Trump, Brexit, espião: muito mau para Portugal

O herdeiro de negócios de construção civil e casinos conseguiu convencer, segundo as sondagens, cerca de metade do eleitorado dos EUA a elegê-lo para Presidente nas eleições de Novembro.

Donald Trump ganhou popularidade num ‘reality show’, onde se distinguiu pelos insultos aos empreendedores concorrentes. Aperfeiçoou um estilo que inclui o uso frequente da pergunta retórica (fazer uma pergunta para logo dar a resposta), gosta do improviso e alimenta-se de um discurso primário e ignorante, “sem papas na língua”, que lhe granjeia prestígio populista. Faz uso sistemático de Twitter para comunicar diretamente com o eleitorado. Mantém uma relação de respeito pelos líderes dos grandes grupos de media, mesmo quando estes se afastam dele – por exemplo, “Murdoch, tremendous guy” –, mas insulta os jornalistas considerados inconvenientes e faz ameaças à liberdade de expressão. E muda rapidamente de opinião se por ventura a ideia não reverbera.

Nos EUA chamavam-lhe “nativista”, mas é de facto racista, embora diga que ama toda a gente. Desde que colocou em causa a idoneidade de um juiz americano por ser de origem mexicana, até mesmo os republicanos o acusam de racismo. Recusou divulgar a declaração de IRS, confirmando a suspeita de que é muito menos rico do que afirma, o que lhe diminuiria a aura populista de fazedor (‘doer’). Disse que autofinanciaria a campanha, mas criou um comité para receber donativos (PAC). O Financial Times já lhe chama “Trump the Fraud”.

Alguns dizem que se Trump for eleito mudará para “normal” (‘mainstream’). Ele mesmo garante que não mudará. Tem fascínio por tiranos – como diz Hillary Clinton – e poderá vir a ter o dedo nos códigos nucleares. Como é imprevisível pode, “sem querer”, desencadear um conflito nuclear. Trump defende o protecionismo. É contra os tratados de livre comércio como o TTIP de que Portugal seria beneficiário. É isolacionista. Num momento em que a Rússia adota uma posição agressiva, Trump defende o fim da NATO, o pilar da defesa do ocidente, de que Portugal é membro fundador, para não falar do expansionismo da China e da ameaça nuclear da Coreia do Norte.

É a favor da saída do Reino Unido da UE (Brexit), pelo que se pode inferir que é contra a UE, de que Portugal é membro. As últimas sondagens dão vantagem ao Brexit no referendo que o primeiro-ministro David Cameron imprudentemente convocou. Os ‘Brexiteers’ britânicos, Nigel Farage (extrema direita), Boris Johnson ou Michael Gove (conservadores), são populistas sem escrúpulos. No domingo, o antigo primeiro-ministro conservador John Major considerou Johnson “o bobo da corte” e acusou a campanha pelo Brexit de “enganadora”, “fátua” e “esquálida”, pelos ataques aos imigrantes. Na Alemanha e na Holanda instalou-se um pavor mal disfarçado.

Em Portugal, os media e os comentadores despendem longas horas a discutir aparências, por exemplo, o congresso do PS, enquanto a realidade que determina o futuro de Portugal – aquela que se decide em Bruxelas, ou seja, Paris, Berlim, Londres, e Washington – parece fait divers. Com raras exceções, o “lá fora” é despiciendo. O Governo e a maioria andam ocupados com a criação (possivelmente inconstitucional) de uma nomenclatura de funcionários públicos na expectativa de ampliar as respetivas bases de apoio em próximas eleições. Não sei se o Governo estará, como na Holanda, a avaliar o prejuízo do Brexit para Portugal. O PSD e o CDS também não têm revelado interesse notório. Há esperança na continuada lucidez do Presidente da República.

Creio que as consequências de ambas eventuais ocorrências serão tremendas, desde logo para os EUA, Reino Unido e o mundo, mas em particular para a Europa, a UE e, logo, para Portugal. Diz Farage, com gáudio, que o Brexit será o fim da UE. Infelizmente temo que tenha razão. A dinâmica de liderança e equilíbrios de poder na Europa mudarão. A Alemanha perderá um contrapeso ao dirigismo económico francês. A França perderá o seu principal parceiro militar. A Europa poderá hesitar em fazer frente à Rússia ou reforçar o atlanticismo. A UE dividir-se-á entre os estados da zona euro e uma minoria de países que ainda não o adotaram ou quiseram ficar de fora. Terão menos peso sem a presença do centro financeiro não-Euro em Londres. Creio que haverá um perigoso efeito dominó.

Para complicar, há a fundamental percepção sobre Portugal. Está pior. A imagem dos “preguiçosos mediterrânicos” mantém-se. Segundo Guntram Wolf, o economista alemão à frente do ‘think-tank’ Brügel, com o Brexit “seremos [os alemães] deixados sozinhos com esses países mediterrânicos que preferem a redistribuição [dos fundos europeus] e vamos ter de pagar por eles e afastarmo-nos de uma Europa liberal, pró-mercados, uma Europa TTIP.” Marques Mendes insistiu, no domingo na SIC, na necessidade de Portugal criar confiança, desde logo para o investimento estrangeiro. O economista Pedro Lino referiu na segunda-feira, no Económico, que “as perdas do sector financeiro nos últimos oito anos ultrapassam já os 50 mil milhões de euros”. E ainda falta a incrível segunda capitalização da CGD, para não falar no défice excessivo.

Que confiança se pode ter nos governos, gestores, reguladores, auditores, acionistas? Fernando Negrão, deputado e antigo ministro, disse que a confiança nas secretas ficou "estilhaçada" com o caso do agente duplo do SIS (e seus cúmplices ainda por descobrir), apanhado a vender segredos da NATO a um agente russo. A falta de confiança transbordará em muito as secretas. Atinge diretamente os governos, atinge Portugal.

O autor escreve ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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Nuno Cintra Torres, Investigador e Professor Universitário
Económico