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Cair no cais
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Cair no cais
Ao longo dos últimos anos a Madeira tem ficado conhecida no plano nacional por alguns exotismos difíceis de explicar, mas facilmente capazes de envergonhar até o mais orgulhoso madeirense. Em poucos anos conseguimos fazer desta terra motivo de paródia com excentricidades, que também acontecem noutros locais, mas que nestas bandas crescem como silvado em terreno baldio.
No tempo das vacas gordas e dos eleitores fiéis, conseguimos recordes de betonização que deram para cimentar o que era preciso e o que não era também. É aquela velha história, já tantas vezes contada, dos centros cívicos, dos parques empresariais, das promenades, do heliporto e das marinas, sobretudo a do Lugar de Baixo.
Depois desse regabofe, que durou anos em que parecia que o mundo acabava no dia seguinte, a nossa distraída administração regional foi informada de que havia umas continhas a pagar. Primeiro negou, depois disse que talvez e andámos nisso até se perceber que havia mesmo um buraco que já transbordava de contas escondidas.
Pomposamente preferimos chamar-lhe dívida oculta.
Veio então o temível Plano de Ajustamento Económico e Financeiro e foi-se a Autonomia! E a Madeira ficou em regime de contenção forçada, assim como ficam os adolescentes que gastam num só dia, em gomas e outras guloseimas, o equivalente a uma dúzia de semanadas.
O que ficou desse triste episódio parece ter sido retirado do livro ‘A Administração Pública para Contribuintes Totós’.
Mas o castigo não serviu de emenda. Longe disso. Mesmo fortemente condicionados pelo controlo de Lisboa, a administração regional (sim, porque aquilo não era bem governo) lá conseguiu maneira de voltar às guloseimas embrulhadas em papel de cimento e vendidas em qualquer construtora do regime. Na primeira oportunidade para gastar os trocos que sobraram da festa que durou décadas, a opção foi outra vez para o cimento, mas agora junto ao mar, num cais que prometia ter tanto de bonitinho como de inoperacional.
Quem mandava na altura ignorou os alertas, os avisos e até os conselhos de quem sabe. Rotulou de tontos os que abanaram a cabeça àquela muralha baptizada de cais. E mais uma vez, mesmo adulterando o espírito de Pessoa, o homem sonhou e a obra nasceu.
O resultado está à vista. Temos no centro do Funchal um passeio jeitoso junto ao mar, mas um cais desadequado. E o que era para ser uma mais-valia, mais valia que não tivesse sido feito. O problema é que foi e vamos ter de pagar aqueles 20 e tal milhões de euros para um cais que, dizem agora os responsáveis pela obra, tem como função principal servir de muro de protecção para o jardim feito nos restinhos do jardinismo.
E assim voltámos a cair na esparrela das obras inúteis e muito caras. Quando era suposto a Madeira começar a levantar cabeça, a aprender com os erros e não os repetir, percebemos que voltámos a cair. Desta vez no cais.
Miguel Silva
Actualizado há 8 horas e 16 minutos
Diário de Notícias da Madeira
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