O jogo secreto da amizade

Só são precisos dois para jogar damas. No caso, duas. Patrícia Sequeira na realização e Filipa Leal no argumento distribuem as peças no tabuleiro. Essas, as peças, são menos do que a quantidade oficial: doze, o número bíblico dos apóstolos, mas cada uma delas se multiplica nas suas revelações de uma noite longa - como foi a da última ceia. A noite em que cinco amigas fazem uma vigília em memória da sexta. Seis mais seis igual a doze. Deixando de lado os termos numéricos, Jogo de Damas é um minucioso trabalho de composição, organizando na tela as atrizes segundo uma lógica ténue de "jogada". Maria João Luís, Ana Padrão, Rita Blanco, Fátima Belo e Ana Nave movem-se dentro do espaço minimalista de uma casa como forças individuais controladas por uma mão superior. Todas elas são muito diferentes, moldadas pela vida de forma distinta, mas o palco comum da amizade liberta-lhes as palavras presas pela dor de uma morte. Por isso é tão interessante perceber como o filme de Patrícia Sequeira tem também um movimento dramático compassado. Primeiro a comunicação entre as cinco mulheres surge hesitante, amarga. Depois vai tomando a forma de uma grande bolha de segredos, que o vinho e a Lua ajudam a rebentar.Não é muito comum o cinema debruçar-se sobre um espaço de tempo tão concentrado - apenas uma noite - e, mais ainda, sobre o estado maduro de uma amizade feminina. Jogo de Damas tem o mérito de congregar cinco atrizes da mais elevada referência, que aqui tiveram a oportunidade de deixar bastante de si às suas personagens. Este é um filme de "gestação" comum, e isso sente-se na cumplicidade autêntica que prevalece à ficção.Será a "amizade capaz de sobreviver à morte"? É esta a pergunta que a realizadora e Filipa Leal lançam como mote. Não se sabe, mas ao menos pode-se dizer que expurga.

28 DE JANEIRO DE 2016
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Inês Lourenço
Diário de Notícias