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A densa espuma dos dias
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A densa espuma dos dias
E no fim do dia, as narrativas serão desmascaradas pelos números e vai saber-se quem é que o povo deixa isolado: quem governa a contar histórias ou quem provou governar para resgatar e honrar o lugar de Portugal na história.
Não tenho nenhum apreço pelas narrativas, embora admita que elas não têm culpa da fama que Sócrates, o secretário-geral do PS e primeiro-ministro socialista, lhes colou à pele. O problema é quando o alfa e o ómega da política passam a ser as narrativas. As perceções e as ilusões no lugar da verdade e da realidade. À nossa volta, ouvimos e lemos narrativas que enviesam perigosamente a realidade e são uma traição à memória e à inteligência das pessoas. As narrativas socráticas fizeram escola. António Costa, discípulo de Sócrates nos seus governos e número dois do seu PS até ao fim, também tem as suas. São narrativas com várias partes.
A primeira parte da nova narrativa com que nos têm bombardeado tem que ver com a suposta lua-de-mel de Marcelo Rebelo de Sousa e Costa. Ora mal vai um país quando a cooperação institucional entre a Presidência da República e São Bento é motivo de espanto. Chama-se normalidade. E tão-pouco é novidade. Quem não se lembra do apoio institucional de Mário Soares a Cavaco Silva no primeiro mandato do social-democrata? E do apoio que Cavaco Silva deu, durante o seu primeiro mandato presidencial, ao governo socialista em funções?
Tanto o Presidente da República como o primeiro-ministro têm a obrigação de defender o superior interesse nacional. Podem é advogar caminhos diferentes, e legítimos, para lá chegar. Marcelo Rebelo de Sousa foi muito claro nisso. Na sua comunicação ao país, o Presidente sinalizou os riscos inerentes à política orçamental do governo. Para quem se esforça por colar Belém ao governo, terá sido um golpe ouvir o Presidente da Republica insistir no “rigor” – e quando se pede uma coisa destas é porque se duvida que ela esteja lá – ou colocar em cima da mesa os “problemas quanto ao realismo das despesas e das receitas”.
Aqui emerge a segunda parte da narrativa: se Marcelo e Costa andam de braço dado, sendo o primeiro-ministro “best friend forever” de Jerónimo e Catarina, resulta disto que Passos Coelho é um líder isolado. E estas coisas dizem-se e escrevem-se como se o isolamento servisse ao único político europeu capaz de ganhar eleições depois de ter aplicado um programa de austeridade – que, lembre-se, foi provocado por socialistas, negociado por socialistas e depois negado três vezes pelos socialistas.
Ou como se isolamento fosse substantivo aplicável ao homem que acaba de ser eleito com 95% dos votos nas últimas diretas do PSD. Mas se Passos é um líder só, assim segue a narrativa, então o PSD é um partido de birras. Consubstanciada até por alguns figurões, aquele baronato que se julga detentor do monopólio da boa consciência do PSD mas que já esqueceu o peso que o seu legado político representou para o país e para o próprio partido, a visão tem feito o seu caminho por entre os que sofrem de memória seletiva.
Quem nos habituou a birras foi o PS. Para não ir mais longe (ao tempo em que o PS maldisse a saída limpa e anteviu uma espiral recessiva), ainda há meia dúzia de meses o comentador Marcelo Rebelo de Sousa dizia ter muita dificuldade em compreender politicamente a atitude do “menino que só aceitava o resultado do jogo se ganhasse.” Falava de Costa, não de Passos. O poder não mudou o líder do PS. Tal como em Outubro só aceitava integrar um governo com o PSD se fosse para o chefiar, também agora Costa quer consensos, mas só se forem os dele; e quer negociações, mas só nos termos dele. Chamar o PSD para este exercício tático quando não tem uma única proposta em cima da mesa nem autoridade moral para exigir seja o que for, porque se negou a tudo no passado, é de uma desonestidade total.
A terceira parte da narrativa socialista é a prometida viragem da austeridade. O problema de realismo é de tal ordem que subitamente, e só porque o PS e as esquerdas estão no poder, Portugal deixou de ter problemas. Tudo bem espremido, o que temos é um OE bem socialista porque nivela por baixo: dá pouco a poucos para tirar muito a muitos.
Com os primeiros indicadores a caminho, veremos se o modelo socialista prova ou não prova.
E no fim do dia, as narrativas serão desmascaradas pelos números e vai saber-se quem é que o povo deixa isolado: quem governa a contar histórias ou quem provou governar para resgatar e honrar o lugar de Portugal na história. Para tudo isto há um prazo estipulado pelo PR: 2017. Até lá, o PSD discutirá reformas se o PS trocar o cinismo pela honestidade; disputará as regionais dos Açores para ganhar; e preparará o combate autárquico para voltar a conquistar a liderança da Associação Nacional de Municípios.
30/03/2016
Carlos Carreiras
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
Não tenho nenhum apreço pelas narrativas, embora admita que elas não têm culpa da fama que Sócrates, o secretário-geral do PS e primeiro-ministro socialista, lhes colou à pele. O problema é quando o alfa e o ómega da política passam a ser as narrativas. As perceções e as ilusões no lugar da verdade e da realidade. À nossa volta, ouvimos e lemos narrativas que enviesam perigosamente a realidade e são uma traição à memória e à inteligência das pessoas. As narrativas socráticas fizeram escola. António Costa, discípulo de Sócrates nos seus governos e número dois do seu PS até ao fim, também tem as suas. São narrativas com várias partes.
A primeira parte da nova narrativa com que nos têm bombardeado tem que ver com a suposta lua-de-mel de Marcelo Rebelo de Sousa e Costa. Ora mal vai um país quando a cooperação institucional entre a Presidência da República e São Bento é motivo de espanto. Chama-se normalidade. E tão-pouco é novidade. Quem não se lembra do apoio institucional de Mário Soares a Cavaco Silva no primeiro mandato do social-democrata? E do apoio que Cavaco Silva deu, durante o seu primeiro mandato presidencial, ao governo socialista em funções?
Tanto o Presidente da República como o primeiro-ministro têm a obrigação de defender o superior interesse nacional. Podem é advogar caminhos diferentes, e legítimos, para lá chegar. Marcelo Rebelo de Sousa foi muito claro nisso. Na sua comunicação ao país, o Presidente sinalizou os riscos inerentes à política orçamental do governo. Para quem se esforça por colar Belém ao governo, terá sido um golpe ouvir o Presidente da Republica insistir no “rigor” – e quando se pede uma coisa destas é porque se duvida que ela esteja lá – ou colocar em cima da mesa os “problemas quanto ao realismo das despesas e das receitas”.
Aqui emerge a segunda parte da narrativa: se Marcelo e Costa andam de braço dado, sendo o primeiro-ministro “best friend forever” de Jerónimo e Catarina, resulta disto que Passos Coelho é um líder isolado. E estas coisas dizem-se e escrevem-se como se o isolamento servisse ao único político europeu capaz de ganhar eleições depois de ter aplicado um programa de austeridade – que, lembre-se, foi provocado por socialistas, negociado por socialistas e depois negado três vezes pelos socialistas.
Ou como se isolamento fosse substantivo aplicável ao homem que acaba de ser eleito com 95% dos votos nas últimas diretas do PSD. Mas se Passos é um líder só, assim segue a narrativa, então o PSD é um partido de birras. Consubstanciada até por alguns figurões, aquele baronato que se julga detentor do monopólio da boa consciência do PSD mas que já esqueceu o peso que o seu legado político representou para o país e para o próprio partido, a visão tem feito o seu caminho por entre os que sofrem de memória seletiva.
Quem nos habituou a birras foi o PS. Para não ir mais longe (ao tempo em que o PS maldisse a saída limpa e anteviu uma espiral recessiva), ainda há meia dúzia de meses o comentador Marcelo Rebelo de Sousa dizia ter muita dificuldade em compreender politicamente a atitude do “menino que só aceitava o resultado do jogo se ganhasse.” Falava de Costa, não de Passos. O poder não mudou o líder do PS. Tal como em Outubro só aceitava integrar um governo com o PSD se fosse para o chefiar, também agora Costa quer consensos, mas só se forem os dele; e quer negociações, mas só nos termos dele. Chamar o PSD para este exercício tático quando não tem uma única proposta em cima da mesa nem autoridade moral para exigir seja o que for, porque se negou a tudo no passado, é de uma desonestidade total.
A terceira parte da narrativa socialista é a prometida viragem da austeridade. O problema de realismo é de tal ordem que subitamente, e só porque o PS e as esquerdas estão no poder, Portugal deixou de ter problemas. Tudo bem espremido, o que temos é um OE bem socialista porque nivela por baixo: dá pouco a poucos para tirar muito a muitos.
Com os primeiros indicadores a caminho, veremos se o modelo socialista prova ou não prova.
E no fim do dia, as narrativas serão desmascaradas pelos números e vai saber-se quem é que o povo deixa isolado: quem governa a contar histórias ou quem provou governar para resgatar e honrar o lugar de Portugal na história. Para tudo isto há um prazo estipulado pelo PR: 2017. Até lá, o PSD discutirá reformas se o PS trocar o cinismo pela honestidade; disputará as regionais dos Açores para ganhar; e preparará o combate autárquico para voltar a conquistar a liderança da Associação Nacional de Municípios.
30/03/2016
Carlos Carreiras
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
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