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A Europa já perdeu
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A Europa já perdeu
Hoje poderemos estar a viver politicamente o último dia do Reino Unido na União Europeia (EU). O referendo de amanhã à permanência do Reino Unido na UE pode mesmo apontar o caminho da rua pelas mãos de Cameron, o exterminador implacável. A longa-metragem do "Brexit" escreve-se pelas mãos de um David e não de um James. David Cameron, primeiro-ministro, pode passar à história por ter sido o homem capaz de contribuir decisivamente para a desintegração da EU e, em simultâneo, para a desagregação do Reino Unido onde a Escócia nem parece passar pelas medidas dos ajustes da porta de saída.
Na realidade, este foi sempre um fato feito à medida de um estado que nunca abraçou o projecto europeu e que dele nunca foi crítico senão em proveito próprio. O cínico Reino Unido pode deixar a UE pela mão de um David sem virtudes, armado em Golias do neoliberalismo. Mais do mesmo, depois de ficar de fora da moeda única ou da Carta dos Direitos Fundamentais, de Schengen ou do que quer que seja que implicasse acerto e resolução comum. Sem nunca influenciar a política europeia e sem nunca exercer juízo crítico pelo facto de estar pé-meio-fora-meio-dentro, o Reino Unido sempre foi uma espécie de empecilho que dava jeito às contas. Um espantalho na terra por lavrar.
Tony Blair também resolveu brincar com o fogo há cerca de uma década: "Let the issue be put. Let the battle be joined", disse. Mas quando lançou o debate para um referendo à Constituição europeia em 2004, ainda foi a tempo de recuar após a experiência da França e Holanda. Hoje a realidade mudou. E Cameron só tarde terá percebido o beco sem luz em que se enfiou quando, em nome da sua sobrevivência política e do populismo, anunciou o referendo em Janeiro de 2013. A extrema-direita europeia mudou, cresceu, fortaleceu-se. O neoliberalismo afundou a Europa na eurocracia do défice e do empobrecimento. A democracia e o poder de decisão equitativo na UE tem sido sempre o parente pobre de um projecto de construção ao contrário. As pessoas deixaram de acreditar que a moeda revelasse um rosto na outra face. Será triste mas revelador que a hipotética saída do Reino Unido da União Europeia seja uma vitória da Direita mais conservadora mas, pelo contrário, a hipotética permanência não seja uma vitória da Esquerda mais progressista. A Europa já perdeu.
A história conta que Portugal e Reino Unido mantêm a mais antiga aliança do Mundo, firmada em 1386. Mas este é já um assunto particular, revestido pelo pó da prateleira dos protocolos. O Reino Unido, após as cedência que conseguiu da UE e mesmo que permaneça, é só uma presunção de conforto. A aliança já não cabe no dedo.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
MÚSICO E ADVOGADO
MIGUEL GUEDES
Hoje às 00:02, atualizado às 00:03
Jornal de Notícias
Na realidade, este foi sempre um fato feito à medida de um estado que nunca abraçou o projecto europeu e que dele nunca foi crítico senão em proveito próprio. O cínico Reino Unido pode deixar a UE pela mão de um David sem virtudes, armado em Golias do neoliberalismo. Mais do mesmo, depois de ficar de fora da moeda única ou da Carta dos Direitos Fundamentais, de Schengen ou do que quer que seja que implicasse acerto e resolução comum. Sem nunca influenciar a política europeia e sem nunca exercer juízo crítico pelo facto de estar pé-meio-fora-meio-dentro, o Reino Unido sempre foi uma espécie de empecilho que dava jeito às contas. Um espantalho na terra por lavrar.
Tony Blair também resolveu brincar com o fogo há cerca de uma década: "Let the issue be put. Let the battle be joined", disse. Mas quando lançou o debate para um referendo à Constituição europeia em 2004, ainda foi a tempo de recuar após a experiência da França e Holanda. Hoje a realidade mudou. E Cameron só tarde terá percebido o beco sem luz em que se enfiou quando, em nome da sua sobrevivência política e do populismo, anunciou o referendo em Janeiro de 2013. A extrema-direita europeia mudou, cresceu, fortaleceu-se. O neoliberalismo afundou a Europa na eurocracia do défice e do empobrecimento. A democracia e o poder de decisão equitativo na UE tem sido sempre o parente pobre de um projecto de construção ao contrário. As pessoas deixaram de acreditar que a moeda revelasse um rosto na outra face. Será triste mas revelador que a hipotética saída do Reino Unido da União Europeia seja uma vitória da Direita mais conservadora mas, pelo contrário, a hipotética permanência não seja uma vitória da Esquerda mais progressista. A Europa já perdeu.
A história conta que Portugal e Reino Unido mantêm a mais antiga aliança do Mundo, firmada em 1386. Mas este é já um assunto particular, revestido pelo pó da prateleira dos protocolos. O Reino Unido, após as cedência que conseguiu da UE e mesmo que permaneça, é só uma presunção de conforto. A aliança já não cabe no dedo.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
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