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A "Portugal 2015"
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A "Portugal 2015"
"Só um grande humorista como Deus conseguiria inventar um animal chamado Homem."
Finalmente, das três uma: gargalhava a bandeiras despregadas, desenhava sorriso irónico ou, havia dias, armava fuzilante olhar de desdém à carantonha que lhe enchia o espelho. Assim se confessou o meu amigo Zé dos Pneus antes de ir parar à igreja de Linda-a-Velha, onde não foi possível cumprir a sua última vontade: uma roulote de bifanas e sandes de couratos a funcionar durante o velório.
O Zé, à boa maneira alentejana, não contava anedotas, contava histórias. Uma das suas preferidas era a história do grupo de malucos do Júlio de Matos, viciados em anedotas, que de tanto as contarem decidiram numerá-las, para memória futura. Por exemplo: um deles gritava "Papagaio 1976" e esperava pela reacção dos parceiros. Memória afiada, havia os que riam, os que sorriam e os que suspiravam de tédio. A anedota com maior sucesso era a "Portugal 2015". Escangalhavam-se todos a rir, alguns não aguentavam as águas.
O humor é a mais difícil e perigosa das artes e ofícios humanos, quiçá divinos. Há crentes a suspeitar que só um grande humorista como Deus conseguiria inventar um animal chamado Homem, que tem a mania de se assumir como o único animal que ri. Apesar de tudo, há gente que não consegue sequer sorrir de si própria. Outros, como a hiena, riem por tudo e por nada. Fernando Pessoa ele próprio, o tal que foi "apanhado em flagrante delitro", escreveu uma "Anti-gazetilha" que reza assim: "No comboio descendente/Vinha tudo à gargalhada/ Uns por verem rir os outros/ E os outros sem ser por nada/ No comboio descendente/De Queluz à Cruz Quebrada..."
O humor é o maior exercício de Liberdade, sobretudo em tempos de ditadura. Mas tudo depende do alvo, da raiva e da pontaria. Em Portugal, por falta de raiva ou de pontaria, há mais gente a dissertar sobre o humor do que a fazer humor.
Aliás, Portugal não é propriamente um país onde as pessoas se vejam ao espelho. Basta reparar nas elites que frequentam as televisões, e até as outras: riem-se muito, uns por verem rir os outros, e os outros sem ser por nada. E quando um candidato a deputado visitou o grupo de malucos e, precavido e avisado, pediu para contar uma anedota, saiu-se logo com a clássica "Portugal 2015". Os malucos entreolharam-se, nem ai nem ui, sequer um sorrizinho disfarçado. O candidato, encabulado, fez a pergunta óbvia: "A Portugal 2015 já não tem piada?" Resposta unânime: "Piada tem, e muita! O senhor é que não tem jeito nenhum para contar histórias!". Diria o Zé que, ou os portugueses andam todos malucos, ou os políticos não têm jeito nenhum para fazerem História.
18.10.2015 00:30
VICTOR BANDARRA
Jornalista
Correio da Manhã
Finalmente, das três uma: gargalhava a bandeiras despregadas, desenhava sorriso irónico ou, havia dias, armava fuzilante olhar de desdém à carantonha que lhe enchia o espelho. Assim se confessou o meu amigo Zé dos Pneus antes de ir parar à igreja de Linda-a-Velha, onde não foi possível cumprir a sua última vontade: uma roulote de bifanas e sandes de couratos a funcionar durante o velório.
O Zé, à boa maneira alentejana, não contava anedotas, contava histórias. Uma das suas preferidas era a história do grupo de malucos do Júlio de Matos, viciados em anedotas, que de tanto as contarem decidiram numerá-las, para memória futura. Por exemplo: um deles gritava "Papagaio 1976" e esperava pela reacção dos parceiros. Memória afiada, havia os que riam, os que sorriam e os que suspiravam de tédio. A anedota com maior sucesso era a "Portugal 2015". Escangalhavam-se todos a rir, alguns não aguentavam as águas.
O humor é a mais difícil e perigosa das artes e ofícios humanos, quiçá divinos. Há crentes a suspeitar que só um grande humorista como Deus conseguiria inventar um animal chamado Homem, que tem a mania de se assumir como o único animal que ri. Apesar de tudo, há gente que não consegue sequer sorrir de si própria. Outros, como a hiena, riem por tudo e por nada. Fernando Pessoa ele próprio, o tal que foi "apanhado em flagrante delitro", escreveu uma "Anti-gazetilha" que reza assim: "No comboio descendente/Vinha tudo à gargalhada/ Uns por verem rir os outros/ E os outros sem ser por nada/ No comboio descendente/De Queluz à Cruz Quebrada..."
O humor é o maior exercício de Liberdade, sobretudo em tempos de ditadura. Mas tudo depende do alvo, da raiva e da pontaria. Em Portugal, por falta de raiva ou de pontaria, há mais gente a dissertar sobre o humor do que a fazer humor.
Aliás, Portugal não é propriamente um país onde as pessoas se vejam ao espelho. Basta reparar nas elites que frequentam as televisões, e até as outras: riem-se muito, uns por verem rir os outros, e os outros sem ser por nada. E quando um candidato a deputado visitou o grupo de malucos e, precavido e avisado, pediu para contar uma anedota, saiu-se logo com a clássica "Portugal 2015". Os malucos entreolharam-se, nem ai nem ui, sequer um sorrizinho disfarçado. O candidato, encabulado, fez a pergunta óbvia: "A Portugal 2015 já não tem piada?" Resposta unânime: "Piada tem, e muita! O senhor é que não tem jeito nenhum para contar histórias!". Diria o Zé que, ou os portugueses andam todos malucos, ou os políticos não têm jeito nenhum para fazerem História.
18.10.2015 00:30
VICTOR BANDARRA
Jornalista
Correio da Manhã
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