OS ALENTEJANOS SÃO PACÍFICOS…

Os Alentejanos são pacíficos. Aturaram séculos de violações, de todos os tipos, e aguentaram cinquenta anos de repressão totalitária fascista. Sofreram às mãos dos feudais, franceses, patrões e latifundiários. Mas, ainda assim, na medida de qualquer outro povo ou região, são pacíficos. Conheço alentejanos de todos os quadrantes e origens: dos que nasceram ou vieram para cá morar; dos que cá trabalham aos que tiveram que abalar; de Portalegre a Vila Nova de Milfontes… e se há coisa que os Alentejanos sabem fazer é: rir de si próprios!

Os Alentejanos são pacíficos. Mesmo sendo pouco domingueiros ou pouco adeptos da missa. Tempos houve, em que a única rotina do Alentejo era o nascer e o pôr-do-sol. Invadiram terras, sim, mas para as trabalhar. Levando consigo apenas a sua parte enquanto forma de pagamento.

Os Alentejanos são pacíficos. Mesmo vivendo isolados na soleira de uma casinha branca no alto de um monte. Mas, mesmo assim, os Alentejanos são tão pacíficos que cantam em coro, de braços dados. E nunca o fizeram ou fazem para intimidar alguém, mas sim para lamentarem o fardo pesado que é trabalhar no campo, num gesto fraterno e de amizade, capaz de matar a sede de mil homens de coração aberto.

Os Alentejanos são pacíficos. Mesmo no tempo dos manifestos subversivos, escondidos no sopé de uma árvore debaixo de uma pedra e na berma de uma estrada de terra batida… Mesmo aí, os Alentejanos preferiram o manifesto, e o protesto pacífico. Por oposição à chuva de balas, e à brutalidade da autoridade estatal, que correram com ajuntamentos ao ritmo de bastonadas a cavalo e tiros de caçadeira.

Os Alentejanos são pacíficos. Por mais intimidantes que alguns possam parecer, devido à robustez dos seus corpos, ou à brutalidade do tempo nos vincos e sulcos que os beijos da vida lhes deixaram no rosto. Ou a curva das costas talhadas por uma ceifeira, na monda, ou no fundo das minas e pedreiras. Acima de tudo, posso generalizar que os Alentejanos são maioritariamente educados e cordeais. Mas diretos, e sem papas na língua!

Todos os Alentejanos aprenderam a ser um povo nobre, no gume amargo dos dias. Até os que, outrora, foram filhos e descendentes de bastardos… E não se pode confundir a “velhaquice” de alguns, e a indignação natural de outros, com acessos de violência.

Os Alentejanos não são nem mais, nem menos, que qualquer outra Cultura ou Comunidade. Choram, riem, brigam e lutam, por si e pelos que estão à sua volta. Resistem à invasão do desalento e, como todos os homens e mulheres, entregam-se aos pecados da vida. Todavia, nunca se calam. Sobretudo para defender o que é seu, enquanto gente, a sua terra e a sua identidade.

Claro, não posso falar por todos os Alentejanos, nem advogo para mim esse direito. Apesar disso, tenho a certeza que a esmagadora maioria deles corrobora a minha opinião, quando digo que acho inadmissível qualquer tipo de ódio – a uma ideia, cultura ou personalidade – como forma civilizada de se ser. Da mesma forma que não aceito que qualquer indivíduo deva ou seja impedido de expressar a sua opinião (por mais ridícula que nos possa parecer); e repúdio qualquer forma de violência como forma de trato.

Infelizmente, imbecis e idiotas há em toda a parte, até no Alentejo. Mas é precisamente esses que tanto eu, como qualquer Alentejano trabalhador, honesto e genuíno, devemos rejeitar. Até então, a imbecilidade era um inimigo invisível, escondido nos intestinos da Humanidade. Porém, a internet tornou-se a sua latrina. Criando constantemente ondas de perseguição, ódio, e de autos de fé dos censores do "bom gosto"! Uma coisa é discordar, e discorrer, outra coisa é a incitação à violência. Que apenas corrobora a tese da Hannah Arendt, em que pouco ou nada nos separa dos terroristas ou dos nazis.

Contudo, acredito e sei que os Alentejanos são pacíficos e também não gostam de vítimas, nem de vitimizações. Vítima foi a Catarina Eufémia, numa altura em que não se podia verdadeiramente dizer o que se pensava, nem ofender quem quer que fosse, sob pena de morte. Quando tínhamos verdadeiros problemas por que lutar! Portanto, parem imediatamente com a ideia de querer salvar o Alentejo queimando um idiota. Pois, uma ovelha sozinha não faz o rebanho.

João M. Pereirinha
Fotógrafo, escritor e poeta
4 Março 2016      00:04
Tribuna Alentejo.pt