino, do golfo da Biscaia à Aquitânia.
São estes os projectos que a Comissão quer que nessa cimeira sejam analisados e se acelere o compromisso dos diferentes reguladores nacionais e operadores de rede nacionais para fazer um mercado interno da energia.
A cimeira em Portugal está, pois, dependente da situação política em Espanha?
É uma cimeira que precisa de um governo estável para assumir compromissos a médio e longo prazo. Estas são obras que, de acordo com as normas das redes transeuropeias, têm um processo de tramitação de quatro anos que requer uma certa estabilidade nos grandes acordos que os governos adoptem. A Comissão está pronta a actuar como impulsionadora do bom ritmo destes projectos, por isso financiámos os estudos de viabilidade e queremos que os governos tenham um diálogo permanente.
Uma das novidades dos pacotes de segurança europeia é a cooperação regional. Como se vai escolher quem vai mandar em cada região?
Não manda ninguém, colaboram todos entre si. Quando fazemos a análise de risco, fazemo-la a nível regional.
Quando elaboramos os planos de prevenção e emergência, elaboramo-los não pensando, apenas, num Estado-membro, mas em âmbito regional. A tese é a de que, hoje em dia, um Estado sozinho não é capaz de garantir a segurança energética, se existem problemas com fornecedores importantes, catástrofes, reparações ou acidentes.
Como definimos as regiões? Primeiro, em função da proximidade geográfica, segundo pelos níveis de interligação e, em terceiro lugar, pelo acesso a outras fontes de energia. Assim, parece muito lógico que França, Espanha e Portugal estejam numa única região com o Benelux, o que tem todo o sentido se fizermos o Midcat e o corredor norte-sul. Isto tem toda a lógica, porque teríamos a possibilidade [de receber] o gás que vem da Noruega, o gás que vem da Argélia e de todas as centrais de gás da Península Ibérica.
É isto que é a segurança energética, a possibilidade de ter três diferentes fornecedores e que haja mais concorrência.
Não se trata, apenas, de segurança energética, mas também de melhores preços na energia. Não nos podemos esquecer que a energia na Europa é muito mais cara do que a dos nossos concorrentes, sejam os Estados Unidos ou a China.
Com este pacote energético, a Comissão Europeia vai conseguir evitar novos contratos entre a Alemanha e a Rússia?
O que a Comissão Europeia quer é que cada país tenha três diferentes fornecedores, diversificar rotas de abastecimento e diversificar fontes energéticas. As nossas prioridades são claras. A nossa prioridade de momentos nos gasodutos é o corredor do sul: o gás que vem do Azerbeijão, no futuro desde o Turquemenistão e, porque não, do Irão. Este país levará mais tempo, no princípio as exportações de gás do Irão serão por centrais de gás natural liquefeito. É esta a nossa rota prioritária. A Comissão Europeia vai aplicar o terceiro pacote de energia com toda a intensidade, pelo que zelaremos pelo cumprimento da normativa comunitária em matéria de meio ambiente, de contratação pública e de legislação energética.
Qual a sua opinião sobre a situação política em Espanha?
Não é que não queira falar sobre o tema, mas a Comissão Europeia tem por costume nunca interferir nos processos políticos dos Estados-membros, seja a Espanha, a Lituânia ou a Irlanda. A Comissão considera que é bom existirem governos estáveis, responsáveis, que é bom que haja governos que respeitem as normas do Pacto de Estabilidade e Crescimento, as normas da concorrência. É isto que posso referir.
Como o Governo português?
Como qualquer Governo da União Europeia.
Há pouco sublinhou que para a realização da cimeira de Lisboa se está à espera do que aconteça em Madrid. De alguma forma, o ritmo de Bruxelas não é o de Espanha?
Quanto ao ritmo de Bruxelas, desde que sou comissário estou a impulsionar as interligações por uma razão muito simples, porque há um compromisso de 10% de interligações eléctricas em 2020 e de 15% em 2030. Temos acordos do Conselho Europeu de Segurança Energética e estamos a aplicar toda a legislação para actuar a nível regional. Temos um mecanismo, o CEF, para financiar os projectos que são de interesse comunitário.
Aliás, em Dezembro, apresentámos uma lista de projectos de interesse comunitário onde estão as interligações. Claro que é verdade que as interligações requerem uma complicada tramitação administrativa pelos estudos de impacto ambiental, pelos acordos que têm de existir entre os operadores das redes nacionais, pelos acordos entre operadores independentes, como acontece no gás. São acordos complicados, mas já passámos de tramitações que demoravam uma década para outras que duram quatro anos. Mas espero que durante este ano possamos começar os processos quanto à terceira ligação gasista entre Espanha e Portugal e que a interligação eléctrica possa começar antes do final de 2018.
O regulador português chumbou-a.
O que é preciso é um grande apoio político para que os projectos e os processos administrativos se desenvolvam.
E se a situação em Espanha não se definir até Junho?
Continuamos a trabalhar com os reguladores, vamos avançando a nível técnico.
Tem garantida a continuidade de posições sobre esta matéria de um governo espanhol liderado pelos socialistas?
Não sei qual será o governo de Espanha, o que sei é que o comissário de Energia considera as interligações prioritárias, que há um acordo do Conselho Europeu sobre a questão e que temos políticas de abastecimento e segurança energéticas que obrigam a esta solução. O signo político [dos governos] não altera as prioridades políticas da Comissão.
As interligações não têm ideologia?
Não devem ter ideologia. As interligações servem os cidadãos que querem energia barata, segura e limpa.
Esse objectivo é mais fácil com um Governo previsível?
Com um governo responsável que cumpra a directiva comunitária.
A Península Ibérica é a região energética mais isolada da União Europeia?
Há piores, como Chipre ou Malta. E há regiões muito complicadas, pensem que os países bálticos estão sincronizados com a Rússia, o que é um problema bem maior, porque as redes russas têm um nível muito baixo de manutenção. No entanto, é verdade que a Península Ibérica tem um nível baixo e que a questão das interligações não avançou nos últimos anos.
Por isso, defini as interligações como a grande prioridade. É certo que sou espanhol mas na perspectiva europeia carece de toda a lógica que a maior rede de centrais de gás, a mais moderna e a mais eficiente esteja na Península Ibérica e não haja interligações. Tanto mais quanto a maior capacidade de desenvolvimento das energias renováveis está na União Europeia e não tem capacidade de interligações.
Faz dos sete terminais ibéricos (um português e seis espanhóis) uma prioridade do seu mandato?
Claramente. Tenho muitas prioridades, a da Cimeira do Clima já está resolvida, mas em matéria de energia as interligações são fundamentais. Sem interligações não há mercado único.
Conhece as recentes medidas do Governo português sobre a energia, nomeadamente a criação de uma nova taxa de combustível?
Os governos são soberanos para fazerem as suas opções energéticas e desenharem as suas políticas. O que me preocupa, como comissário, é como conseguir que haja concorrência no mercado comunitário e que os preços sejam os mais baixos possíveis. Não podemos ter uma energia eléctrica com o dobro do preço da dos Estados Unidos e um gás com o triplo do dos Estados Unidos.
Como vê a intenção do Governo de alargar a tarifa social de electricidade?
A teoria da Comissão em matéria de preços regulados e de pobreza energética é que esta última deve ser trabalhada a partir das políticas sociais. Tentar resolver todos os problemas com a tarifa eléctrica pode levar a perdas de competitividade.
Estamos a obrigar os Estados-membros a recuperar competitividade porque a principal prioridade desta Comissão é o crescimento económico, a criação de emprego e que o sector industrial se situe em 20% do PIB.
É verdade que temos de resolver a pobreza energética. Se avançarmos num sistema em que possamos eliminar preços regulados, num sistema mais transparente orientado para os mercados energéticos, com muitos operadores, com a inclusão da geração distribuída nas renováveis, podem existir verdadeiros problemas de pobreza energética que temos de resolver ao mesmo tempo.
Por isso, abrimos um debate para gerar um mercado de energia muito potente, eficaz e, ao mesmo tempo, um debate sobre a forma como enfrentar a pobreza energética.
Na Europa, quantos milhões de consumidores têm tarifa social?
É muito difícil sabê-lo, pois cada país tem um sistema diferente, é muito difícil harmonizar porque também não temos uma definição do que é um consumidor vulnerável. Definir o que é um consumidor vulnerável é a primeira das coisas a fazer e, depois, encontrar a harmonização dos sistemas de apoio.
NUNO RIBEIRO e LURDES FERREIRA
02/03/2016 - 08:20
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