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Mudança?
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Mudança?
Ou seja, os dezasseis anos da I República, ao invés de uma real mudança no País, descambaram naquele velho princípio que diz “é necessário que algo mude, para que tudo fique na mesma”.
Para os amadores de fontes históricas credíveis, passo a referir, da biografia de Maria Cândida Proença sobre o rei D. Manuel II, um caso interessante, sucedido em 1910 (em vésperas da implantação da República). Trata-se do escândalo da Companhia Geral do Crédito Português, o último a ensombrar a monarquia liberal.
Segundo a Autora, citando as “Memórias do sexto Marquês do Lavradio”, que foi secretário do rei, “por esta instituição bancária tinham passado alguns dos políticos mais em evidência dos partidos regenerador e progressista, que se sucediam no governo do banco de acordo com o rotativismo que caracterizava a vida política do país. Assim, quando os progressistas estavam no poder, ocupava o lugar de governador do estabelecimento bancário o chefe regenerador; na situação contrária, o banco tinha como governador um progressista”.
Fim de citação.
Para atualizar esta situação, faltaria acrescentar que o ministro cessante já estaria ligado ao banco antes de ser empossado, e para lá voltava de pois de demitido…
E ainda mais, citando a mesma Autora: “Para salvar a companhia da falência só um empréstimo do Banco de Portugal que permitisse pagar os juros das obrigações, muitas das quais duplicadas ou mortas”, para o que seria necessária a intervenção do governo. E adiante: “Tratava-se de um governo inspirado e dirigido pelo chefe do partido progressista, que ao mesmo tempo era governador do Crédito Predial”. Para esta situação tinha concorrido o guarda-livros do banco (hoje diríamos o diretor financeiro) que “falsificara as contas do banco e fizera um desfalque vendendo obrigações em número superior à emissão autorizada”.
Fim de nova citação.
Simples pecadilho, diríamos hoje, face aos buracos financeiros, créditos mal parados, operações financeiras obscuras e outras coisas que agora, quase regularmente, são notícia. Mas, ao contrário dos filmes americanos, qualquer semelhança com fatos reais NÃO é pura coincidência – é uma espécie de atavismo, de ADN ou de maldição que nos persegue.
Neste e noutros escândalos se baseou a propaganda do Partido Republicano, na sua metódica campanha que levou à implantação da República em 5 de Outubro; por sinal, antes da reunião das Cortes prevista para 12 de Dezembro, onde deveria ser deveria apreciado este assunto…
Não foi por acaso que escolhi este escândalo: foi precisamente por ser o último, portanto um dos que deveria ter determinado melhores perspetivas para o regime republicano que se seguiria, como forma de exorcizar os velhos demónios de uma monarquia caduca.
O clima de apatia, criado por sucessivos escândalos, explica, em grande parte, a inação das forças da ordem no 5 de Outubro: à exceção de Paiva Couceiro e alguns apaniguados, ninguém quis morrer pela monarquia…
Mas não houve grande mudança. O novo regime, sobretudo pela mão do inefável Afonso Costa, substituiu uma camarilha por outra, levantou a questão religiosa, e até reduziu o colégio eleitoral em relação aos tempos da monarquia: além de retirar o direito de voto aos militares (sempre suspeitos!) não o deu àqueles que tinham, de fato, implantado a República na Rotunda. O que levou os modestos carbonários e humildes praças a dizer que “para morrer servimos, para votar é que não!”
Ou seja, os dezasseis anos da I República, ao invés de uma real mudança no País, descambaram naquele velho princípio que diz “é necessário que algo mude, para que tudo fique na mesma”.
Naturalmente, esses anos de descalabro constituíram, no fundo, a pavimentação dos caminhos dos movimentos que levariam ao 28 de Maio – que só surpreendeu quem andava a “dormir na forma”. E, mais uma vez, não houve ninguém que quisesse morrer por um sistema esgotado. É necessária uma grande dose de romantismo para aceitar a I República como uma época de ouro da História de Portugal.
Mais de meio século mais tarde, aquando do 25 de Abril, muita gente se surpreendeu com a falta de reação das forças da ordem; tirando as cenas cruciais da Ribeira das Naus, e de movimentações inconsequentes das unidades tidas por fiéis ao regime, tudo se passou como se ninguém quisesse morrer por um regime agonizante – mais uma vez.
Mas não vamos mergulhar na História, como quem anda à procura do tempo perdido.
Nos nossos dias, ao que parece, a grande questão prende-se com mais um caso anunciado: a ex-Ministra da Finanças iria trabalhar para uma empresa com a qual teria tido ligações privilegiadas, durante o exercício do cargo que ocupou.
E daí?
Através das redes sociais, somos diariamente bombardeados com informações “exclusivas” de ligações de políticos com empresas variadas, (aparentemente) públicas ou (teoricamente) privadas. De tanto repetidas, essas informações desvalorizam-se – o que é pena: representam a prova de uma espécie de atavismo, de ADN ou de maldição que nos persegue, como acima disse.
Pelo que a argumentação de defesa da ex-ministra, para mim, que não sou jurista, seria fácil.
Bastaria citar aquela figura criada pelo inigualável Jô Soares: “Mas sou só eu? Cadê os outros?”
É que mudança, mudança, não se vê… e já lá vai mais de um século!
Por Nuno Santa Clara
Barreiro
16.03.2016 - 10:48
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