Linha ferroviária Sines-Badajoz vai gerar défice de 600 milhões

Estudos justificam a ligação Sines-Badajoz pelo impacto económico positivo, apesar do retorno financeiro negativo

O investimento numa ligação ferroviária entre Sines e Badajoz para levar as mercadorias à região de Madrid terá um retorno financeiro negativo da ordem dos 600 milhões de euros.

Os estudos de viabilidade e de custo benefício realizados pela Refer (Rede Ferroviária Nacional) reconhecem que o investimento "não é rentável do ponto de vista financeiro". Mas a avaliação económica "evidencia valores para todos os indicadores considerados que garantem a sustentabilidade do projecto", concluem os documentos entregues pelo governo aos partidos, no quadro da discussão sobre as infra-estruturas prioritárias.

Entre os benefícios apontados estão a mais-valia estratégica da integração de Sines, e dos portos de Lisboa e Setúbal, nas redes transeuropeias e a transferência de tráfego de mercadorias das estradas para a ferrovia, o que permitirá retirar das estradas nacionais (numa extensão de 200 quilómetros) cerca de 720 camiões por dia, reduzindo a poluição, congestionamento e a sinistralidade.

Previsto há mais de uma década, o projecto ganhou força com o actual governo que substituiu a linha de alta velocidade (TGV) entre Lisboa e Madrid, por uma ligação vocacionada para as mercadorias. O investimento de 738 milhões de euros prevê dois novos troços - variante de Alcácer já concluída e a construção da ligação de 90 quilómetros entre Évora e a fronteira -, a modernização de outros troços e a instalação de travessas polivalentes para preparar a passagem para a bitola europeia, que é usada na alta velocidade. As contas da Refer, de Maio de 2013, apontam para um VAL (valor actual líquido) financeiro negativo médio de 607 milhões de euros e para um VAL económico positivo de 67,3 milhões de euros. 


O VAL calcula o valor de um projecto num determinado momento, antecipando os fluxos de custos e receitas associados à sua construção e exploração futura. Um VAL financeiro negativo significa que as receitas não vão cobrir os custos do investimento que terá um retorno negativo.

Apesar de admitir que a TIR (taxa de remuneração accionista) será sempre negativa, os estudos consultados pelo i sublinham que os impactos positivos globais podem ser até superiores aos contabilizados, considerando o efeito na economia, emprego e receita O estudo não inclui tráfego de passageiros na ligação para a Espanha, só considera as pessoas (100 mil ao ano) que terão passado a usar a linha para o Algarve com a redução do tempo de viagem.

As projecções apostam ainda num acréscimo de 18 comboios por dia na ligação quando for atingida a velocidade de cruzeiro em 2026. O tráfego será desviado das estradas em Portugal, com a ferrovia a aumentar a quota de mercado de 8% para 22%, e do porto de Valência, maior concorrente de Sines.

Esta ligação é um dos 30 projectos de infra-estruturas de elevado valor acrescentado, embora o relatório do grupo de trabalho não a inclua nos 15 investimentos de maior prioridade e considere um projecto alargado a Lisboa e Setúbal.

Entre os dados já entregues aos partidos, este é o projecto que apresenta o VAL financeiro negativo mais elevado. Investimentos deficitários, mas que são apresentados como positivos para a economia, são a regra no sector ferroviário, cujas receitas dificilmente pagam o custo da infra-estrutura. Por isso o resultado repete-se nos estudos de viabilidade sobre a modernização das linhas do Norte, Minho, Beira Baixa e Oeste. A conclusão da modernização da linha ferroviária do Norte é o segundo projecto mais bem classificado na lista proposta pelo grupo de trabalho liderado pelo presidente da AIP, Eduardo Carvalho. O investimento de 400 milhões de euros apresenta um VAL financeiro negativo de 180 milhões de euros e um impacto económico positivo de 74 milhões de euros.

IMPACTOS ECONÓMICOS SUBJECTIVOS Especialista em parcerias público-privadas (PPP), Mariana Abrantes de Sousa sublinha que os impactos positivos na economia, as chamadas externalidades, são subjectivos e mais difíceis de contabilizar. Mas mesmo um projecto com saldo financeiro tão negativo, como a linha de mercadorias, admite Abrantes de Sousa, pode compensar se tiver elevado financiamento comunitário. Nesta ligação, os fundos da UE podem chegar até 95% em alguns troços, apesar da demora na concretização já não permitir aproveitar os financiamentos do actual quatro comunitário.

A especialista defende ainda que se deve ponderar o impacto global de todos os investimentos. "Se houver dez projectos e dois forem deficitários, o problema pode diluir-se.fiscal.

Se houver 10 projectos e oito forem deficitários, a economia e o rating da República vão sofrer ainda mais". Mesmo quando se recorre a financiamento privado, como nas concessões portuárias, os investimentos em infra-estruturas são públicos, bem como os promotores. Por outro lado, salienta que a informação e os critérios dos estudos devem ser homogéneos, de forma a permitir a comparação dos resultados.


Entre a documentação enviada aos partidos, o Túnel do Marão é o projecto que apresenta o segundo VAL (valor actual líquido) mais negativo, no montante de 389 milhões de euros, Mas neste caso, Mariana Abrantes de Sousa realça que deve ser valorizado o facto de se tratar de uma obra que já foi iniciada e cujo investimento não terá qualquer retorno se não for terminado.

Por Ana Suspiro
publicado em 11 Mar 2014 - 05:00